Os filmes estão mais longos?

Sim e não.

Se tratarmos do cinema nacional, é não. Poucos são os filmes que ultrapassam a marca de duas horas como Cidade de Deus (2002), Bacurau (2019), A Vida Invisível (2019), ao ponto de ter investimento (com muita dificuldade) não só para sua extensão, mas para tentar um ínfimo espaço nas salas comerciais monopolizadas pelos blockbusters. No mais, os investimentos dentro do audiovisual brasileiro impedem quase sempre um realizador idealizar seu filme numa marca acima. Ao mesmo tempo, conseguem trazer grandes obras de referência mundial sem importar-se com a duração.

Agora, se falarmos do cinema hollywoodiano, é sim. É aqui onde discorreremos nosso objeto de análise.

A discussão é tomada após a liberação das salas de cinema por conta da diminuição da pandemia do COVID-19, recebendo filmes como Homem-Aranha: Sem Volta para Casa (2h28m), Duna (2h35m), Eternos (2h37m), 007 – Sem Tempo Para Morrer (2h43m), e a intrigante duração de The Batman (2h56m), sem contar filmes de anos anteriores.

A história do cinema sempre comportou essa oscilação de tendências de duração de filmes. Por exemplo, nas décadas de 50 e 60 tivemos diversas películas com grandes durações que sucedem E O Vento Levou em 1939 (3h58m), como Lawrence da Arábia (3h47m), Ben-Hur (3h32m). Existiam pausas e intervalos comerciais em muitas de suas exibições e algumas obras eram idealizadas justamente pensando nessas possíveis interrupções. Quanto maior a duração do filme, perceptivelmente maior o custo de compra, manutenção, reprodução e logística de grandes rolos de película.

Com os avanços tecnológicos dos anos 90, o cinema digital trouxe um suporte em diversos quesitos para as produções. É a partir desse período que a indústria hollywoodiana, dominando a tecnologia, vem numa crescente geral no tempo de seus filmes com fato curioso: Titanic (3h14), Avatar (2h42m) e Vingadores: Ultimato (3h2m) respectivamente as maiores bilheterias dos anos 90, 2000 e 2010 como as três maiores bilheterias da história do cinema. Em discrepância temporal das maiores bilheterias de suas décadas anteriores: Guerra nas Estrelas (2h01m) e E.T. O Extraterrestre (1h55m).

Cada época tem suas peculiaridades e observando a atualidade podemos observar alguns fatores que influenciam a crescente temporal que prossegue.

Quem sabe o maior estranhamento desse fenômeno venha da geração millenials (nascidos entre 1980 a 1994) e parte da geração Z (nascidos entre 1995 a 2015). Dos millenials pelo simples fato de sentir na pele essa transição dos filmes em cartaz. Soma-se a eles o fator muito presente da geração Z que é o consumo periódico e instantâneo de formatos visuais menores, como stories em 15 segundos, tiktoks nanométricos, imagens cada vez seguidas de menos caracteres e vídeos no YouTube cada vez menores. O enfrentamento das plataformas sociais para manter o usuário o maior tempo possível dentro de um conteúdo é hercúleo.

Podemos deduzir que esses perfis são antagônicos com o formato atual dos filmes. Então como tais produções continuam ascendendo em tempo e consequentemente arrecadação?

Porque existe um poder muito maior.

Um dos fatores é a cultura dos stremings e plataformas sob demanda no mercado. Mesmo que longas produções serializadas já estivessem há anos inseridas no cotidiano do espectador (séries em geral, novelas brasileiras, doramas e animes japoneses), são os stremings que ditam novas regras e formas de consumo. Maratonando todos os episódios de uma vez em House of Cards (Netflix) ou esperando semanalmente episódios extensos de Game of Thrones (HBO) são exemplos de títulos que implantaram seus próprios métodos que posteriormente foram adotados por quase todos. No que diz respeito a filmes, essas plataformas não necessitam originalmente correr para disputar vaga na concorrida grade de horários do circuito comercial das salas de cinema (por mais que hoje estejam mais inseridas nessa batalha), e sentiram que podiam flexibilizar tempos maiores em suas produções, como O Irlandês (3h29m), Destacamento Blood (2h34m), Suspiria (2h32m).

Na busca de disputar um espaço no sofá dos espectadores, os estúdios de Hollywood seguiram a tendência e depois de fechar parcerias com as já existentes, a maioria abriu seus próprios streamings, absorvendo alguns modos de operação.

Somando novos costumes com a levante década por década de longos filmes encabeçando os pódios de arrecadação e repercussão, os estúdios desenvolveram uma obsessão de transformar todo filme num grande épico, frequentemente se importando mais com a duração (o recheando de efeitos visuais e pirotecnia) do que a própria e essencial narrativa. A Ilíada & Odisséia são ícones da literatura não pela extensão de seus quase 28 mil versos, mas pela qualidade narrativa e de linguagem que propõe e certamente o faz. Mas nos tempos atuais, um estúdio apresentar seu filme de quase 3 horas é uma forma de ostentar. E a ostentação tem duas regras: faz quem pode e chama atenção de quem não pode. Se um filme tem um orçamento tranquilo para bancar sua duração, é evidente o reflexo de seu poder dentro das salas de cinema.

Numa matemática simples, um filme mais curto (com 1h30m) teria a possibilidade de ocupar um maior número de horários por dia, obtendo uma arrecadação maior do que um mais longo (com 3hs). Mas na matemática de Hollywood, o imperdível filme-evento vangloriado por sua extensão atinge um maior número de curiosos pagantes. Vingadores: Ultimato tem 3h02m e canibalizou as salas de cinema por meses, com mais de 95% das salas brasileiras somente com seu título. No seu marketing, ela aposta no conjunto de fórmulas de seus antecessores justamente na repercussão que a extensão do filme causa. As pessoas se indagam – entre tantos encantos – por que na história cinematográfica dos quase dez filmes do Batman a versão estreante de Matt Reeves é a maior com 2h56min. O que contém? Ao permanecer esse tempo diante da tela, terei uma experiência única? Se sim, qual?

Independente da qualidade do filme pela crítica ou a recepção pelo público, a ostentação dos estúdios pelo épico da última semana é forte a todo instante. E cabe a nós a cada “épico” nos perguntar:

Tamanho é documento?

[Texto originalmente publicado na ACECCINE – Associação Cearense de Críticos de Cinema]


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