007: Sem Tempo Para Morrer – O passado é aterrorizante… e o futuro também

Logo em uma das primeiras cenas de Sem Tempo Para Morrer (No Time to Die), Madeleine (Léa Seydoux) percebe que James (Daniel Craig) não para de olhar para trás. É uma metáfora bastante óbvia e nem precisaria que a moça verbalizasse para sabermos que além do hábito da profissão, que o faz sempre estar atento a um perigo iminente, Bond tem um passado que o persegue onde quer que vá. Além da perda trágica e insuperável de Vesper Lynd (Eva Green) em Cassino Royale (Casino Royale, 2006) tivemos, especialmente nos dois últimos filmes da Era Craig, Skyfall (2012) e Spectre (2015), uma pincelada no passado do personagem que nos leva a conhecer melhor a mente deste misterioso protagonista.

Finalmente, após tantos adiamentos por conta da pandemia de COVID-19, o 25º filme de 007 chega aos cinemas, seis longos anos depois de sua última e não tão bem recebida aventura. Agora a missão de encerrar a saga de Daniel Craig como o agente britânico mais famoso da ficção estava nas mãos de Cary Joji Fukunaga na direção e roteiro dele e Phoebe Waller-Bridge (ela mesma, a Fleabag), além de Neal Purvis e Robert Wade, que já roteirizavam Bond desde o início dessa nova leva, quando propuseram um Bond bastante diferente de seus antecessores, mais bruto e talvez menos falante, com um charme diferente do de Connery, Moore ou Brosnan, mas sem descaracterizar o personagem criado por Ian Fleming.

Mas não é apenas o passado de James que o persegue neste novo filme, o de Madeleine, ligada pelo falecido pai, Mr. White (Robert Wade), à organização SPECTRE como vimos no último filme, volta a assombrá-la, literalmente, e a “maldição” de que todas as mulheres na vida de James morrerão parece prestes a se cumprir mais uma vez, e mais uma vez o agente se isola do mundo. Mas é claro que sabemos que a aposentadoria não lhe cai bem e é seu velho amigo da CIA, Felix Leiter (Jeffrey Wright), que o “convida” a voltar para encerrar o que haviam iniciado com a organização que é sua arqui-inimiga.

Craig obviamente já está completamente habituado ao Bond que ajudou a recriar, mas não quer dizer que não haveria espaço para lapidá-lo mais um pouco mesmo com o fim próximo, e percebo que aqui temos um 007 ligeiramente mais debochado do que nos quatro filmes anteriores, tornando-o mais carismático e menos frio, algo que sempre me deixou um pouco incomodado. Talvez seja o olhar mais apurado do humor de Waller-Bridge entrando em ação. Além disso nestes cinco filmes finalmente conseguimos ter um grupo para apoiar o protagonista, essencial para a dinâmica do filme. Moneypenny (Naomie Harris), Tanner (Rory Kinnear), Q (Ben Whishaw, maravilhoso) e a novata Nomi (Lashana Lynch) formam o time do MI6 juntamente com o novo M (Ralph Fiennes).

Mas como não poderia ser diferente com Craig, James está mais porradeiro do que nunca. O filme talvez tenha as melhores cenas de ação da franquia, o que faz até o longo tempo de duração do filme (2 horas e 43 minutos) não parecer tão grande assim. Fukunaga demonstra maestria nas sequências mais rápidas, conseguindo até criar divertidos diálogos dentro delas, e dosa bem com os momentos mais lentos e melancólicos, nunca nos deixando esquecer que este é um filme de despedida do personagem, ou ao menos de seu intérprete da vez. Mas também deve ser uma despedida da trama iniciada em 2006 e que em Spectre parecia finalizada. Para isso o retorno de Blofeld (Christoph Waltz) já era esperado, e é colocado de forma espetacular, por um lado com algo que só poderia vir de um vilão de 007 e de outro quase como um perigosíssimo Hannibal Lecter em sua cela. Mas e o novo vilão principal? Ele está lá, e tem até uma boa motivação, mesmo que clichê, mas no fim é até bom que o Lyutsifer Safin de Rami Malek não chame tanta atenção, para que o foco não se perca de Bond. Mas ainda assim é infinitamente melhor que o esquecível Dominic Greene (Mathieu Amalric) de Quantum of Solace (2008).

Sem Tempo Para Morrer encerra com muita dignidade a Era Craig nos filmes de 007, mostrando que além de bastante ação e espionagem essa franquia também consegue emocionar e surpreender. E mesmo que sintamos falta de Daniel Craig já estava na hora de passar o bastão para o 007 da próxima geração, o que nos leva a um já antigo debate sobre o futuro do personagem. O que o futuro guarda para a franquia? Será possível que tenhamos algo realmente novo no próximo 007? Sem Tempo Para Morrer nos mostrou que sim.


VEJA TAMBÉM

Tenet – Embaralhando as regras do jogo do tempo

Missão: Impossível – Efeito Fallout – A importância de se reinventar dentro de seu próprio gênero