O Irlandês – Uma despedida melancólica

Martin Scorsese é um diretor lendário. Sua importância vai além dos filmes. Ele fez parte de um movimento dos anos 1970 chamada Nova Hollywood, que foi responsável por repensar a estética e a indústria de cinema norte americana após a crise do cinema clássico. Scorsese também mantém diversos projetos sociais em preservação do cinema e de filmes antigos (não só americanos), entre os projetos destaca-se o The Film Foudation, um site responsável por receber doações e que conta com a colaboração de diversos outros diretores e diretoras. Além disso, ele é responsável por entregar diversos filmes importantes para a indústria do cinema e que, de certa forma, revolucionaram sua época e servem de influência até hoje, com destaque para Taxi Driver: Motorista de Táxi (Taxi Driver, 1976), Touro Indomável (Raging Bull, 1980), Os Bons Companheiros (Goodfellas, 1990) e, mais recentemente, o diretor mostrou uma capacidade de se renovar com A Invenção de Hugo Cabret (Hugo, 2011) e O Lobo de Wall Street (The Wolf of Wall Street, 2013).

Seu último filme era Silêncio (Silence, 2016), um filme sobre padres católicos portugueses em um Japão do século XVII, inspirado num livro de mesmo nome escrito por Shusaku Endo. Esse filme gerou bastante discussão e dividiu muitas opiniões, inclusive que o diretor já tinha passado seu tempo e que talvez fosse hora de se aposentar. Em 2019, com 77 anos, Scorsese lança seu filme mais recente, O Irlandês (The Irishman, 2019), pela Netflix e, de certa forma, mostra que ainda não é tempo de parar, mas talvez de jogar no seguro e voltar ao gênero que o consagrou, sobretudo nos anos 90, com Os Bons Companheiros e Cassino (Casino, 1995), e que nos anos 2000 lhe rendeu seu único Oscar como diretor, com Os Infiltrados (The Departed, 2006). Assim, o filme da Netflix  mostra a história de Frank Sheeran, líder sindical dos estados unidos que tinha relação com a máfia, e de como tudo isso implica em sua vida, em um tom confessional. Vale ressaltar que o filme é inspirado no livro I Heard You Paint Houses de Charles Brandt e que o Scorsese tinha a intenção de filmá-lo logo após os Infiltrados, mas que por desavenças entre o escritor e o roteirista, Steven Zaillian, o projeto teve que ser adiado.

O Irlandês segue um padrão que o Scorsese segue em seus filmes. Uma narração vai conduzindo o espectador durante o filme e não o prepara de modo algum para as cenas que vão acontecer, sobretudo as mais violentas. Além disso, o filme tem linhas temporais diferentes, consegui identificar 4: o presente, o passado, o passado do passado e o futuro (ou novo presente). O filme transita muitas vezes entre essas linhas temporais, a marca para essa transição são os próprios atores, diante da tecnologia de rejuvenescimento, no qual é possível identificar os períodos de tempo. A longa duração do filme, 03h30 aproximadamente, pesa um pouco na experiência, não se trata da duração em si, mas do ritmo do filme que algumas vezes fica truncado, entretanto, nada que prejudique a experiência cinematográfica.

Em termos de roteiro não há muito o que comentar, ele é bem funcional e dá oportunidade para os atores brilharem. Como já falei, o filme conta a história de vida de Frank “The Irishman” Sheeran (Robert De Niro) e em como ele, de um simples vigarista, acabou entrando na máfia e sendo respeitada por ela. O filme, contudo, vai além dos mafiosos e mostra as relações pessoais do protagonista com três figuras importantes Russell Bufalino (Joe Pesci), Jimmy Hoffa (Al Pacino) e, sua filha, Peggy Sheeran (Anna Paquin). As relações entre eles é bastante desenvolvida e explorada, e também mostra como a vida de Frank vai lhe impondo certas situações que ele não espera, bem como as consequências delas. As atuações são o expoente do filme e todo o elenco dá conta do recado. Ao final, mediante a frase “estão todos mortos, Frank” percebemos a solitude do protagonista que termina sua jornada sozinho, abandonado pela família e com seus amigos mortos. Nesse ponto do filme, todo o ar melancólico que vinha sendo construído chega a seu ápice, em uma quase metáfora visual talvez do movimento que o Scorsese iniciou logo no começo de sua carreira. Porém, mesmo abandonado e com seus companheiros mortos, Frank vive.

O Irlandês pode não ser a obra-prima da vida de Scorsese, mas certamente é uma luz do melhor do seu cinema da década de 90. Uma prova viva que o cinema de seu diretor ainda tem oxigênio em pleno 2019, entregando uma história violenta, mas até certo ponto comovente e que tem como força maior, além da sua direção, as atuações de seu elenco, em especial na figura de Robert De Niro e Joe Pesci. Um acerto da Netflix e uma boa aposta para a temporada de premiações em 2020.

 

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