A Beleza Salvará o Mundo é o quarto e último episódio da minissérie antológica da Rede Globo Amor e Sorte (2020), gravado já durante a pandemia, dentro das residências do próprio elenco com auxílio técnico remoto, e que conta histórias fictícias que se passam neste período de isolamento social. Neste derradeiro capítulo, conhecemos o casal Teresa (Luisa Arraes) e Manuel (Caio Blat), que acabaram de se conhecer e chegam na casa de Teresa após este primeiro encontro, que parece ter sido bastante animado. Os dois têm uma bela noite juntos, ele brincando de gravar um filme com sua câmera, onde ela é a atriz principal. Decidem então passar os próximos dois dias sem contato algum com o resto do mundo (ou seja, sem celular) e vivem intensamente um fim de semana apaixonados. Mas quando voltam a ter acesso à informações descobrem que o mundo foi tomado por uma pandemia e que Manuel seria “obrigado” a ficar na casa de Teresa até que tudo passasse, o que causa bastante desconforto em ambos.
Enquanto o primeiro episódio da minissérie é mais dramático, o segundo quase uma sitcom e o terceiro flerta com a comédia romântica, este último escolhe tomar para si um estilo mais teatral, com dramatizações e diálogos mais endurecidos e, não à toa, o teatro e o cinema clássicos são várias vezes referenciados durante o episódio. O mote principal é dado quando, após descobrirem que precisarão ficar juntos durante não se sabe quanto tempo, descobrem também que, mesmo com o incrível fim de semana que passaram juntos, os dois mal se conhecem e várias “verdades” começam a aflorar.
Deste modo, o episódio, dirigido e escrito pelos dois atores, com auxílio de Jorge Furtado, tenta alcançar um ar de comicidade teatral que hora parece funcionar, mas que não alcança nada além do razoável. Levando no título uma célebre frase do escritor e filósofo russo Fiódor Dostoievski, o episódio se propõe a demonstrar como a arte pode transformar as pessoas, influenciando quase todos os aspectos de nossa vida, mas infelizmente, por mais que a intenção seja ótima, tentando ver na arte uma saída para o caos, aqui representado pela pandemia e pelo isolamento, este último capítulo não alcança seu objetivo de fato, nos entregando não mais do que algumas risadinhas, e ainda assim, nem com isso consegue ser tão efetivo.
Por outro lado, por mais que não tenha gostado tanto deste e do segundo episódio, preciso considerar o mérito das tentativas de experimentação de Amor e Sorte. Produzir e filmar nestas condições em que nos encontramos requer um grau de inventividade que certamente ninguém estava preparado para encarar. E acho louvável que produções como esta, além de outras como as brasileiras Diário de Um Confinado (2020 -), também da Globo e Carenteners (2020 -), do canal Warner, e Homemade (2020 -) e Social Distance (2020 -), ambas da Netflix, não só abordem um tema tão atual e ainda tão sensível, como lidem com isto dentro de suas próprias feituras, demonstrando a resistência que a arte, algo que muitas vezes é ligado à delicadeza e ao cuidado, consegue demonstrar com muita força. E talvez este último episódio não tenha tido êxito em demonstrar esta resistência da “beleza” em seu roteiro, mas o simples (ou nem tão simples assim) ato de se produzir um episódio de uma série nas condições em que isso foi feito, já seja um grande mérito.
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Amor e Sorte – Episódio 1: Lúcia e Gilda – Recriando os afetos
Amor e Sorte – Episódio 2: Linha de Raciocínio – A efetividade das escolhas
Amor e Sorte – Episódio 3: Territórios – O melhor lugar do mundo
Diário de Um Confinado – Crônicas do isolamento social
Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.