Besouro Azul – Uma diversão bem-vinda

Super-heróis no cinema deixaram de ser novidade há um bom tempo, isso não é surpresa para mais ninguém e tem levado o público em geral a uma fadiga do gênero. Há questionamento se isso se dá pela quantidade de produções com super-heróis ou pela falta de originalidade na “contação” dessas histórias. No ano de 2023 um dos grandes lançamentos foi o filme Besouro Azul (Blue Beetle, 2023), parte do chamado DC Extended Universe, com a sua ruína anunciada e com o filme com maior chance de um bom desempenho sendo um dos maiores fracassos do ano – The Flash (2023). O longa é protagonizado por Xolo Maridueña no papel titular de Besouro Azul/Jaime Reyes, e dirigido pelo diretor Angel Manuel Soto.

Primeiramente, o personagem não faz sua primeira aparição em live actio, nesse longa metragem, pois no seriado Smallville: As Aventuras do Superboy (Smallville, 2001 – 2011) aparece no episódio “Booster” interpretado por Jaren Brandt Bartlett. Jaime Reyes é um personagem que adota o codinome Besouro Azul após dois outros heróis usarem o mesmo nome, Ted Kord e Dan Garret. O personagem de Jaime apareceu também em diversas animações, algumas responsáveis pela sua consolidação como um conhecido personagem atualmente. No desenho animado Batman: Os Bravos e os Destemidos (Batman: The Brave and the Bold, 2008 – 2011) o personagem é dublado por Will Friedle e faz recorrentes aparições ao lado do Batman em suas aventuras. 

Uma grande e importante parte da mitologia do herói se trata do escaravelho, conhecido como Khaji Da (dublado na adaptação para o cinema pela cantora Becky G) um artefato alienígena criado para conquistar planetas para a raça Reach. Originalmente o artefato era algo mágico, responsável pelas habilidades do herói, mas esse retcon foi feito e aprofundado na relação entre Jaime com Khaji Da em contramão à missão de Khaki Da e sua programação. No seriado Justiça Jovem (Young Justice, 2010 – 2022) os antagonistas de toda a segunda temporada são os Reach, então, a quem quiser entender mais sobre a mitologia do personagem e os demais escaravelhos (algo que o diretor já expressou desejo de explorar mais no futuro caso tenha a chance).

É também importante pontuar como um dos pontos positivos do filme, deixando a maior falta de originalidade dele de lado, é como o núcleo do filme funciona. Obviamente Angel Manuel Soto bebe muito de referências audiovisuais latinas como telenovelas e talvez até seriados como Jane the Virgin (2014 – 2019) e Ugly Betty (2006 – 2010) – uma visão norte-americana da vida de latinos nos EUA. O humor funciona muito, e somos apresentados a esse núcleo familiar de Jaime, um núcleo familiar extremamente caótico mas onde cada personagem desempenha seu papel (tanto na trama quanto dentro da família) de forma única. Os personagens são parte da alma desse filme, conseguindo fazê-lo parecer muito próximo de casa. Não só por sua estética e as personalidades dos personagens de apoio, o próprio filme honra a cultura latina com referências diretas à A Usurpadora (La Usurpadora, 2008) e também Chapolin (El Chapulín Colorado, 1973 – 1979). 

A trajetória de Xolo Maridueña conta com vários papéis em seriados. Destes papéis o mais duradouro foi um papel de personagem principal em Cobra Kai (2018 -), chegando em breve a sua sexta e última temporada pela Netflix. O mais importante é sentir que em seu primeiro papel de protagonismo em um longa metragem, ele não parece ofuscado em meio ao resto do elenco ou mesmo em meio aos efeitos. Sua interpretação de Jaime Reyes é despretensiosa, mas cativante, capaz de captar o caos e a confusão da juventude em meio a tantos problemas e explosões. Ele consegue ir de um teor cômico para um lado emocional, um grande feito para um jovem ator em meio a um dos grandes blockbusters do ano. 

Susan Sarandon é quem dá a vida à Victoria Kord, uma vilã diretamente removida de um filme de ação dos anos 90. Suas motivações são claras, mas sua personalidade e todo o contexto da personagem sequer tentam trazer algo novo às telas. Mesmo assim a atriz consegue brilhar, pelas suas cenas é possível notar que a mesma estava se divertindo muito interpretando uma vilã ricaça, com um capanga poderoso e sede por poder capaz de derrubar quem fosse pelo caminho. Mesmo parecendo uma grande vilã de filmes de ação de duas décadas atrás, sua personagem poderia facilmente ser uma vilã de novela de Manoel Carlos. Seu capanga, Carapax (Raoul Trujillo), possui uma história mil vezes mais interessante e há uma certa carga dada ao personagem, mas o aproveitamento dele é mínimo ao longo do filme. Mesmo assim, as cenas de combate entre Carapax e o Besouro Azul são extremamente divertidas de se assistir. 

Um dos momentos mais aguardados para mim foi assistir à Bruna Marquezine como a personagem Jenny Kord, filha de um dos Besouros Azuis antes de Jaime e a responsável por toda a trama passar a andar. Suas interações com os personagens do filme mostram o quanto ela está no lugar certo, capaz de dar um show de atuação em uma obra tão grande. O filme não a apaga, mesmo em meio a efeitos e um elenco muitas vezes mais experiente com cinema de blockbuster. Pelo contrário, Bruna Marquezine consegue entregar uma personagem original, bebendo de conceitos ultrapassados para uma mulher forte e uma personalidade única. Jenny não é só o interesse amoroso, ela não está lá para estar só em perigo e acima de tudo sua história traz muito para a mitologia do filme. Seria uma grande besteira perder todo o conteúdo e talento cuja a atriz brasileira trouxe para o filme. 

Besouro Azul teria tudo para ser um filme de herói sem personalidade, mas a direção única de Angel Manuel Soto não o permite ser só mais um filme. Talvez o público latino tenha sido o público alvo dessa obra, pois honestamente as referências, as relações familiares, tudo isso funciona muito bem dentro do contexto do filme. O problema é o fato do filme ter sido lançado em meio ao final do mundo estendido da DC, então, qual o ponto de ir ao cinema se não vai estar tudo conectado? Bem, acho que Besouro Azul vem de contraponto a isso, mostrando ser uma experiência extremamente divertida, e os filmes podem ser apenas sobre isso. Mesmo assim, há um desejo de que o mundo de Khaji e Jaime possa ser mais explorado em um futuro não tão distante contando com o elenco e a direção de Soto. O filme também se mostra como um exemplo de que nem todo filme precisa custar trezentos milhões para divertir as pessoas.


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