As Marvels – Uma história para divertir todos os públicos

Levaram muitos anos para a Marvel realizar o seu primeiro filme solo com uma protagonista feminina, mas Capitã Marvel chegou aos cinemas em 2019 lidando com a história de origem de quem viria a ser uma das mais poderosas do UCM (Universo Cinematográfico Marvel). Mesmo assim, o filme e a própria personagem lidaram com algumas críticas, principalmente relacionadas à falta de expressões ou personalidade da mesma. Não ajudou muito o fato da aparição da heroína em Vingadores: Ultimato (Avengers: Endgame, 2019) ter apresentado a personalidade de uma parede, uma parede bem forte e capaz de ir pau a pau com o Thanos (Josh Brolin). Nunca acreditei na falta de carisma da personagem ser culpa de Brie Larson, que dá vida à Carol Danvers, e no próprio primeiro filme ela mostra o seu alcance em meio a uma origem complexa da sua personagem. As Marvels (The Marvels, 2023) veio para mostrar de verdade a faceta menos “sou foda” da personagem Capitã Marvel, levando em consideração suas fraquezas e seu lado humano. 

A direção de As Marvels é assinada por Nia DaCosta, sendo o terceiro longa metragem da diretora e a faz também a diretora mais jovem a dirigir um filme da Marvel. Seus filmes anteriores são de diferentes gêneros, diferentes histórias, não poderiam ser mais destoantes da história e das personagens de As Marvels, mas mesmo assim há sim algo em comum entre eles. A força das relações, o peso delas, as diferenças e semelhanças das personagens nos filmes de DaCosta são parte da sua identidade como diretora. Em Passando dos Limites (Little Woods, 2018) a história é movida pela conexão – ou falta dela – entre duas irmãs, uma delas interpretada pela Valquíria da Marvel, Tessa Thompson. Já no remake-continuação A Lenda de Candyman (Candyman, 2021) o foco está na relação amorosa dos dois protagonistas, assim como a relação de um deles com o mundo da arte e todo o envolvimento com o racismo. É ir longe falar de como as relações interpessoais são pontos muito fortes dos três longas dirigidos pela diretora? Talvez, mas foi o sentimento obtido após ter assistido a três obras muito únicas entre si. 

Mas de volta ao terceiro longa lançado pela Marvel em 2023, estamos falando de um filme sem pretensão, cujo objetivo é sim divertir o seu público, e é muito importante apontar isso quando começamos a falar dele. Impossível negar as referências narrativas de animações modernas, podendo ser diretas ou indiretas, como She-Ra e As Princesas do Poder (She-Ra and the Princesses of Power, 2018 – 2020). Todo o enredo do filme parece uma temporada da animação sintetizada em uma hora e quarenta e cinco minutos. Por ser o menor filme da Marvel já feito há uma certa divisão, mas sou firme pensando em como a minutagem mais curta pode atrair mais público. Em minha opinião particular algumas cenas ganhariam bastante caso o filme tivesse uns minutinhos a mais. Mesmo assim é importante pensar como o mesmo não cansa, além da duração, o ritmo dele e as cenas fazem a obra funcionar muito bem. 

O balanço entre o cômico e o emocional do longa funciona muito bem, especialmente alternados com os efeitos, as cores e as atuações presentes no longa. Conseguimos pegar em pontos extremamente vulneráveis das personagens e logo após dar boas risadas. Bebendo diretamente de três obras – Capitã Marvel, WandaVision (2021) e Ms. Marvel (2022) -, a obra não se deixa apoiar apenas na presunção do público ter assistido a todas as obras, pois frequentemente o filme traz fatos importantes à luz de seu enredo. Os elementos mais importantes foram os apresentados em Capitã Marvel em relação à história da heroína com o povo Kree, responsável por todos os traumas com quem a mesma está lidando durante essa sequência. Um dos pontos altos da obra é ela entender não ser necessariamente um filme direcionado para a bolha dos fãs da Marvel.

Em certos filmes é interessante para o público se ver ali, ver suas opiniões e suas reações. Assim foi o sentimento de assistir à Mônica Rambeau (Teyonah Parris) reagindo às interações e comentários ao seu redor, em particular a como Kamala Khan (Iman Vellani) conversava com Carol Danvers. Não apenas isso, mas o olhar de Mônica era literalmente parte do público durante a visita da equipe de heroínas ao planeta Alanis, lar do Príncipe Yan (Park Seo-joon). Foi interessante ver a personagem brilhar, pois a mesma foi uma das melhores coisas de WandaVision, onde  não teve sua história de luto ganhando o foco merecido. Suas breves cenas lembrando de sua mãe, Maria (interpretada por Lashana Lynch novamente em sua terceira aparição no MCU) foram de tirar o fôlego, e espero ser capaz de ver mais da história das duas. Além do mais, foi interessante como Carol e Mônica foram colocadas e trabalhadas nessa obra como uma família, dando força e um bom apoio ao arco de Carol lidando com sua própria humanidade. 

Durante o filme, consegui ouvir pessoas do meu lado comentando: “Ela parece mesmo uma adolescente”, se referindo à Kamala Khan, e isso é algo bem notável desde sua própria série. A juventude transborda na personagem, que parece de fato ser uma adolescente em meio a um mundo repleto de heróis e reviravoltas. Honestamente, para uma pessoa atuando no seu primeiro longa, Iman trabalha muito bem, especialmente ao lado de nomes muito estabelecidos como Brie Larson e Teyonah Parris. É notável como a atriz se divertiu durante sua experiência. Na verdade todos os envolvidos no filme parecem ter aproveitado muito bem ter filmado a obra. Se a audiência pode gargalhar, rir, se emocionar, é bem notável como o elenco e a diretora também tiveram sua cota de diversão criando a obra. Como mencionei anteriormente, é uma obra despretensiosa, algo que não fez grandes promessas e entregou para fãs e não fãs da Marvel mais do que o esperado. 

Outro ponto alto desse filme é a sua fotografia, capaz de entregar um equilíbrio muito bom de cores vibrantes e uma visão criativa de mundos imaginários. O design de produção trabalhou muito para criar naves, planetas e vestimentas únicas para cada um dos muitos lugares por onde o filme passa. Pensar em como estes ambientes foram importantes para toda a composição do filme como uma obra, era importante trazer locais diferentes de mundos extra tecnológicos comumente usados para retratar a vida em outros planetas. A originalidade do longa ganha apostando em conceitos pouco explorados, muitas vezes bebendo de fontes inesperadas da cultura pop. Visualmente o filme impressiona sim, trabalhando com mundos, cores e poderes imageticamente divertidos. 

Falando em animações, a trajetória de Carol nesse filme é muito paralela à de Korra em Avatar: A Lenda de Korra (The Legend of Korra, 2012 – 2014), por ter de lidar com o fato dela ser um ser falho e que vai cometer erros. Enquanto tivemos quatro temporadas onde Korra vai de “Mary Sue” (odeio esse termo para representar personagens femininas capazes de fazer tudo que qualquer protagonista masculino faz desde a origem de narrativas) à uma pessoa capaz de compreender seu lugar e seus erros como uma pessoa normal. Carol enfrenta nesse filme uma fantasma de seu passado na forma de Dar-Benn (Zawe Ashton) e é forçada a lidar não só com uma inimiga com uma arma poderosa, mas com as consequências de seus erros e com o fato dela ser capaz de errar mesmo sendo um dos seres mais poderosos do universo.

Errar é humano. Inclusive, mesmo com sua motivação partindo do lugar certo acho importante pontuar como Dar-Benn é uma antagonista com quem o público não consegue simpatizar, me lembrando a vilã da quarta temporada de Korra, Kuvira. O embate entre as duas se dá muitas vezes pelas amarras de Carol, não apenas por causa do enredo do filme e sua conexão com as outras duas protagonistas, mas por esse local de culpa. Enquanto a humanidade era algo distante de Carol Danvers em seu primeiro filme, Brie Larson brilha neste novo dando mais camadas e mais personalidade a uma personagem incrivelmente poderosa que ainda é, sim, humana. 

Sinto muito pelos não capazes de aproveitar o festival de cores, piadas, cenas de ação muito bem coreografadas e filmadas. Tudo bem. Ninguém é obrigado a gostar de um filme por nenhuma razão. Porém ficar desanimado enquanto As Marvels, em meio a tantas coisas ruins entregues no gênero de super heróis neste ano, sinceramente, talvez devessem deixar de lado a ideia de ver filmes de super herói. Afinal, As Marvels é o próprio suco de filme de super heróis, com boas personagens, bons efeitos e surpreendentes ganchos para um futuro. O filme vai estar disponível nos cinemas mais próximos de vocês, aproveitem bem a experiência. Trago esse texto também para levantar o quão importante é uma visão humana e particular de cada obra, pois trazer textos críticos como regra ou única base para formação de opinião é muitas vezes centrar o poder em um só lugar. Nem todo crítico tem o background do público, assim como nem todo crítico sabe do que o público vai gostar.


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