Cobra Kai – O equilíbrio entre renovação e nostalgia

Parece que a onda de reviver filmes clássicos transformando-os em séries está longe de acabar. Ótimos exemplos disso são filmes como Um Drink No Inferno (From Dusk Till Dawn, 1996), Máquina Mortífera (Lethal Weapon, 1987) e que acabaram originando séries de mesmo nome. Foi seguindo essa tendência que o Youtube Red, serviço de streaming da plataforma de vídeos, chegou com Cobra Kai, série protagonizada por Johnny Lawrence que continua os acontecimentos do filme Karatê Kid – A Hora da Verdade (Karate Kid, 1984), agora do ponto de vista do seu antagonista.
Cobra Kai traz os personagens Johnny Lawrence e Daniel LaRusso 30 anos depois do campeonato do Vale, interpretados por seus atores originais, William Zabka e Ralph Macchio, respectivamente, o que de cara já é um ponto positivo para a série. É muito bom reencontrar os personagens sentindo que o tempo realmente passou para eles. Mas, as partes boas do seriado não param por aí.
O Lawrence de meia-idade é ignorante, antiquado e vive preso ao passado. Nota-se pelo carro que dirige, os filmes que assiste e na forma retrógrada de ver o mundo. Naturalmente, como alguém que ainda não amadureceu, ele também perde tempo remoendo a derrota que sofreu no tatame para LaRusso que, por sua vez, vive a vida de um vencedor, em todos os sentidos. Atualizou-se, tem uma família estruturada e um negócio bem sucedido. A série começa nos mostrando esse contraste entre eles e o que acontece para que os dois voltem a se enfrentar. E, apesar de não ser tão elaborada, ela é eficiente em fazer inversões no mínimo divertidas sobre as posições dos personagens ao colocar o vilão do filme como protagonista e o mocinho como um antagonista capaz até mesmo de fazer pequenas vilanias. Além disso, Cobra Kai também atualiza os temas que o filme original trabalhou, se Daniel-San precisou aprender a lidar com o bullying no colégio, aqui a perseguição online também mostra sua cara.
Gosto também de observar como os ciclos de ódio vão se formando na série, e como as influências podem ser determinantes, seguindo direitinho uma das frases mais icônicas do filme de 84, “No Such Thing As Bad Student, Only Bad Teacher” (Não existe mau aluno, só mau professor). Johnny, apesar de ter do bom e do melhor, foi oprimido na infância e se viu obrigado a endurecer treinando num caminho violento do karatê. Logo, ele não sabe ensinar os alunos do seu dojo de outra forma, passando para eles seus comportamentos tóxicos. Seus alunos, todos rejeitados e deslocados no colégio, “perdedores” aos olhos do professor, acabam se transformando em pessoas agressivas, utilizando a raiva e o ressentimento como principais combustíveis para superarem seus problemas.
Claro que as referências ao filme não poderiam faltar e aqui ele é referenciado e homenageado o tempo inteiro, não só em pequenos detalhes mas em situações completas, ecoando narrativamente pela série e funcionando dentro dela, agradando o público antigo e, ao mesmo tempo, repassando para o novo. Aliás, a série faz um bom trabalho em equilibrar esses dois públicos, enquanto o núcleo adulto entretém os mais velhos, o núcleo jovem também é cativante e não vira um momento tedioso na série. A única ressalva é Anthony (Griffin Santopietro), o filho mais novo de Daniel LaRusso, um personagem de uma nota só, que acaba sendo usado pela série como um alívio cômico gordofóbico desconcertante, principalmente quando um dos conflitos é o de Aisha (Nichole Brown) que é oprimida pelas colegas de classe por ser gorda.
Muito embora Cobra Kai seja bem básica em termos de estrutura e até um tanto moralista em alguns pontos (caracterizando os personagens como ruins fazendo-os usarem drogas, por exemplo), ainda é uma série bem gostosa de acompanhar com episódios curtos que facilitam a maratona. Resta esperar que a próxima temporada, já confirmada pelo Youtube Red, consiga manter o equilíbrio e continuar o bom trabalho.