Capitã Marvel – Uma heroína que não precisa provar nada para ninguém

Eu conheci as histórias em quadrinhos de super-heróis ainda criança, muito por influência do meu pai, fã do Homem-Aranha. Conforme meu crescimento, fui descobrindo outros heróis e outros títulos, lendo desorganizadamente quando por acaso conseguia comprar uma revista num sebo ou algo assim. Findei preferindo o universo Marvel e, já na adolescência, consegui acompanhar X-Men, Homem-Aranha e também as aventuras solo do Wolverine, meu mutante favorito. Entretanto, embora eu ainda adore quadrinhos e sempre tente recomeçar a ler com mais frequência, acabei deixando outros hobbies ocuparem mais o meu tempo, entre eles, a cinefilia, que acabou se transformando em profissão anos mais tarde

 

Eis que tudo que eu conhecia de Capitã Marvel vem desse consumo inconsistente da adolescência; de aparições, citações ou até mesmo daquelas páginas que anunciavam novas sagas ou novos títulos no final da revista. Portanto, não era muita coisa. Logo, minha expectativa também não estava alta. Se você prestou bastante atenção no começo do texto vai entender que eu aprendi cedo, ainda na aurora da era dos herói no cinema, que esperar demais dos filmes não vai te ajudar a ter boas experiências. E é assim que eu lido com cinema, principalmente o blockbuster, hoje em dia: quanto menos eu souber e esperar, melhor. Eu tinha apenas dois desejos a serem alcançados: uma boa dose de entretenimento e a construção de um novo ícone representativo feminino nessa nova levada de personagens, que figuraria ao lado de figuras como Rey, Mulher Maravilha e Furiosa. E nesse sentido, eu saí plenamente satisfeita.

Durante flashbacks da protagonista, nós vemos Carol Danvers (Brie Larson) caindo e sendo subjugada por homens. A personagem ouve frases que toda mulher já ouviu em algum momento da vida. Somos, ao mesmo tempo, as mais cobradas e as mais desvalorizadas na sociedade. Nossa competência é colocada à prova, espaços, debates e liberdades nos são negados, em todos os âmbitos da vida, o tempo todo. Espera-se que sejamos decorativas; que estejamos bem vestidas, arrumadas, agradáveis e atraentes. Que sejamos frágeis, dependentes, inexperientes e submissas a um grande homem que nos protege, provê tudo o que precisamos e resolve todos os problemas com sua superioridade inatingível. É nesse contexto de mundo e de filme que Carol se levanta, de todas as vezes que caiu, com ainda mais determinação e força, porque agora ela sabe quem ela é e sabe do que é capaz.

 

Estou falando de uma protagonista de um filme de gênero, a primeira heroína de um estúdio mais do que consolidado, com mais de vinte filmes protagonizados por homens, de uma das maiores franquias do mundo, que arrasta multidões no mundo todo para o cinema, que arrecada milhões ao ano em bilheteria. Estou falando de um filme que não sexualiza ou inferioriza suas mulheres, nem no roteiro, nem em suas roupas, nem mesmo nos posicionamentos de câmera e que propõe uma amizade com um homem sem interesse romântico envolvido. Um filme que responde, ele mesmo e de forma direta, as provocações que circularam pela internet, como as de que Brie Larson precisava sorrir, além de indiretamente, funcionar como metáfora para a forma como somos tratadas – o filme sofreu boicote antes mesmo de estrear – nos encorajando a ter a mesma autoconfiança e tenacidade da protagonista para sermos nós mesmas e atingirmos todo o nosso potencial mesmo que isso incomode tanto uns e outros.

E tudo isso é feito ainda nos entregando uma bela fotografia, que sempre procura exaltar e priorizar a figura da sua protagonista, uma direção que, apesar de deixa a desejar um pouco nas escolhas durante as cenas de ação (que segue a tendência dos muitos cortes vista à exaustão em outros filmes de ação), é competente, um humor equilibrado, um elenco que entrega uma boa química, com destaque para o experiente Samuel L. Jackson e a dupla que forma com Brie Larson, um ótimo valor de produção que remonta os anos 90 e uma trilha sonora assertiva e pontual pra finalizar.

 

É óbvio que não é um filme perfeito, não é surpreendente, nem inovador, mesmo conseguindo fugir algumas vezes do formato de “filme de origem” da Marvel, com certeza não veio para reinventar a roda, até porque não precisava fazê-lo. O longa até empolga quando precisa, mas demora um pouco para encontrar esse momento, escolhendo manter uma leveza que, para mim, foi um problema. Mas, o saldo é positivo e Capitã Marvel (Captain Marvel, 2019) cumpre o que se propõe, que é introduzir essa personagem que futuramente será de vital importância dentro do MCU de forma consistente.

A forma polarizada e irredutível com que as pessoas andam vendo as coisas me tira todo o tesão de entrar em debates reais e profundos a respeito de basicamente qualquer assunto. Claro que política é o principal deles, mas isso também acontece com o cinema de modo geral, especialmente o gênero de super-heróis. É cansativo e frustrante, e acredito que precisamos repensar nossas formas de relação o quanto antes. Todo o filme da Marvel tem que ser o melhor ou está fadado a ser o pior, não tem meio termo. Todo o filme da DC tem que superar os da Marvel, ser um símbolo de salvação da empresa ou é um desastre total, etc…Esses sentimentos de rivalidade e competição não tem espaço para diálogos e quando não há diálogo, todos nós perdemos. Capitã Marvel é um bom filme, tem seus destaques e seus deméritos, como todos os filmes já feitos. Mas, infelizmente sinto que toda a boa discussão que poderia acontecer em volta dele se perde, sendo reduzido a notas que não dizem nada de substancial, brigas na internet e títulos sensacionalistas de criadores de conteúdo sedentos por ibope.

 

Eu espero que o filme da Capitã refaça o que fez sua protagonista, que levante e continue, cada vez melhor, mesmo com as pessoas tentando lhe derrubar e bradando que ela não é boa o bastante. Porque ela não precisa provar nada pra ninguém e precisa vir para ficar, nós precisamos dela.