8 filmes de 2018 sobre racismo

Um tema comum nos filmes de protagonismo negro de 2018 é a violência policial e a desconstrução dos estereótipos imposto a pessoas pretas. Raça é um dispositivo de poder que busca dar privilégio a um grupo dominante, inferiorizando um grupo dominado, naturalizando as práticas do primeiro enquanto condena as do segundo. Podemos ver isso com o desrespeito às religiões de matrizes africanas e o cabelo crespo chamado de “cabelo ruim”, por exemplo. A discussão e questionamento do porque esses padrões existem é necessária e urgente, sendo o cinema uma ótima maneira de rever os seus valores e visão de mundo, já que a ideia principal da sétima arte é contar uma história, colocando o espectador no lugar daquele personagem. Lembrando que ninguém nasce desconstruído e que todo mundo já foi racista em algum momento da vida, afinal, o comportamento básico do ser humano é reproduzir padrões. Desconstrução é algo doloroso e incômodo, pois requer um esforço ativo da pessoa, porém isso não precisa ser um processo entediante, podendo o audiovisual auxiliar bastante no seu desenvolvimento pessoal, é só você estar disposto a ouvir.


Pass Over

Direção: Spike Lee

O filme conta a história de Moses (Jon Michael Hill) e Kitch (Julian Parker), dois amigos negros, moradores de rua, que sonham com uma terra prometida onde suas vidas sejam valorizadas, não sendo apenas uma estatística de óbito e pobreza em uma sociedade racista.

O interessante desta obra é que ela é literalmente uma peça de teatro filmada, com plateia e tudo. Então isso pode ser uma experiência diferente de se assistir, porém, com as suas 1h e 15min, o filme tem um problema de ritmo no segundo ato, aparentando funcionar muito melhor como um curta-metragem. Talvez isso não ocorresse caso a peça fosse adaptada para a mídia cinematográfica.


Green Book: o Guia

(Green Book)

Direção: Peter Farrelly

O filme se passa nos anos 60 e narra a história da amizade entre o pianista Don Shirley (Mahershala Ali) e seu motorista Tony Lip (Viggo Mortensen).

Como um filme de amizade entre duas pessoas, Green Book é muito bom. Agora, como um filme de racismo baseado em fatos reais, a obra deixa muito a desejar. Falta sensibilidade na direção e o roteiro constrói os personagens da maneira mais óbvia possível, apostando na exposição do preconceito, como na cena do copo jogado no lixo, ao invés de investir no racismo velado do dia a dia, sendo que esse é bem mais constante na nossa sociedade e precisa ser muito mais discutido.

Aliás, o foco da obra deveria ser no Mahershala Ali, afinal, o mínimo que um filme sobre  racismo deve fazer é dar o protagonismo para o negro, já que desde a criação da sétima arte o ponto de vista branco sempre foi o foco de qualquer narrativa.

Ao meu ver, por se tratar de um road movie durante a segregação racial nos Estados Unidos, seria bem mais interessante se a importância do green book para a comunidade negra fosse o foco da história, afinal, o livro era a única maneira segura de um afro-americano viajar no sul do país naquela época.

Atrelado a diversas polêmicas, como o não consentimento da família do pianista para a realização do filme e a utilização do estereótipo do “branco salvador”, a vitória desta obra na categoria de melhor filme do Oscar deste ano, só mostra que a academia, apesar de todo esse discurso de mudança e inclusão, apenas estava esperando a oportunidade perfeita de mostrar que continua conservadora, sem que isso gere uma nova #oscarsowhite. Afinal de contas, eles premiaram um filme que critica o racismo, não é mesmo?

Através de uma história edificante e melodramática, Green Book é um filme feito para aliviar a culpa branca, mostrando que apesar do preconceito existir, nem todos os caucasianos são preconceituosos. Sendo no fim, apenas um filmes de racismo para branco se sentir bem.


Sorry to Bother You

Direção: Boots Riley

O filme relata a história de Cassius Green (LaKeith Stanfield), um operador de telemarketing que descobre que, para ter sucesso nessa profissão ele precisa aprender a fazer uma voz de branco na hora de ligar para os seus possíveis clientes. O filme tem ótimas atuações, em especial a da Tessa Thompson, e um ritmo dinâmico e constante, com uma montagem bem criativa. Porém, a partir de determinado acontecimento a obra se transforma, investindo no afro-surrealismo e abraçando a loucura.

O humor ácido e satírico, característico de obras como a série Atlanta (2016 -) e as produções do Monty Python, funciona muito bem, porém pode não agradar boa parte da audiência, afinal, o que faz alguém rir é algo bem subjetivo.


Se a Rua Beale Falasse

(If Beale Street Could Talk)

Direção: Barry Jenkins

Baseado no livro de James Baldwin, o filme vencedor do Oscar de melhor atriz coadjuvante conta a história de Tish Rivers (Kiki Layne), uma mulher que, com a ajuda da família, tenta lidar com as consequências de uma gravidez não planejada, enquanto precisa provar a inocência do marido, Alonzo Hunt (Stephan James), acusado injustamente de estupro.

A fotografia deslumbrante, atrelada a sensibilidade da direção transforma esta rua do Halem em um lugar cheio de vida, repleto de histórias que precisam ser contadas.

Infelizmente, o direcionamento do roteiro do filme não me agradou muito. Barry Jenkins prefere focar a trama numa história simples de amor com o plot racial de fundo, ao invés de reservar mais tempo de tela para discutir o encarceramento negro em massa e a violência policial que ocorre nos estados unidos, tema abordado com maestria no documentário A 13° Emenda (13th, 2016). Pessoalmente, acharia essa escolha muito mais interessante do que uma história de amor entre dois jovens.


Infiltrado na Klan

(Blackkklansman)

Direção: Spike Lee

O vencedor do Oscar de melhor roteiro adaptado conta a história de como o policial negro Ron Stallworth (John David Washington) conseguiu se infiltrar na Ku Klux Klan.

As ótimas atuações, juntamente com a trilha sonora marcante concedem a obra uma sensação de tensão constante em todas as cenas que envolvem a interação dos protagonistas com a organização de racistas.

O filme, enquanto faz referências a temática do blaxploitation, explora muito bem o paralelo entre um movimento negro e os membros de uma das células da KKK, tentando mostrar as duas organizações por dentro.

Nos minutos finais Spike Lee consegue fazer um paralelo perturbador ao inserir as cenas do que aconteceu em Charlottesville em 2017. Assistir as cenas atuais da marcha dos supremacistas brancos logo depois de acompanhar toda a jornada, traz uma sensação sufocante de incômodo, obrigando o público a refletir sobre tudo que presenciou nas últimas duas horas. Essa decisão engrandece a obra brilhantemente, mostrando que 1978 e 2017 estão mais próximos do que você imagina.


O Ódio que Você Semeia

(The Hate U Give)

Direção: George Tillman Jr.

O filme, baseado no livro da autora Angie Thomas, conta a história de Starr Carter (Amandla Stenberg), uma adolescente negra que, ao presenciar o assassinato do seu melhor amigo por um policial branco, vê-se obrigada a enfrenta o sistema racista que prende e executa a população negra dos Estados Unidos, afinal, é impossível estar desarmado quando a nossa cor é a arma que eles temem.

Provocante e otimista, esse coming of age tem um discurso forte e cenas memoráveis, abordando temas espinhosos através dos olhos de uma adolescente preta, sem ser panfletário e moralista.


Ponto Cego

(Blindspotting)

Direção: Carlos López Estrada

O filme se passa na Califórnia e acompanhamos o dia a dia de Colin (Daveed Diggs), um rapaz que está nos últimos dias da sua liberdade condicional, e de seu amigo de infância Miles (Rafael Casal), uma pessoa agressiva cuja presença é altamente destrutiva para o ex-detento.

O filme consegue balancear os momentos cômicos e dramáticos muito bem. Colin está tentando reconstruir a sua vida, mas por estar nesse sistema instável de liberdade precisa conter suas ações constantemente, qualquer erro ou imprudência pode significar o seu retorno para a cadeia. Com isso, uma situação comum como cruzar um sinal vermelho ganha uma tensão angustiante.

Pelo roteiro ter sido escrito em conjunto por Daveed e Rafael, a dupla de protagonistas demonstra uma naturalidade excelente nas suas atuações. Isso resulta no melhor monologo que eu assisti em 2018.

Por fim, o filme aborda uma forma de racismo diferente, porém muito interessante, o racismo do privilégio branco atrelado aos estereótipos pré-concebidos dos negros. Colin e Miles são melhores amigos, porém a liberdade concedida aos dois é extremamente diferente. Miles, por morar num bairro de negros, constantemente tenta se encaixar, entretanto para conseguir isso ele utiliza de diversos estereótipos racistas. Andar armado, ser explosivo, usar gírias negras e escutar “música de preto” dão a ele a sensação de pertencimento ao grupo que sua esposa e melhor amigo pertencem, porém por ser branco ele não sofre com as consequências de suas ações, saindo impune de diversas situações. Esse contraste é muito bem construído, quando Colin é um negro que busca fugir desses estereótipos, pois mesmo que ele não os reproduza, a sociedade ainda assim espera isso dele e o persegue.

Ponto Cego é uma história de amizade, amadurecimento e autoconhecimento, afinal, o nosso ponto cego localiza-se naquilo em que mais confiamos.


Pantera Negra

(Black Panther)

Direção: Ryan Coogler

O vencedor do Oscar de melhor direção de arte, melhor figurino e melhor trilha sonora original narra a história de T’Challa (Chadwick Boseman), o príncipe de Wakanda que após a morte do seu pai precisa lidar com as responsabilidade de ser o rei da nação tecnologicamente mais desenvolvida do planeta.

A trilha sonora inacreditável de Ludwig Göransson e Kendrick Lamar juntamente com atuações primorosas, figurino belíssimo e o discurso forte e direto deram um tom épico e político ao filme.

Um bom vilão precisa ter profundidade e ideais, acreditando que ele é o herói de sua própria história. Michael B. Jordan conseguiu fazer isso com maestria, consolidando o seu lugar como o melhor vilão do Universo Cinematográfico da Marvel, até o momento.

FImes bons com protagonismo negro sempre existiram e estão ficando cada vez mais constantes, porém praticamente todos focam na dificuldade do preto de viver em uma sociedade racista. Então, quando uma obra coloca os negros em posição de poder, tendo orgulho da sua pele, fisionomia e reproduzindo uma cultura ancestral perdida devido a séculos de escravidão europeia, essa obra deve ser aclamada e por sorte foi o que aconteceu com Pantera Negra.  Sendo isso refletido na sua bilheteria de 1.344 bilhão e nas discussões que permeiam a internet até hoje.

Pantera Negra foi um marco no cinema e na cultura pop. Não sendo apenas um filme de herói, e sim uma produção cinematográfica que exalta a cultura africana, apresentando o afrofuturismo para uma sociedade viciada na visão européia de mundo. É uma história simples, mas um história simples bem contada.

Wakanda Forever!