Moana 2 – Boa premissa, execução ruim

Moana: Um Mar de Aventuras (Moana, 2016) foi um filme importante. Foi importante para mim e para outras tantas meninas e mulheres não-brancas, que tem cabelos que fogem do liso e formas arredondadas e mais roliças ao invés de finas e delicadas pelo corpo poderem se enxergar como heroínas e princesas. Também foi importante para a Walt Disney Animation Studios como uma história que abraça a Jornada da Heroína sem medo de desagradar o público, ganhando até mesmo o prêmio de melhor personagem feminina animada no Alliance of Women Film Journalists. Então como deste ícone pode surgir uma sequência tão… irrelevante?

Antes de começar é importante lembrar que temos um texto sobre Moana bem aqui, de quando o filme estreou.

Em Moana 2 (2024) voltamos a encontrar nossa heroína, agora mais velha, com uma irmãzinha e com um povo que graças a ela retornou aos seus hábitos e costumes de navegar. Seu objetivo agora, além de explorar ilhas distantes, é ir ainda mais além e reunir os povos do oceano, mas não consegue cumprir o objetivo por mais que tente. Quando seus ancestrais falam com ela é que ela descobre que sua missão não apenas é indispensável para garantir que seu povo continue vivo como que sua dificuldade se deve ao deus Nalo, que escondeu a ilha de Motufetu, que conectava os oceanos e os povos navegantes. Ela parte então com algumas novas e algumas antigas companhias para encontrar a ilha – que parece muito inspirada na pedra furada de Jericoacoara – e possibilitar a conexão desses povos outra vez.

Sendo bem direta, esse filme é uma grande repetição e imitação do primeiro. Ele é leve, divertido, vai agradar crianças, conseguir uma bilheteria estrondosa, com certeza vai estar na corrida das grandes premiações, porém é completamente esquecível, assim como suas músicas.

Queria deixar claro logo de início que não tenho nada contra Moana ter diversas sequências, acho que é um universo que tem muito potencial e conteúdo para isso, ao contrário da franquia Frozen, por exemplo, que eu também amo, mas sinto que existe um esforço grande para criar suas continuações. No entanto, sem nenhuma expectativa, sem ter visto nenhum trailer e saber unicamente da existência de Simea nessa história, eu saí bem decepcionada da cabine de imprensa.

A equipe que encabeça o filme não é a mesma que encabeçou o anterior. Então temos no roteiro apenas Jared Bush vindo do primeiro filme, acompanhado de Dana Ledoux Miller que esteve no roteiro de Kevin Can F**k Himself (2021-2022), Bek Smith que participou de Malévola 2: Dona do Mal (Maleficent: Mistress of Evil, 2019) e Bryson Chun de Doogie Kamealoha: Doutora Precoce (Doogie Kamealoha, M.D., 2021–2023). A direção ficou dividida entre Dana Ledoux Miller, David G. Derrick Jr. e Jason Hand todos estreando na direção, mas tendo composto a equipe de algumas das últimas animações da empresa. Para as músicas originais Mark Mancina e Opetaia Foa’i que trabalharam no primeiro filme retornam agora com Abigail Barlow e Emily Bear, ambas ainda com pouca experiência na função e, não, Lin-Manuel Miranda, não participou do projeto.

Para a dublagem brasileira, a direção é novamente de Rodrigo Andreatto, com o retorno de todos os profissionais que atuaram no primeiro filme, incluindo Any Gabrielly como Moana e Saulo Vasconcelos como Maui. Se juntando ao elenco temos Ítalo Luiz como Moni, Éri Correia como Loto, Walter Cruz como Kele e Lara Suleiman como Matangi

Eu sou Moanaaaaa ♪♫

Eu adoraria dizer que nossa menina Moana foi 100% respeitada nesse filme, mas não foi bem assim. Eu detesto parecer purista, mas quando se constrói um universo para um filme que se torna uma franquia, para ter boas sequências é preciso manter e entender não apenas as regras deste mundo fantástico, mas também o que o torna único e tão diferente de outros, sua identidade.

Obviamente a história respeita e ainda trás suas características que a encaixam com sua Jornada da Heroína, a ligação com a ancestralidade e costumes atuais, que são também temas que cercam este cosmo. Essa narrativa tentou ser mantida, seus pontos principais estão aqui e eu acho esse um ponto bem positivo, não ignorar que este foi um dos fatores para o primeiro filme ter sido um sucesso.

Seguindo a Jornada e a projetando para esse filme, Moana deveria não se questionar quem ela é naquele seu mundinho, isso ela já sabe, agora resta saber quem ela é naquele mundão que quer desbravar. Esse conflito é totalmente vazio, porque já sabemos sua resposta desde 2016. Ainda temos que ter todo um momento dela decidindo deixar Motonui, sua ilha, sendo que já vimos isso anteriormente, ela já aceitou essa missão, não precisava aceitar de novo. Mais do que entender que suas decisões tem impacto em sua vila, Moana deveria ter uma jornada para entender o impacto que sua ausência causaria em sua família.

Fora algumas coisas que vou falar em tópicos mais a frente, mas já adiantando que basicamente desvirtuaram ela um pouco ao torna-la muito boba em momentos inoportunos, sendo que sabemos bem que como mulher independente e responsável, ela sabe manter sua seriedade sempre que precisa.

Investindo na beleza…

O filme é cheio de ação, magia e é uma obra lindamente modelada, texturizada e animada. A qualidade das cenas e cenários é lindíssima e o filme consegue encher nossos olhos mais até do que o original, com designs de novas criaturas e sequências musicais introspectivas criativas, sem esquecer-se de valorizar a cultura polinésia visualmente.

Porém, até a comida mais sem graça pode ter um pouco de sal.

… Mas esquecendo do conteúdo.

Ultimamente, com tantas sequências sendo anunciadas no mercado Hollywoodiano – mostrando que por enquanto elas vão dominar bastante – ficou em debate a questão do lucro vs criatividade. Divertida Mente 2 (Inside Out 2, 2024) é o exemplo que deu certo mesmo nesse embate, enquanto Moana 2 é o exemplo que deu errado.

Na sala de cinema me vi diante de um filme que tem um universo incrível para explorar e uma premissa mais do que satisfatória para isso, mas que se esquece de sua narrativa em nome de piadas incrivelmente bobas e excessivas, que eu quase considero um insulto ao público infantil, tratado com tanta consideração antes e agora isso.

O fato de não ser explicado exatamente porque Nalo quis separar os humanos para que não se tornassem muito fortes/uma ameaça não me incomoda. Se estamos falando agora de uma franquia, isso pode ser explicado mais pra frente, mas fora isso a história vai precisando de grandes conflitos externos e internos, mas ao invés disso vai jogando Moana e companhia de uma situação para outra sem muito sentido, de um jeito muito mecânico.

A mais do que clara mensagem de “a união faz a força” ou “juntes somos mais fortes” está lá claramente dita, mas não demonstrada. Não é a dificuldade de fazer isso acontecer que Moana enfrenta, ela canta uma música e tudo se resolveu, sendo que como temática da história, isso deveria permear as relações do início ao fim. No entanto, tudo vai sendo resolvido de forma simples e porque não dizer genérica para chegar a grande conclusão. Ouso dizer que até Elementos (Elemental, 2023) conseguiu falar mil vezes melhor sobre os temas que Moana 2 quer falar.

Informações e novidades são jogadas a torto e a direita sem serem devidamente desenvolvidas ou sequer entendidas, algo inédito tem que surgir a todo o momento, mas que não dão sustento para a história, tentando preencher um roteiro, sem preenche-lo de verdade. Em certo momento é até ensaiada a possibilidade de tornar Maui humano e forçá-lo a lidar com sua vida e seus traumas sem poderes, mas em cinco segundos o filme desiste disso e o momento aconteceu para nada.

O fator que mais me incomodou, apesar disso tudo, foi além das piadas super bobas enfiadas goela abaixo de quem assiste, o filme contou um uma localização/adaptação repleta de gírias. É claro, se isto está ali, foi não apenas pedido como aprovado pelo estúdio, talvez até esteja no áudio original também, mas como só assisti ao filme dublado, não vou saber dar certeza. O ponto é: fazer isso pode fazer com que as próprias piadas fiquem datadas muito rápido, e pior, não é condizente com o universo. 

Em DivertidaMente 2 ,por exemplo, temos esse tipo de coisa o tempo inteiro, mas naquele universo isso faz mais do que sentido, era até esperado.  Mas em Moana? Tentar até mesmo tornar Maui como um gênio da lâmpada falando sobre quando o e-mail será inventado ou pessoas que consideram Moana uma princesa? Que surto foi esse? Acrescenta humor, com certeza, mas não casa com o contexto previamente criado.

Algumas gírias até podem se encaixar como o termo “raiz” ou até “shape”, mas outras ficam completamente deslocadas e a verdade é que o filme original não tem nada disso e nunca nem precisou, fica difícil entender de onde veio essa necessidade de uma linguagem deslocadamente urbana e contemporânea acompanhada de quebra da quarta parede em uma franquia onde se navega em canoas com velas.

Mas não era pra ser uma série?

Sim, cara pessoa que está lendo que cruzou com algumas notícias na internet ou, assim como nós desse site, acompanha de perto notícias da cultura pop, você está certa! A continuação de Moana, deveria ter sido uma série animada para o Disney Plus e isso também afetou demais a narrativa do filme, que antes era uma série, foi ordenado que fosse um filme, mas não parece ter existido tempo para isso.

É um problema que vem da concepção do projeto. Série é série, filme é filme. Picotar um filme não forma uma série e juntar episódios de uma série nunca vai formar um filme. São narrativas diferentes e com suas próprias peculiaridades. Moana 2 é claramente uma série de aventura episódica – onde em cada episódio existe uma aventura e um conflito – espremidos para formar um longa-metragem.

Isso não só traz questões pra história como deixa a montagem truncada, estranha e faz sentido que cada micro trama seja apresentada, desenvolvida e resolvida em 15 minutos ou menos, já que um filme se trata de uma trama grande que abarca várias menores e não histórias pequenas e sem muito nexo uma com as outras coladas para ter uma hora e quarenta minutos, que nem são ruins na verdade! Apenas sofrem com o que aconteceu.

Esse processo de mudar o formato foi feito muito às pressas, toda a equipe teve que fazer essa transformação de série para filme em apenas um ano e quando – porque não é um se – o filme faturar milhões, vai encorajar a Walt Disney Company e outras empresas a continuarem nessa lógica de produção super atropelada que visa dinheiro rápido, mas esquece de valorizar o processo como um todo e pouco se importa em como isso vai impactar as pessoas que trabalharem ali.

Quem é essa gente toda?

Eu vi algumas críticas chamando Moni, Loto e Kele de personagens excelentes. Poderia até ser verdade, mas não é, estamos falando de personagens rasos como poças d’água. Suas personalidades, motivações e identidades se resumem a uma frase e uma frase apenas: Moni é o historiador fanático por Maui, Loto é uma engenheira maluca e Kele é um fazendeiro rabugento. Nada mais. Existe um carisma ali, mas não existe desenvolvimento.

Eu entendo o que quiseram fazer. Falar da temática principal do filme, ensinar sobre trabalho em equipe e confiança, até tornar Moana uma mentora, mas mentora de quatro personagens de uma vez só? (tem um quarto sim, não é o Maui, continua lendo) Pensando em uma franquia, as personagens poderiam ser acrescentadas à equipe um filme por vez, mas lidando com o que temos aqui, faria muito mais sentido se elas fossem de ilhas imediatamente perto de Motonui que foram mais desenvolvidas após a jornada de Moana mudar o mundo.

Moni poderia ser de Motonui e fascinado por história, juntar contos, mas também ter um desejo de fazer parte delas. Loto poderia ser de uma ilha próxima que se especializou em fazer canoas incríveis e fora do comum, mas que tinha medo de ver suas obras em ação no mar para valer. E Kele… Sinceramente eu nem entendo porque este personagem está aqui. Quando Moana o convida para a jornada, dizendo que vão precisar comer mais do que apenas peixes eu me iludi com a ideia de que Loto faria uma canoa com uma horta! Mas ele só fica cuidando de mudas e da comida trazida, algo que é basicamente o que Moana já fez no primeiro filme. Nada disso que eu descrevi é difícil ou fora da caixinha, é parte da cartilha mais batida, porém funcional do cinema clássico.

Quem brilha mesmo e faz mais sentido com a linha que poderiam ter seguido é o jovem Kakamora que acaba se juntando ao grupo, rompendo com preconceitos que tínhamos com seu povo e se mesclando ao grupo e Matangi, uma personagem com tanto potencial, vendida pelo marketing como “a nova vilã de Moana 2”, “vamos ter uma vilã em Moana 2”, sendo que era óbvio caso a Jornada da Heroína fosse seguida, que não seria nada disso. Matangi apesar de muito deslocada e quase não ter sentido narrativo a acrescentar, assume a função da avó de Moana no primeiro filme, uma pessoa ainda mais ancestral com um novo ponto de vista para ensinar. Nada perto de uma vilã, seu número musical é até o melhor do filme, mas sinceramente… Não era muito difícil conseguir isso.

Lin Manuel Miranda, corre aqui!

Caso você não seja tão nerd de musicais ou de musicais da Disney num geral, vou contextualizar. Lin-Manuel Miranda, além de ator e cantor, é um grande compositor. Criou espetáculos para a Broadway como Hamilton que ganhou uma versão filmada em 2020, adaptou alguns como Em Um Bairro de Nova York (In The Heights, 2021) e começou a desbravar o mundo das trilhas sonoras original para filmes. Ele é o responsável principal pelo que ouvimos em Moana e Encanto (2021), o homem é incrível.

Para o primeiro filme, ele criou uma trilha usando instrumentos tradicionais, muita percussão e letras poderosas, que se tornaram a marca de Moana, e os melhores momentos musicais em Moana 2 são quando são tocadas novamente as músicas que ele fez para o filme anterior. Depois de Wish: O Poder dos Desejos (Wish, 2023) eu precisava de novas músicas de um musical para eu me viciar e ouvir sem parar obsessivamente. Eu esperava que esse musical fosse Moana 2, mas esse cargo ficou para Wicked (Wicked: Part One, 2024) mesmo. Lin fez falta e muita!

Não ter letras poderosas eu já esperava, sendo honesta, depois de saber da ausência do querido compositor, mas pelo menos algo chiclete, marcante, que ficasse na cabeça. As músicas de Matangi e Maui até fazem isso, mas assim como todas as outras são repletas de instrumentos e elementos da cultura pop contemporânea. Isso matou a vibe para mim. Os momentos fantasiosos e introspectivos eu esperava depois de ter dado certo com Encanto, mas do nada ouvir guitarras e saxofones… Não foi ruim em si, apenas não condiz em nada com a identidade musical criada previamente e de novo, para mim, uma franquia precisa de coesão e identidade.

Além” música tema e a grande música do filme, me fez sentir falta de “Um Desejo Só” de Wish: O Poder dos Desejos, e se você leu meu texto sobre esse filme você sabe da minha relação com as músicas dele. É uma tentativa muito clara de emular uma nova “Saber Quem Sou”, mas fica na cara demais que é uma cópia do que Lin fez. Se era para copiar, por que não chamá-lo de uma vez? Falta força na trilha musical, falta até significado, tirando “Além”, a música da protagonista, “Só Vai” e “Quero Ouvir um Chee Hoo” – as tais músicas de Matangi e Maui – as outras não parecem ter muito a dizer ou contribuir. Algo que fica claro ao lembrar do primeiro filme que de novo: foi um fenômeno.

Sem ir além

O caminho para fazer um filme bom estava todo lá e era até fácil de seguir, mas faltou tempo, dinheiro e compreensão de pessoas muito acima hierarquicamente de artistas e trabalhadores de que algo assim, não deveria ter sido tão apressado. Ganhamos então uma continuação covarde e pouco criativa.

A cena dos créditos parece até – ou seja, era de fato – a última de um final de temporada, anunciando novas aventuras por vir, o que agora nos informa que vamos sim ter mais continuações, que com um escopo narrativo agora maior e mais complexo, me assusta um pouco sobre o que está por vir.

Moana 2 será um grande sucesso de bilheteria, mas única e exclusivamente porque seu antecessor foi um filme incrível, não por seus próprios méritos. 


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