“Um ex-detetive de homicídios, que vive com Alzheimer, tenta resolver um mistério acerca de seu último caso, que pode ter condenado um homem inocente a pena de morte. Enquanto reúne evidências de uma investigação de uma década atrás, ele descobre segredos dos seu passado”
A Teia (Sleeping Dogs, 2024), dirigido por Adam Cooper adapta para as telonas o mistério de “O Livro dos Espelhos” escrito por E. O. Chirovici. Trazendo Russell Crowe, Karen Gillan e Marton Csokas, o longa estreou no dia 02 de Maio nos cinemas.
O primeiro contato que temos com o protagonista desta história, o ex-detetive aposentado Roy Freeman interpretado por Russell Crowe, é em uma cena de abertura simples, mas bem inteligente. Apenas com detalhes apresentados na construção do cenário da casa de Roy podemos entender que ele vive com Alzheimer e lida com tudo isso sozinho. Tudo que temos é a câmera sorrateira acompanhando um dia rotineiro dele e isso é o suficiente para apresentar o que precisamos saber por hora sobre o personagem. Infelizmente essa cena é uma exceção em um longa que carece de sagacidade e alma e se entrega ao óbvio e conveniente em seu desenrolar.
A direção de Cooper parece tão confusa quanto a mente do seu protagonista. Em alguns raros momentos ele consegue estabelecer uma tensão e instigar curiosidade, mas não consegue prolongar esses momentos pois sempre cai em um caminho óbvio e massificante. O roteiro é co-escrito por Adam Cooper e Bill Collage, partindo do livro de E.O Chirovici. As mudanças que são feitas na estrutura básica da história no livro podem parecer inicialmente interessantes, trazendo possibilidade narrativas muito ricas e atuais, mas recebem um tratamento tão preguiçoso e sem alma que seria melhor ter tratado o material original com mais fidelidade. Juntos, Adam e Bill não conseguem realmente aprofundar nenhum personagem ou trama secundária do filme e até mesmo os momentos finais da obra são bastante anticlimáticos.
A história de A Teia tem seu ponto de ignição quando Freeman recebe uma ligação de uma assistente social para falar a respeito de um homem que está a poucas semanas de cumprir pena de morte pelo assassinato do Dr. Joseph Wieder, personagem de Marton Csokas. O acusado é Isaac Samuel, interpretado por Pacharo Mzembe. O acusado afirma que essa pena de morte é injusta, pois ele é inocente.
Isaac é um dos personagens com forte potencial narrativo que é desvalorizado e mal trabalhado na trama. Tendo em mãos a possibilidade de tecer críticas sobre racismo e corrupção policial, o filme esnoba completamente esse debate, usando-o de maneira cínica e rasa quando apresenta Isaac e deixa isso de lado no decorrer do filme. Isaac Samuel poderia ser um dos pilares do filme, mas é tratado apenas como um totem.
Roy Freeman passa a destrinchar todo o passado da vítima para desvendar o mistério em torno de sua morte e nesse passado conhecemos Laura Baines, vivida por Karen Gillan. Infelizmente, o cenário se repete e a personagem de Karen não é trabalhada com a atenção merecida. Uma mulher instigante, inteligente e com muito potencial, reduzida a estereótipos misóginos. Ela é bastante ambiciosa, mas constantemente o roteiro a trata como um mero objeto de desejo dos homens. Esses estereótipos são tão danosos que respingam na atuação de Karen que tenta emular um arquétipo de “Femme Fatale” que em nada dialoga com seu estilo de atuação.
Porém, nem todos os aspectos de A Teia são deméritos, é possível encontrar alguns (poucos) acertos. O longa trata com muita inteligência os questionamentos que propõe sobre a mente humana, sobre memória. Aqui o sentido de memória vai desde um aspecto pessoal e introspectivo, a um conceito mais amplo e coletivo dela. A mente humana é dissecada sob uma ótica científica ao acompanharmos o tratamento experimental pelo qual Roy está se submetendo, como também recebe uma abordagem psicoanalítica, através dos trabalhos do Dr. Joseph Wieder com Laura Baines. Outra perspectiva sobre a mente humana observada é a filosófica com a literatura de Richard Finn e os questionamentos que os demais personagens fazem no decorrer da obra.
A fotografía de Ben Nott dialoga muito bem com a direção de arte de Colin Robertson criando momentos de deleite visual que são enfatizados pela montagem dinâmica de Matt Vila indicado ao Oscar de melhor edição no ano de 2023 por Elvis (2022). Essa tríade consegue entregar ao público um trabalho de qualidade em meio a tantos elementos do filme que geram desinteresse.
A Teia sem dúvidas é um filme muito menor do que poderia ser. Ao mesmo passo que parece ser ambicioso demais e achar que é muito mais inteligente do que de fato é, lhe falta coragem para fugir dos clichês e entender os seus verdadeiros pontos fortes. Não é uma experiência completamente desagradável, mas certamente não é marcante.
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Travesti não binária, artista multilinguagens e gastronoma com foco na cultura alimentar cearense. Desde criança encontrou na fantasia e no horror espaços de fuga de uma dura realidade e hoje, enquanto escritora e produtora audiovisual, busca contar narrativas sobre transgeneridade. Assina a direção e montagem do curta Ordem das Magnólias e de suas performances como a drag queer YÜMMY, além outros trabalhos com figurino, produção de trilha sonora e pós produção.