Inaugurando as animações no MCU, a Disney lançou em 2021 a primeira temporada da animação What If…?, baseada no quadrinho de mesmo nome onde eram exploradas histórias em realidades alternativas, em que um ou mais elementos fossem modificados. Honestamente, a primeira temporada não chegou a explorar suas histórias de forma satisfatória, mas sim recontar as narrativas de seus filmes com algumas mudanças, para no final envolver todos os enredos numa só história. Em particular a experiência foi muito a de rever histórias iguais aos dos filmes, com os mesmos tons e algumas mudanças, salvo por um episódio em particular, que terminou sendo uma história do Doutor Estranho onde havia mais desenvolvimento e avanço do personagem daquele da sequência do herói.
Chegando em 2023, a Marvel anunciou a segunda temporada da animação, com o lançamento realizado entre a última semana do ano com um episódio por dia. Foi o primeiro lançamento da Marvel no Disney+ a não seguir com episódios semanais, seguido por Eco (2024) no começo deste ano, com a temporada toda lançada de uma vez. Provavelmente os dois seriados foram pensados para estrear dessa forma para avaliar o potencial de novos modelos de lançamento para seus seriados. Mesmo com os episódios não sendo igualmente bons, a temporada no geral foi bem mais sólida na construção do tom para a série e em explorar muito melhor ‘O que aconteceria se…?’.
Um dos maiores problemas da série, em especial sua primeira temporada, é fazer histórias antológicas para no final não ser uma antologia fazendo tudo se conectar. É um verdadeiro desperdício do potencial das histórias e criação de uma narrativa ainda não existente dentro do MCU. O maior acerto da segunda temporada foi para além das histórias contadas, mas explorar gêneros cinematográficos diferentes a cada episódio. Diferentes gêneros cinematográficos ainda não foram profundamente explorados ao longo das cinco fases do Universo Cinematográfico da Marvel, então a série consegue abordar gêneros como noir, fantasia, entre outros, de uma forma satisfatória. Em comparação aos quadrinhos homônimos, ainda há um certo receio de realmente explorar para além das mesmas narrativas do MCU, mas na segunda temporada claramente a liberdade criativa pôde tornar as histórias mais interessantes.
Numa série de histórias narradas pel’O Vigia (voz original de Jeffrey Wright), podemos explorar como existem universos muito diferentes, mas as vezes nem tanto. Onde uma ou muitas coisas mudam os rumos das histórias como um geral. Como cada episódio é uma história em si (apesar de haver uma certa conexão), gostaria de falar brevemente sobre opiniões sobre cada episódio. Começando do começo.
“O que aconteceria se… A Nebula se juntasse a Tropa Nova?” (2×01). Num mundo onde Ronan conseguiu derrotar Thanos após eventos presentes no filme Guardiões da Galáxia (Guardians of the Galaxy, 2014), Nebula entrou para a Tropa Nova como uma policial do espaço. O episódio além de trazer uma narrativa puxada para o noir, onde há uma investigação de um assassinato, trabalha bem os elementos do gênero através da cor de uma forma diegética. Afinal, um planeta com ‘escudos’ levantados para se defender é um planeta ausente de uma cor e saturação. Há outros elementos bem evidentes do noir, prefiro não especificamente falar deles para não entregar o enredo. Diferente dos episódios da primeira temporada, esse episódio não se assemelha a nada com o filme do qual é razoavelmente baseado e parece uma obra totalmente nova.
“O que aconteceria se… Peter Quill atacasse os maiores heróis da Terra?” (2×02). Honestamente um dos meus episódios favoritos por explorar tanto o potencial de personagens não explorados dentro do MCU. Nesse universo os Vingadores são forçados a se reunir no final da década de 80, não em 2012, para parar uma criança com poderes celestiais – Peter Quill. A formação consistindo de Mar Vell (apresentada em ‘Capitã Marvel’ como razão de Carol ter escolhido seu codenome), T’Chaka (pai de Shuri e T’Challa, ainda como Pantera Negra), Hank Pym (o primeiro Homem Formiga do MCU, presente em todos os filmes da franquia), Bill Foster (assistente de Hank, personagem apresentado em ‘Homem Formiga e Vespa) e o Soldado Invernal. O grupo foi reunido por Peggy Carter e Howard Stark, a história conta com boas interações e honestamente me fez querer ver mais do grupo.
“O que aconteceria se… Happy Hogan salvasse o Natal?” (2×03). Um episódio de Natal, com totais referências a filmes de Natal, mais parecendo Esqueceram de Mim (Home Alone, 1990) com super vilões e heróis. Um episódio que poderia facilmente fazer parte da linha do tempo principal da Marvel caso tivéssemos mais tempo dos Vingadores agindo como uma equipe em tela. É interessante como incorporaram parte de uma história dos quadrinhos do Happy Hogan nesse episódio, pois sempre acreditei que o MCU fosse só ignorar para sempre. De qualquer forma foi interessante ver Justin Hammer de volta e causando problemas para… o segurança dos Vingadores.
“O que aconteceria se… o Homem de Ferro Colidisse com o Grão Mestre?” (2×04). Juntando o personagem mais saturado do Universo Marvel, o Homem de Ferro, os poucos personagens de Thor: Ragnarok (2017), um enredo de corrida e um episódio descartado da primeira temporada esse é provavelmente o episódio mais fraco desse segundo ano do seriado. A comédia do episódio parece muito um copia e cola de Thor: Ragnarok e bem pior, com a jornada de Gamora sendo extremamente inferior àquela acompanhada nos cinemas. No final o episódio é apenas uma sombra não muito bem vinda da primeira temporada.
“O que aconteceria se…Capitã Carter lutasse contra o Esmagador da HYDRA?” (2×05). O primeiro episódio da série era apenas uma remodelação de Capitão América: O Primeiro Vingador (Captain America: The First Avenger, 2011), então essa provavelmente era uma sequência adaptando Capitão América: O Soldado Invernal (Captain America: The Winter Soldier, 2014). No final, era e não era ao mesmo tempo, pois a obra misturou elementos de dois filmes muito focados na espionagem, sendo eles Soldado Invernal e Viúva Negra (Black Widow, 2021). Nesse episódio pudemos ver um pouco mais da Natasha, personagem bem subaproveitada ao longo da Saga do Infinito, e da amizade entre ela e Peggy. Além de tudo é uma vitória ver o paralelo entre as relação de Steve e Bucky com o de Steve e Peggy. O melhor uso da Sala Vermelha do que no próprio filme onde era a mesma antagonista.
“O que aconteceria se… Kahori remodelasse o mundo?” (2×06). Não é a primeira vez que uma animação baseada em quadrinhos apresenta novos personagens, mas fazer isso em um episódio centrado unicamente nessa personagem foi um passo ousado. Um passo muito bem vindo também, pois literalmente remoldar a história do mundo indo contra uma colonização é uma narrativa interessante. Por mim poderíamos ter mais tempo nesse episódio, ou continuá-lo de outra forma pois os conceitos aqui apresentados são de extrema importância para o andar de uma narrativa. Se os demais episódios fossem todos centrados nessa realidade, não iria ter uma só reclamação, mas é claro que um mundo onde esse território não foi colonizado marca um mundo sem o Universo Cinematográfico da Marvel como existe num geral. Novos conflitos, novos personagens, novos vilões inclusive. Por mais Kahori, por mais projetos de ação focados na cultura indígena e na vitória de povos indígenas sob seus colonizadores.
“O que aconteceria se… Hela encontrasse os Dez Anéis?” (2×08). A tridimensionalidade dada a Hela aqui não seria sonhada por quem trabalhou em Thor: Ragnarok, embora a personalidade da personagem seja basicamente a mesma. É sobre mais uma vez mergulhar em um conceito sobre conquista, o erro da lógica de conquistar outros povos. Hela e Wen Wu são uma interação interessante e bem importante para essa obra, assim como finalmente abordar Odin como um antagonista. Não apenas um pai ruim, o que o mesmo foi para seus três filhos. Misturar uma personagem da franquia do Thor muito mal explorada (como todos ali) com a incrível mitologia de Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis (Shang-Chi and the Legend of the Ten Rings, 2021) foi uma decisão narrativa sem igual.
“O que aconteceria se… os Vingadores se reunissem em 1602?” (2×09). Interessante ver os Vingadores que conhecemos em outra época, outra realidade, mas poderiam honestamente ter explorado mais o conceito de magia. Infelizmente o episódio parece apenas preparar o terreno para um outro episódio, o final de temporada, e contribui para a saturação da personagem da Capitã Carter – personagem com mais aparições desde a Fase 4 do que o atual Capitão América do universo principal, Sam Wilson. Uma das versões mais interessantes da Wanda, basicamente mostrando-a com a sua devida importância e poderes tão poderosos quanto os vistos em Vingadores: Ultimato (Avengers: Endgame, 2019).
“O que aconteceria se… Estranho Supremo intervisse?” (2×10). Finalizando a temporada temos um episódio onde as antologias são meio que unidas, mas não de verdade dessa vez. Fora Kahori e Capitã Carter, não existe nenhum outro personagem presente nessa temporada no episódio. Inclusive há cenas aqui com potencial de serem exploradas em uma versão live action no vindouro Vingadores: Guerras Secretas, já deixando um gostinho de quero mais. Não acho o design final da personagem de Capitã Carter ideal, embora narrativamente faça total sentido dentro do episódio. Esse episódio é uma quebra de ritmo de uma ótima temporada e também o rompimento do desenvolvimento do personagem do Estranho Supremo. Mas bem, não é a primeira vez da Marvel ignorando todo o desenvolvimento de um personagem relacionado a magia apenas para antagonizá-lo.
Mesmo com histórias e ritmo extremamente superiores à sua temporada inicial, o seriado continua insistindo em fazer tudo estar conectado dentro de suas narrativas e isso já está enfadonho demais dentro das demais obras do MCU. Com uma terceira temporada confirmada, honestamente não vejo saída desse ciclo, mas espero mais histórias interessantes como grande parte da segunda temporada de What If…?. As duas temporadas da animação estão disponíveis no Disney+.
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Cineasta graduade em Cinema e Audiovisual, produtore do coletivo artístico independente Vesic Pis.
Não-binarie, fã de super heróis, de artistas trans, não-bináries e de ver essas pessoas conquistando cada vez mais o espaço. Pisciano com a meta de fazer alguma diferença no mundo.