AVANTE GUERRA INFINITA | Thor: Ragnarok

 

Me arrisco a dizer que este terceiro filme do Deus do Trovão da Marvel tenha ido o mais longe o quanto foi possível de seus antecessores. Enquanto o primeiro, Thor (2011), dirigido por Kenneth Branagh possui um tom mais clássico típico dos filmes do diretor e o segundo, Thor: o Mundo Sombrio (Thor: The Dark World, 2013), como o título já dá pista, se mostra mais sombrio e denso, este Thor: Ragnarok (2017) é basicamente um filme de comédia quase por completo, e não à toa o diretor escolhido para levar adiante esta mudança de perspectiva tão drástica foi o competente Taika Waititi, responsável, junto à Jemaine Clement, por uma das melhores comédias que vi nos últimos anos, O que Fazemos nas Sombras (What We Do in the Shadows, 2014). Waititi se mostrou uma excelente escolha para conduzir a ideia da Marvel Studios de fazer Thor seguir o caminho de sucesso de Guardiões da Galáxia Vol. 1 e Vol. 2 (Guardians of the Galaxy Vol. 1, 2014; Vol. 2, 2017)
No primeiro terço do filme vemos praticamente tudo que já havíamos visto nos trailers. Asgard, a morada dos deuses, é tomada pela terrível Hela (Cate Blanchett), a deusa da morte, que põe em risco toda a existência do lugar colocando em prática a profecia do Ragnarok, que prevê a destruição deste. Enquanto Loki (Tom Hiddleston) e Thor (Chris Hemsworth) são jogados em um planeta caótico chamado Sakaar, governado pelo Grão-Mestre (Jeff Goldblum), onde o Deus do Trovão terá que lutar em uma espécie de arena de gladiadores intergaláctica. É até engraçado como a aparição do campeão da arena que lutará contra Thor é levada com o máximo de suspense quando é óbvio que sabemos através da divulgação do filme que trata-se do Hulk (Mark Ruffalo), o que acaba por se transformar em mais uma das inúmeras piadas do filme.

Mas é claro que, apesar do enredo simplório, a força do longa está na forma bem humorada com que os eventos acontecem e na interação entre os personagens, com diálogos hilários que são excepcionalmente bem conduzidos por Waititi. As situações absurdas já se apresentam desde a primeira sequência do longa quando Thor se vê enfrentando o vilão Surtur (um dos mais poderosos dos quadrinhos) enquanto faz várias piadinhas, deixando claro que a maior pretensão do filme, antes de qualquer coisa é divertir o público, tarefa que cumpre de imediato. A grande sacada aqui, foi expandir o papel de alívio cômico que o personagem Thor passou a desempenhar nos dois filmes dos Vingadores, correndo o claro risco de ridicularizá-lo ao quase o transformar, em alguns momentos, em um mero brutamontes bobão.

Mas apesar de um roteiro sem muito aprofundamento o filme ainda trás algumas características que merecem algum destaque. A primeira delas é o visual deslumbrante. O desenho de produção e a direção de arte, desde a criação dos cenários até os figurinos, estão realmente dignos de um épico, e agregados à fotografia de Javier Aguirresarobe somos presenteados com alguns planos que poderiam ser facilmente enquadrados e expostos em um museu de arte. Entre os cenários temos mais uma vez Asgard que já desde o primeiro filme me fez feliz por trazer uma mistura entre edificações mitológicas radiantes e detalhes que nos remetem à algo alienígena, mas o maior destaque certamente é o planeta Sakaar com seus ambientes multicoloridos (mais uma contribuição de Guardiões da Galáxia) e uma clara inspiração na arte do mestre dos quadrinhos Jack Kirby, co-criador, junto com Stan Lee, do Thor e de muitos outros personagens da Marvel. No entanto esta riqueza visual do planeta que vemos em detalhes nos ambientes mais fechados, como no camarote do Grão-Mestre ou nas ruas cheias de habitantes estranhos, se perde quando temos planos muito abertos da cidade, ou da arena, que parecem ter sido compostos de forma um tanto quanto genérica.

 

 

O segundo destaque não poderia deixar de ser para elenco e personagens. Além dos que já havíamos visto anteriormente como Thor, Loki, Hulk/Banner, Heimdall (Idris Elba), Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch em uma participação bem gratuita) entre outros, alguns dos personagens que são apresentados pela primeira vez neste filme foram essenciais tanto para criar uma maior comicidade, como Korg (o próprio Taika Watiti, em mais uma ótima performance de humor) ou Skurge, o Executor (Karl Urban), mas principalmente o Grão-Mestre de Goldblum, com seus trejeitos e excentricidades absurdas, como para complementar o time de protagonistas, como a Valkyria (Tessa Thompson), talvez uma das melhores surpresas do filme e com certeza minha personagem favorita. A Deusa da Morte Hela (primeira vilã feminina do Universo Cinematográfico da Marvel) representada pela quase sempre genial Cate Blanchett, apesar de tentar se mostrar uma grande ameaça não consegue evocar o perigo necessário para que possamos temê-la o bastante e até mesmo a iminência do Ragnarok não parece ter a força que merece, talvez atrapalhados pelo tom galhofeiro apresentado na maior parte do filme.

O último destaque fica com a ótima trilha sonora de Mark Mothersbaugh que faz uso de sintetizadores e uma batida eletrônica em boa parte das músicas dando um ar de tecnologia ao filme combinados com instrumentos clássicos como órgão e violino, o que acaba sendo um feliz acerto nas composições de algumas cenas, contribuindo para o tom épico futurista que o filme parece querer evocar. E é claro que não poderia deixar de comentar sobre o uso de Immigrant Song do Led Zeppelin, que além de ser uma música que fala sobre Vikings e sua mitologia, tem o poder de arrepiar imediatamente qualquer pessoa que a ouve, e aqui aparece duas vezes uma no início mais rapidamente e outra já no fim, pontuando o clímax que é a batalha final contra Hela e seu exército de undeads. 

Thor: Ragnarok se mostra mais um acerto do estúdio Marvel por conseguir reinventar drasticamente o universo de um de seus personagens que ainda não havia conseguido o destaque merecido, mesmo correndo o risco de desagradar alguns fãs mais ferrenhos dos quadrinhos (que ainda assim são presenteados com vários easter eggs), e apesar de suas falhas e de pouco se renovar como gênero cinematográfico cumpre muitíssimo bem seu papel, e claramente sua principal meta, que é divertir.
PS: Como manda a tradição, há duas cenas pós créditos no filme.