O diretor alemão Wim Wenders apresenta em seu filme Dias Perfeitos (Perfect Days, 2023) uma visão do comportamento solitário que permeia não apenas a sociedade japonesa, mas também um conglomerado de pessoas em uma perspectiva contemporânea de interação. A narrativa é marcada pelo minimalismo, provando mais uma vez que grandes histórias não necessitam de eventos grandiosos. Na verdade, é muito mais desafiador abordar dramas humanos como luto, perda e outros sentimentos do que enfrentar super-vilões.
Os temas universais e atemporais são recorrentes na obra de Wenders. Basta lembrar do famoso Paris, Texas (1984), onde acompanhamos a jornada entre pai e filho. Em Dias Perfeitos, essas temáticas são interpretadas literalmente, não apenas pelo diretor, mas também pela sociedade japonesa, que constantemente se debate entre o tradicional e o moderno. Esse conflito não se limita ao campo arquitetônico, com contrastes entre templos e prédios, mas também se manifesta nas relações humanas e interações sociais.
Como espectadores, somos conduzidos a acompanhar a rotina do protagonista, um senhor chamado Hirayama (Koji Yakusho), cuja profissão é limpar banheiros públicos no Japão. O filme é silencioso, e a voz do personagem principal é pouco ouvida. Hirayama vive uma vida solitária, regando suas plantas, trabalhando ao som de fitas cassetes, almoçando no parque e tirando fotografias. Ao final do dia, ele lê antes de dormir, preparando-se para recomeçar a mesma rotina no dia seguinte. O filme possui um ritmo lento, e a ausência de um clímax definido faz com que cada dia seja encarado como uma nova história. Gradualmente, pequenas mudanças na rotina do senhor Hirayama, como a visita à loja de fitas antigas ou o encontro com sua sobrinha que fugiu de casa, ganham significado. O filme também retrata que as relações familiares nem sempre se resolvem facilmente. Claramente, há uma tensão entre o protagonista e sua irmã, que aparece para buscar sua filha. Embora o carinho ainda exista, algo impede que ele se manifeste.
Dias Perfeitos é um excelente exemplo de como uma boa história não necessita de grandes acontecimentos ou clímax. Em um mundo onde o cinema muitas vezes se inclina para exageros e esvaziamento da fantasia, esse filme propõe um diálogo sobre a vida e seus altos e baixos. É uma dose que tenta equilibrar a indústria cinematográfica, frequentemente injusta e precária. A própria vida é o maior drama, e Wenders retrata isso de forma magistral, furando a bolha da superficialidade. Não há outra definição para esse filme além de “obra-prima”
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Atual Vice-presidente da Aceccine e sócio da Abraccine. Mestrando em Comunicação. Bacharel em Cinema e formado em Letras Apaixonado por cinema, literatura, histórias em quadrinhos, doramas e animes. Ama os filmes do Bruce Lee, do Martin Scorsese e do Sergio Leone e gosta de cinema latino-americano e asiático. Escreve sobre jogos, cinema, quadrinhos e animes. Considera The Last of Us e Ocarina of Time os melhores jogos já feitos e acredita que a vida seria muito melhor ao som de uma trilha musical de Ennio Morricone ou de Nobuo Uematsu.