One Piece: a Série – Divertida, cativante e ridícula, como deve ser

Antes de qualquer coisa

Quando o assunto são adaptações live-action, sejam de livros, animações ou quadrinhos, tem sido quase impossível não ficar com um “pé atrás”. E se tratando de animes e mangás, obras orientais com uma linguagem própria adaptadas de maneira ocidentalizada, a chance de dar errado é gigantesca, como já se provou diversas vezes. 

Os longas Death Note (2017), DragonBall Evolution (2009), a série Cowboy Bebop (2021) e até o mais recente Os Cavaleiros do Zodíaco – Saint Seiya: O Começo (Knights of the Zodiac, 2023) não obtiveram uma boa aceitação do público e muito menos da crítica especializada e portanto tem sido difícil confiar que algo de bom possa surgir dessas adaptações. One Piece: A Série (One Piece, 2023 -), no entanto, conseguiu quebrar essa dita “maldição” das live-actions

Do que se trata

A série da Netflix é uma adaptação direta da série de mangá criada, escrita e ilustrada por Eichiiro Oda — que atualmente ocupa o 2° lugar de obra em quadrinho mais vendida da história (atrás apenas de Superman) — e conta a história de Monkey D. Luffy, um jovem garoto que sonha em encontrar o grande tesouro “One Piece” e se tornar o rei dos piratas. Para isso, ele seguirá sua jornada recrutando membros para seu bando e enfrentando vilões que vão desde piratas terríveis à oficiais corruptos da marinha, tendo sua determinação e ambição colocadas à prova a todo instante. 

A primeira temporada da live-action, desenvolvida e roteirizada pelos showrunners Matt Owens e Steven Maeda, adapta a saga East Blue (volumes 1 ao 11) do mangá e foca no início da jornada do sonhador Luffy (Iñaki Godoy) como capitão do bando dos Chapéus de Palha e o recrutamento de seus primeiros companheiros: a gatuna Nami (Emily Rudd) como navegadora, o espadachim Zoro (Mackenyu) como imediato, o mentiroso Usopp (Jacob Romero Gibson) como atirador, e o mulherengo Sanji (Taz Skylar) como cozinheiro. A série ainda intercala as aventuras de Luffy e seus amigos com o núcleo da marinha — composto pelo austero vice-almirante Garp (Vincent Regan) e seus mais novos cadetes, o pródigo Koby (Morgan Davies) e o arrogante Helmeppo (Aidan Scott) — e sua caçada ao jovem pirata. 

Assumindo uma trama linear que vez ou outra é interrompida por flashbacks da infância dos protagonistas, os oito episódios (de duração entre 50 a 65 minutos) se dividem em arcos, assim como no mangá/anime — são eles: Romance Dawn (episódio 1), Orange Town (episódio 2), Vila Syrup (episódios 3 e 4), Baratie (episódios 5 e 6) e Arlong Park (episódios 7 e 8) — porém deixando ainda cliffhangers (ganchos) em seus finais. 

Mas é uma boa adaptação? 

Sem dúvidas é uma boa série. Já no primeiro episódio é introduzido o mundo de One Piece e suas peculiaridades. Cabelos coloridos, traços físicos inumanos, poderes absurdos e criaturas esquisitas — a aparência dos den den mushis, caramujos utilizados para a comunicação nesse universo, ficarão marcados na memória de muitos — preparam o público pro show de bizarrices que estão prestes a encarar, provando assim que a live-action abraçou com carinho as excentricidades da obra original. Tudo isso é harmonizado com cenas de ação muito bem coreografadas, uma fotografia de encher os olhos, uma paleta de cores vibrante, cenários e cenografia ricos em detalhes e figurinos e maquiagens absurdas que trazem uma experiência visual surreal para o espectador. Quanto ao andamento da narrativa, o ritmo é acelerado e há muitos acontecimentos em um único episódio, portanto informações importantes podem ser perdidas caso o espectador não esteja tão atento, o que pode ser um problema para a compreensão. Contudo, há aqui um esforço da direção e da montagem de nos prender na trama, de maneira que é difícil tirar os olhos da tela. 

Já como adaptação, é preciso dizer que a resposta é mais complexa. Aqui se reconhece o esforço e esmero dos realizadores na fidelidade ao material original, de modo que, por vezes, é possível comparar quase quadro a quadro determinadas cenas com o anime e o mangá. Além dos diversos easter eggs espalhados no decorrer da série, que vão desde figurinos a menções de personagens que aparecem muitas sagas à frente. Nisso, não se pode reclamar. Ademais, é inegável que a alma da obra criada pelo mestre Oda está ali. A série não pode ser comparada a adaptações hollywoodianas que possuíam o único intuito de lucrar em cima apenas do “nome” e que pouco tinham interesse em remeter ao material original. One Piece: A Série é um investimento — bem caro, à propósito — da Netflix em um novo universo seriado que poderá render muitos frutos à plataforma — e aos fãs — se continuar sendo realizado por profissionais amantes do mangá, como está sendo agora. Para os entusiastas mais puristas, sinto informar que aqui não temos uma adaptação copiada e colada do anime ou do mangá, mas uma tentativa pesada em agradar os dois públicos: os acompanhantes mais ferrenhos da obra (como eu que vos escrevo) e o espectador que pouco ou nada conhece desse universo. 

Não há como deixar de comentar sobre o competente elenco escolhido, é claro. Poucos são os rostos conhecidos, o que pode ter sido um mérito, pois os atores em geral não deixam a desejar. O destaque, é claro, vai para Iñaki Godoy, que tem a difícil missão de incorporar um dos personagens mais complicados de se trazer para um mundo “real”. Luffy é alegre, expansivo, extrovertido, impulsivo e aparenta não ter muita noção de causa e consequência ou de espaço pessoal. Iñaki traz aqui uma interpretação um pouco mais contida, contudo sem perder a essência do protagonista, brilhando de carisma sempre que aparece na tela. Seus companheiros de bando também são excelentes — mesmo Mackenyu, que apesar de ser um ator pouco expressivo e que deixa a desejar nas cenas mais dramáticas, empresta suas habilidades de luta com espadas e se encaixa ao seu modo com um Zoro um pouco mais sério que o do mangá. 

Os vilões e coadjuvantes também não ficam para trás. Jeff Ward, que interpreta o palhaço Buggy, se entregou de corpo e alma para viver o vilão e dá um show (com muita pompa!). Morgan Davies, nosso querido Koby, também serve muita timidez e insegurança, mas também muita fofura com seus olhos dançantes e sua postura retraída, de maneira que é impossível não querer abraçá-lo a todo momento. Dedico ainda menções honrosas a: Steven John Ward, que dá vida ao enigmático antagonista Mihawk; McKinley Belcher III, o temido e ardiloso grande vilão Arlong; e Aidan Scott, que nos presenteia com sua interpretação do patético recruta Helmeppo.

Nem tudo são flores, é claro. A série decai nos episódios 3 e 4 com seu ritmo um pouco mais lento, algumas atuações mirins deixam a desejar e a ausência de tempo de tela para o personagem Usopp incomoda bastante — independente se o espectador for leigo ou admirador da obra. Caso você seja um fã de carteirinha de One Piece, sentirá falta de diversos personagens e isso pode também impactar negativamente na sua experiência, principalmente sabendo que alguns deles possuem uma relevância maior mais na frente, e esses cortes poderão ser uma dor de cabeça caso a série perdure por mais temporadas. Ainda assim, a live-action finaliza sua primeira temporada com um saldo positivo e sua renovação é uma prova de que o público anseia por mais desse mundo do pirata que estica. 

Ainda bem que é!

One Piece: A Série é divertida, cativante e ridícula (de uma maneira positiva). Um breve mergulho no imenso universo criado por Eichiiro Oda que vem conquistando fãs no mundo inteiro e uma excelente porta de entrada para quem não conhecia a obra ou apenas se via desmotivado ao se deparar com os mais de mil episódios do anime ou mais de mil capítulos do mangá. 

Sucesso absoluto da Netflix, a live-action desbancou Wandinha (2022 -) e até mesmo Stranger Things (2016 -), tornando-se a série da plataforma a ficar em Top 1 em mais países ao redor do mundo. Agora já renovada para a 2° temporada, que deve chegar em 2025, resta apenas aguardar o que Matt Owens e Steven Maeda preparam para a adaptação da saga de Alabasta.


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