Yu Yu Hakusho – Os prejuízos da vida no “2x”

Obs.: Esse texto pode conter severos spoilers

Não há problema caso a cultuada década de 1980 tenha esgotado sua lista enorme de referências. As grandes produtoras descobriram os anos 1990 e eles também estão reaparecendo. Não apenas como referência, mas como um retorno das obras que foram lançadas naquela época. Como um ciclo que se repete a cada 30 anos.

A obra da vez foi a série Yu Yu Hakusho (2023), releitura do mangá de Yoshihiro Togashi que, por sua vez, foi adaptado para anime em 1992 e fez um grande sucesso aqui no Brasil quando estreou na, agora extinta, TV Manchete. A série chegou na Netflix no último dia 14 de dezembro, trazendo 5 episódios de aproximadamente 1 hora, cada. Nessa primeira fase, a locadora vermelha tenta adaptar os arcos originais até o final do Torneio das Trevas, fazendo os devidos encaixes.

Sob a direção de Shô Tsukikawa, a série conta com efeitos especiais convincentes, caracterizações bastantes fieis e uma ambientação que deixa nada, ou bem pouco a desejar. O roteiro, é tão fiel ao original o quanto consegue, mantendo as características principais dos personagens, como suas personalidades marcantes e um figurino que me fez perguntar se esse ainda é o tipo de moda que se usa lá pelas terras japonesas, ou se é uma revisão do que as pessoas vestiam 30 anos atrás.

As cenas de luta são empolgantes, bem coreografadas e trazem um “quê” de animações que, durante muito tempo, foi difícil de se colocar em live action e que fez com que eu me perguntasse, quase a vida inteira, se seria possível ver esse tipo de batalha interpretada por pessoas de verdade. Nunca me pareceu que daria certo dois seres humanos soltando “poderzinho” um no outro, sabe? Mas, finalmente, acho que os produtores conseguiram acertar a mão e encontrar um meio termo entre o que se faz nas animações e o que pode ser feito na realidade, de maneira convincente.

Adaptações de anime podem, sim, dar certo!

Inicialmente, preciso deixar claro que não é tarefa minha (nem de ninguém) dizer a você o que você deve gostar ou não. O máximo que posso fazer é deixar minhas impressões e você resolve se concorda, ou não, comigo. Dito isso, quero deixar claro que, com muita alegria, eu queimei minha língua em relação às expectativas que tinha para a série de Yu Yu Hakusho. Isso porque eu não tinha esperança de que o projeto fosse minimamente dar certo.

Não me culpe! O histórico não é bom. Quem aqui não se decepcionou, anos atrás, com o famigerado Dragon Ball Evolution (2009), ou com as adaptações de Fullmetal Alchemist (Hagane No Renkinjutsushi, 2017) e Death Note (2017), da própria Netflix? Isso sem falar de Cavaleiros do Zodíaco (Knights of the Zodiac, 2023), lançado meses atrás. Porém, a fagulha de esperança, que se transformou na chama do hype, veio esse ano com a produção de One Piece (2023), também da vermelhinha. A fidelidade precisa da série do pirata “de borracha” me fez acreditar que uma adaptação desse porte poderia dar certo, mesmo sendo uma história tão improvável como a de Yu Yu, que mexe com demônios, tem personagens com cabelos coloridos e garotas que choram pérolas.

Desse modo, tal foi minha alegria em ver que a Netflix se esforçou para deixar tudo tão parecido com aquilo que eu tinha guardado na minha memória. Nesse quesito, os acertos foram maiores que os erros. Ok, faltou um pouco de cuidado com as perucas do Kurama (Jun Shison), tanto a ruiva, de sua forma humana, como a branca, em sua forma Youko. O que me espantou, já que a produção foi mais caprichosa com os cabelos de outros personagens, como a Genkai (Meiko Kaji) ou até a Botan (Kotone Furukawa).

Mas os figurinos e os poderes entregaram mais o que eu poderia esperar e, depois de um tempo, dá até pra se acostumar com o cabelo meio tosco do manipulador de plantas. E há um trabalho incrível de CGI em toda produção. Principalmente com o Toguro mais velho, completamente animado em computação gráfica – em algumas cenas, quase imperceptível. Diga o que quiser, nessa parte, a série entregou muito!

Mas Yu Yu Hakusho da Netflix, é bom mesmo?

Certo! Passemos da fase inicial de empolgação para analisar a história com um pouco mais de calma. E calma foi justamente o que faltou nesse arco. Mesmo sem ter informação para saber se essa foi uma decisão criativa ou de orçamento, é fácil perceber que apenas 5 episódios de 1 hora não foram suficientes para mostrar, de maneira eficaz, a quantidade de histórias que a Netflix se prontificou a contar.

Eu não consigo dizer se esse é um sinal dos tempos (essa necessidade de apressar as histórias, de assistir tudo no “2x” sempre, uma falta de paciência muito característica da geração TikTok), ou uma incerteza em saber se a séria voltaria para uma segunda temporada, o que poderia justificar a vontade de terminar a primeira com a derrocada final de Toguro (Gô Ayano).

O que eu sei é que, por conta dessa emergência em chegar nesse ponto da história em tão pouco tempo, a série perde, tanto em adaptação, como em roteiro original, fosse esse o caso.

Perde como obra pois superficializa tanto as relações, que nos custa sentir algum apreço pela morte prematura da Genkai que, ainda por cima, acontece off câmera. Não houve tempo hábil para nos afeiçoarmos à personagem e fomos privados do momento comovente que foi sua luta contra quem, outrora, teria sido seu amigo de batalhas.

Da mesma maneira que aprofunda pouco os personagens, mesmo os principais, e nos impede de ver sua evolução em batalha, e a de suas amizades, forjadas a contragosto nas missões em que são enviados.

E perde como adaptação, pois nos furta momentos cruciais da trama, superimportantes na construção de nossas memórias. Como o surgimento da Lutadora Mascarada, que se revela a jovem Genkai e rende momentos empolgantes. Também nos privou da vitória de Kuwabara (Shûhei Uesugi) sobre o Toguro mais velho (outro momento importante) que, na série, morreu pelas mãos de seu próprio irmão.

Por fim, descarta o desejo do Yusuke (Takumi Kitamura) ao final do campeonato, que era justamente trazer de volta à vida sua mestra.

O saldo é positivo?

Olha, passa muito longe de mim ser o tipo de fã que deseja que as adaptações sejam cópias fieis das obras originais. E você pode confirmar isso lendo esse texto aqui, ou esse aqui. Até porque, se eu quisesse tudo igual ao original eu não precisaria de uma adaptação – bastava visitar o original novamente. Então, como releitura, eu não acho que a série de Yu Yu Hakusho falha. Mas, como série, acredito que ela desperdiça um potencial enorme!

Talvez fosse mais prudente, para essa primeira temporada, encerrar a história com o resgate da Yukina, mas sem queimar todo o plote do torneio. Afinal, a última batalha desse arco ainda seria contra o Toguro, sem mostrar sua força total, claro. Mas economizaríamos o Kurama Youko contra Karasu, Hiei (Kanata Hongô) contra Bui (e o surgimento precoce das chamas negras). E poderíamos ter aprofundado a relação de Yusuke com a mestra Genkai.

Eu fico aflito com toda essa pressa em contar tudo de uma vez. E me pergunto o que a série poderá trazer em uma segunda temporada, caso haja. Já que resumiram todo o Torneio das Trevas em 4 batalhas – uma delas sendo decidida de maneira muito banal.

Assim, mesmo com toda a sensação de nostalgia e tendo feito um afago no meu coração assistir em live action um dos animes favoritos da minha adolescência, é impossível não perceber que algumas falhas, que poderiam facilmente ser evitadas, atrapalharam a experiência da jornada. Talvez se a temporada fosse maior, quem sabe? Agora já não adianta mais lamentar. Se ainda interessa saber, não há métrica para a crítica especializada no site dos tomates. Mas a recepção do público é positiva, somando 88% de aprovação. O que nos resta, agora, é aguardar pra saber se ainda teremos mais o que ver dessa adaptação.

Qual história você acha que pode ser contada a seguir? E como você gostaria que adaptassem?


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