Desde o lançamento de The Boys (2019-) a série vem lidando muito bem com um mundo onde super-heróis são reais e também endeusados. Além de tudo, mostrando o quando se pode fazer piadas com as franquias de super-heróis da TV e do cinema da atualidade. Enquanto a série é baseada nos quadrinhos de mesmo nome, a terceira série da franquia, Gen V (2023 -) adapta apenas um dos arcos da HQ. Se temos os humanos mostrando como o mundo cheio de super-heróis pode ser bem perigoso, agora temos em Gen V, mostrando por uma perspectiva mais “super”, como é viver nesse mundo. Michele Fazekas e Tara Butters são showrunners da primeira temporada, recentemente encerrada na Prime Vídeo, mas com uma segunda já confirmada pelo streaming.
Existe uma grande co-dependência entre Gen V e sua série mãe, desde participações especiais, quanto à importância para entender o momento em que o mundo fictício se encontra. Dessa vez não vamos mostrar quão escrotos supers podem ser, pra isso temos três temporadas inteiras de The Boys. Em Gen V focamos em como esses seres foram alterados sem qualquer escolha e obrigados a viverem na grandiosidade do poder, se tornando produtos em meio a um mundo onde suas habilidades são capitalizadas pelas pessoas ao seu redor. Muitas vezes isso inclui suas próprias famílias, como já foi bem mostrado em The Boys. Os humanos não estão ausentes daqui, só estão em uma posição diferente da de protagonismo apresentada em The Boys. Outro fator importante é a diferença de idade entre os personagens principais de uma série e outra, se em The Boys temos adultos pessimistas, em Gen V veremos jovens universitários sem o conhecimento total do mundo.
Agora se as coisas já são complicadas quando se possui poderes, imagina se os seus poderes estão relacionados a manipular o sangue e você descobre isso no dia da sua primeira menstruação. É essa a história da protagonista do programa, Marie Moreau (Jaz Sinclair), enquanto lida com os traumas de seu passado, decidida a se mostrar uma pessoa digna de ser uma super-heroína. É sempre importante lembrar: nem tudo que brilha é ouro. Ser um super-herói nesse universo pode vir com enormes benefícios, mas também custa todos os escrúpulos e ética de uma pessoa. Honestamente não discordo sobre como os poderes de Marie são extremamente anti-higiênicos, mas a personalidade da protagonista é uma das melhores do seriado. É interessante observar o quanto Marie luta para se manter fiel aos seus propósitos, sua índole, em meio a um ambiente podre por dentro.
Um ponto engraçado: Marie Moreau se junta à Peter Parker, Sue Storm, Scott Summers, Billy Bruto, e tantos outros personagens com as mesmas iniciais no nome e sobrenome. Nada importante para o texto ou para a série , mas é algo engraçado. Não é a única personagem com esse feito, pois o ator Chance Perdomo interpreta um personagem chamado Andre Anderson. Infelizmente mesmo com um arco bem importante e complexo, sobre seguir o legado de seu pai, o ator não consegue entregar muito em sua interpretação. Os dois veteranos de O Mundo Sombrio de Sabrina (Chilling Adventures of Sabrina, 2018 – 2020) tem a chance de brilhar, mais claramente Jaz Sinclair. Bem, ao menos do personagem podemos tirar algo interessante e é seus poderes sobre objetos magnéticos e muitos problemas com o pai. As relações interpessoais do personagem de Perdomo são interessantes, mas infelizmente a atuação insossa do mesmo faz o interesse diluir como uma gota de sangue num enorme oceano.
Obviamente é interessante observar como o seriado consegue debochar da mídia de super-heróis (até mesmo da indústria do entretenimento no geral), mas as coisas ficam se repetindo demais ao longo da temporada. Outro problema é o ritmo, pois, quando você sente as coisas pegando um ritmo legal, recebe uma pisada muito brusca nos freios e isso causa sim um incômodo. Aqui ao menos os desenvolvimentos dos personagens não são tão frequentemente ignorados para causar choque ao público, algo cada vez mais recorrente em outras séries da franquia. Mesmo assim, ainda há certas partes da série onde surpreender é o foco e nada importa, desenvolvimento e construção. Ao menos os arcos da série são extremamente bem trabalhados e amarrados ao longo dos episódios. Primeiramente, os personagens surpreendem no geral, não sendo tão rasos e simples quanto parecem ou até mesmo quando são, o enredo os coloca em lugares de maior aprofundamento.
Dar uma perspectiva de supers nesse mundo poderia ir para dois caminhos, especialmente quando o enredo envolvendo os humanos ganha mais foco. Inclusive, aqui os humanos nos lembram muito bem sobre a capacidade destrutiva de um ser não estar relacionado a esse ser ter poderes ou não. Afinal, dentro do mundo fictício ou real as pessoas foram responsáveis por inúmeros massacres pelas mais fúteis (ou mesmo que não fúteis, nada justifica nenhum tipo de massacre) das razões. Possuir a personagem Indira Shetty, interpretada por Shelley Conn, como uma pessoa capaz de manipular e controlar supers, mesmo sendo humana, é um ótimo exemplo disso. Suas motivações e seus planos realmente a fazem mais marcante do que parte do enredo da terceira temporada de The Boys ou mais da metade dos vilões do MCU e DCU juntos. Uma adição interessante para o seriado é a presença do personagem Dr. Edison Cardosa, interpretado pelo brasileiro Marcos Pigossi, um dos cientistas trabalhando para a personagem de Shelley. Pigossi se junta à Bruna Marquezine nesse ano, ator brasileiro fazendo parte de uma franquia baseada em quadrinhos.
Existe muita coisa boa na série, debates sobre gênero, aceitação, superação de traumas, transtornos alimentares e dismorfia corporal, mas às vezes a série não consegue colher bem no terreno onde as sementes foram plantadas. Falar sobre saúde mental, sobre gaslighting como a série fez, é um feito bem peculiar para um seriado baseado em quadrinhos e isso é de se admirar. Infelizmente os pontos positivos da trama se perdem quando Gen V deixa de ser sua própria série e passa a ser só uma parada no caminho para a próxima temporada de The Boys. Mas bem, isso não deixa de atrair um certo público para o novo seriado, mesmo que pudesse manter-se por si mesmo caso as pessoas responsáveis desejassem.
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Cineasta graduade em Cinema e Audiovisual, produtore do coletivo artístico independente Vesic Pis.
Não-binarie, fã de super heróis, de artistas trans, não-bináries e de ver essas pessoas conquistando cada vez mais o espaço. Pisciano com a meta de fazer alguma diferença no mundo.