The Boys – Qualquer um pode ser herói com uma boa equipe de marketing

Vivemos na era de ouro dos super heróis na cultura pop. Esses personagens, antes restritos aos quadrinhos e a mídias audiovisuais de baixo orçamento, agora estão presentes no cotidiano popular ao redor do mundo, arrecadando bilhões anualmente. São tantos produtos de mídia sendo produzidos que é comum você olhar para um filme da Marvel ou para uma série da DC e enxergar mais do mesmo, em termos de narrativa e desenvolvimento de personagem. O gigantesco aumento da demanda eventualmente satura o gênero e consequentemente novas propostas surgem para restabelecer o interesse do público, modificando e brincando com os padrões, estereótipos e expectativas cinematográficas já pré concebidas a respeito desse estilo de história. Seja em filmes como Brightburn – Filho das Trevas (Brightburn, 2019) ou em séries como Legion (2017 – 2019), é sempre bom assistir novas ideias sendo postas em prática, e isso não é diferente em The Boys.

A série, lançada em 2019 pela Amazon Prime Video, é baseada nas HQs de Garth Ennis (Preacher) e além de ter Eric Kripke, o criador de Supernatural (2005 -), como showrunner, o programa também conta com Seth Rogen e Evan Goldberg, estes que também estão envolvidos com a adaptação de Preacher (2016 -) pelo canal AMC. 

The Boys tem como premissa mostrar uma sociedade onde super heróis existem de verdade, mas ao invés de serem altruístas e benevolentes, eles são falhos, gananciosos, invejosos, mesquinhos, orgulhosos… ou seja, humanos. Assim, a série subverte o conceito base de todas as histórias em quadrinhos clássicas. Nesse universo, não existem heróis e vilões, pessoas boas e ruins, bem vs mal. Ser um super herói é apenas mais um trabalho como outro qualquer, sendo esses super seres apenas funcionários de uma empresa multibilionária, cujo produto é administrar e gerenciar heróis ao redor dos Estados Unidos.

Somos introduzidos na história através da perspectiva de Hughie Campbell (Jack Quaid), um jovem inocente que tem a sua vida virada de cabeça para baixo quando a sua namorada é explodida por acidente pelo velocista A-Train (Jessie T. Usher). Com a sua ideia de super herói destruída, Hughie é encontrado por Billy Butcher (Karl Urban) que mostra ao garoto o que ele precisa fazer para se vingar do assassino de sua namorada. 

Em contrapartida, também acompanhamos a história através dos olhos de Starlight (Erin Moriarty), uma garota simples e ingênua que sempre sonhou ser uma super heroína para ajudar as pessoas. 

No universo de The Boys o grupo mais famoso da América é denominado de “Seven”, sendo estes uma clara alusão à Liga da Justiça, já que o panteão da DC é composto de deuses, diferente do da Marvel onde os heróis são mais humanos, apesar de também possuírem esse viés de bondade. Starlight é a mais nova membro do grupo e no decorrer dos 8 episódios seus sonhos são constantemente quebrados pela realidade do cotidiano de um super herói imposto pela Vough, a empresa dona desses super seres.

É no arco de Starlight que descobrimos como funciona essa sociedade das aparências na série. Por exemplo, para uma cidade ser protegida por determinado herói, ela deve pagar uma taxa milionária para a empresa. Parques aquáticos e de preservação marinha usam a imagem do The Depp (Chace Crawford) em suas campanhas publicitárias. Os supers saem para as suas vigias em duplas apenas porque um algoritmo mostrou que a população gosta de ver trabalho em equipe na hora do combate ao crime. Enfim, tudo o que os integrantes da Vough fazem tem um roteiro, um público alvo e um objetivo publicitário.

Com um humor ácido e sarcástico, inundado de muito gore, a série, nas entrelinhas, promove uma discussão sobre como realmente a indústria cinematográfica de filmes de super heróis pode ser por dentro, além de discutir as máscaras usadas pelas celebridades quando estão perto dos fãs e sendo filmadas. Com isso, a comparação de como acontece os anúncios em convenções nerds e porque determinados filmes estão sendo feitos é bastante válida e interessante, afinal de contas, por trás da representatividade, o dinheiro é o que move a indústria.

Por fim, dois momentos ilustram muito bem o universo de The Boys. 

O primeiro, é o diálogo entre Homelander (Antony Starr) e Queen Maeve (Dominique McElligot):

– São só pessoas. Porém eles estalam os dedos e nós obedecemos. Porque fazemos isso?

– Porque eles assinam nossos cheques.

O segundo, é a frase de Billy Butcher para Hughie:

– Você é um rapaz inteligente, mas ainda não notou a fraqueza comum de todos eles. Suas reputações.

Com um olhar pessimista a respeito de poderes e deveres de um super ser, a primeira temporada de The Boys conseguiu construir um universo onde a fama, os interesses pessoais e o dinheiro são os pilares bases da sociedade, com conglomerados e campanhas publicitárias ditando o que gostamos e consumimos. Ser super herói em The Boys não é um estilo de vida, é apenas uma marca que pode ser comercializada e substituída dependendo das decisões de empresários e algoritmos, não importando o caráter e a índole de quem utiliza o uniforme, e quando isso acontece alguém precisa interferir, afinal, quem vigia os vigilantes?