Você deve se lembrar de um joguinho que viralizou lá em 2014 sobre um guarda noturno que precisa se defender de bichos de pelúcia gigantes e te dá uns sustos. Five Nights at Freddy’s foi um fenômeno de jogabilidade simples e segredos escondidos que mudou o cenário de jogos independentes no mundo todo e agora sua adaptação finalmente chega aos cinemas.
Criada por Scott Cawthon, um desenvolvedor de jogos indie, após ser massacrado sobre a aparência das personagens em seu último jogo, Five Nights at Freddy’s ou FNAF, para os íntimos, chegou arrasando tudo. Como eram jogos fáceis de fazer e as pessoas estavam sempre sedentas por mais, entre 2014 e 2018, Scott fez sozinho oito jogos para satisfazer sua fanbase ensandecida antes de entregar o desenvolvimento nas mãos da Steel Wool Studios, que tem levado os jogos para um lugar bem diferente do conhecido. O próximo está previsto para dezembro desse ano, daqui a pouco.
Você acha que é só isso? Pois saiba que não! FNAF também rendeu uma trilogia de romances (que também se tornaria uma trilogia de graphic novels), dois guias da franquia e duas coleções de livros de antologias que juntos já somam 21 livros (que também estão se tornando graphic novels).
Mas ainda não para por aí! Além de ter dado origem a inúmeras fangames (jogos feitos por fãs inspirados no jogo original) muito queridas pelo público, também acabou criando todo um novo nicho dos jogos de terror e horror: o mascot horror. Que consiste em jogos de terror onde as criaturas que te atacam e perseguem são mascotes ou produtos, dentro daquele universo. Em FNAF, os animatrônicos da pizzaria são os monstros. Já em Bendy and the Ink Machine são as personagens de um estúdio de animação, e em Poppy Playtime são os brinquedos de uma fábrica de brinquedos.
E como manter por tantos anos tanta gente interessada nesses jogos? Isso se deve principalmente, em minha opinião, à história dos jogos. Por ser muito boa? Não necessariamente! É mais por estar bem escondida. Dadas às devidas proporções, os jogos de FNAF são tipo Star Wars, você pode assistir só pelas naves viajando pelo espaço e as lutas com sabres de luz, mas tem muito mais lá além disso.
A história de FNAF é contada por poucas informações, detalhes e easter eggs que deixam toda uma parcela da internet louca criando teorias onde tudo é importante: datas, nomes, cores que às vezes são literais e outras simbólicas, códigos em imagens e até mesmo ventiladores.
E sabe os livros que mencionei ali em cima? Eles não são diretamente ligados à história principal dos jogos, eles são possibilidades de coisas que podiam ter acontecido ou podem acontecer naquele universo. A ideia é catar as pistas. Basicamente, Scott ama jogar migalhas por aí e já ficou mais do que claro que ele deve ter mudado essa história algumas vezes ao longo dos anos.
Não demorou tanto para um filme ser anunciado. Na verdade, em 2015 a Warner começou algo nesse sentido, mas desistiu e o projeto caiu nas mãos da Blumhouse que, de início, disse que Chris Columbus dirigiria o filme. Mas não aconteceu e Scott, enquanto isso, foi desenvolvendo umas 10 possibilidades de roteiro para o longa até chegar à que todos gostaram.
Nesse meio tempo, para aproveitar o hype, outras pessoas deram uma roubada na ideia de Scott. O primeiro a estourar foi o curta The Hug (2014), disponível no YouTube e protagonizado por um panda macabro. Os longas vieram logo depois, The Banana Splits Movie (2019) que faz uma versão de terror de uma série infantil que existiu de verdade e Willy’s Wonderland – Parque Maldito (Willy’s Wonderland, 2021) onde ninguém menos do que Nicolas Cage tem que cair na porrada com vários animatrônicos. Esses dois filmes são tão terríveis que são divertidos, feitos totalmente para ganhar uma grana nas costas de FNAF.
É nesse cenário de completamente fora do hype, nas mãos da Blumhouse, que na mesma proporção que solta filmes bons, solta várias bombas – o que a fez perder o posto de queridinha do nicho para a A24 – e tendo como histórico de filmes do tipo duas produções “podreiras”, que Five Nights at Freddy’s: O Pesadelo Sem Fim (Five Nights at Freddy’s, 2023) chega aos cinemas. E eu amei!
O filme conta a história de Mike (Josh Hutcherson), um jovem adulto que precisa cuidar da irmã mais nova após a morte da mãe, mas não consegue parar em um emprego, até que acaba aceitando a vaga de vigia noturno em uma pizzaria abandonada, que era um sucesso nos anos 80 por seus animatrônicos (robôs em formato de animais que cantavam e dançavam): a Freddy Fazbear’s Pizza.
O filme é dirigido por Emma Tammi, que ainda está começando na função, mas já dirigiu dois episódios de Into the Dark (2018 – 2021). O roteiro é dela junto com Scott Cawthon, o criador da franquia, e Seth Cuddeback (que até então só tinha experiência com curtas-metragens). Também estiveram envolvidos na escrita Chris Lee Hill e Tyler MacIntyre, ambos roteiristas de As Garotas da Tragédia (Tragedy Girls, 2017). A fotografia é de Lyn Moncrief, que também trabalhou em Into the Dark e em They/Them (2022), e a produção é principalmente de Scott e Jason Blum que dispensa apresentações. Basicamente quase tudo com temática de horror e terror que está em muita evidência tem ele envolvido na produção.
Tecnicamente os maiores destaques do filme são os animatrônicos que foram reproduzidos à perfeição, tal e qual seus visuais nos jogos (tirando um deles, que teve leves mudanças). Eles ficaram incrivelmente bem feitos e isso foi uma das coisas que mais me fez pensar que o filme seria tosco, que os animatrônicos não funcionariam com um visual idêntico aos jogos, que seria preciso adaptar mais para dar certo.
Eu ainda acho que os bonecos mereciam alguns retoques para deixá-los mais quebrados, mais sujos, talvez um pouco diferentes. PORÉM, Emma Tammi entrou em ação e a sua direção tão bem feita é o que faz os robôs funcionarem e não destoarem do resto do filme, seja com enquadramentos, cortes no momento certo, ou a escolha de em que momento piscar as luzes. Por isso, para mim, a direção dela é outro destaque da obra, por ter impedido que o que parecia um ponto fraco realmente o fosse. No fim, Freddy, Chica, Bonnie, Foxy e Cupcake estão assustadores quando precisam e fofos quando necessário, tornando possível aquela ligação estranha com as personagens.
O cenário da pizzaria também ficou incrível. Sinto que algumas crianças dos anos 80 podem se sentir um pouco nostálgicas com aquele cenário.
A violência é implícita, sugeira e pouco sangue é visto, o que, na verdade, é uma característica dos jogos também, onde o máximo de sangue e tripas que se viu talvez tenha sido em uma animação em pixel art. Ou seja, quadradinhos vermelhos foram o que se viu de mais direto nesse sentido. E eu entendo que o filme queira manter uma classificação indicativa baixa para conseguir captar mais público e por saberem do apelo que a franquia tem com crianças. Mesmo os jogos e os filmes não sendo indicados para elas, existe um apelo visual. E por nenhum dos jogos serem algo violentíssimo, muitas crianças gostam. Então não tem para onde fugir: várias vão acabar assistindo.
Isso dito, minha opinião se divide aqui: eu entendo o que o filme quis fazer e porquê. Mas eu adoraria uma versão mais gore, mais sangrenta, direcionada para espectadores mais velhes. Pessoalmente, acho que caberia muito um tipo de ação dessas, lançar um “Five Nights at Freddy’s’: sem cortes”, só para existir uma versão mais intensa da obra e fugir um pouco do material base nesse quesito.
Eu assisti ao filme legendado na cabine de imprensa, mas não duvido nunca da capacidade de nossa dublagem ser boa e, dando uma olhada no elenco de dublagem, tive mais certeza ainda que deve estar um bom trabalho, contando inclusive com vozes muito conhecidas como Erick Bougleux e Hércules Franco.
As atuações não tem nada de genial, mas cumprem bem seu papel. Todas as crianças se saem muito bem e é tão bom ver Matthew Lillard fazendo um vilão de novo. Depois de tanto tempo marcado como o Salsicha de Scooby-Doo – o que não foi a toa: além dos live actions ele emprestou sua voz ao personagem em muitas animações –, parece até que nosso Stu Matcher de Pânico (Scream, 1996) está de volta para terminar o que começou em Woodsboro.
O filme também conta com as pequenas participações especiais de Matthew Robert Patrick e Cory DeVante Williams, também conhecidos como Mattpatt e CoryxKenshin, dois dos criadores de conteúdo do Youtube que mais contribuíram e contribuem até hoje para a comunidade de FNAF.
Na história, Mike não apenas tem que lidar com ter que cuidar de uma garotinha de 10 anos neuroatípica, ele também vive com a culpa de ter, aos 12 anos, deixado seu outro irmão ter sido sequestrado e tenta, a todo custo, se lembrar do rosto do sequestrador. E descobre que talvez seu novo emprego seja a chave para isso.
Mike é uma personagem fácil de se identificar. A história dele é muito relacionável e manter suas motivações simples contribui para que a história não se perca e se direcione para os lugares certos.
Um dos principais pontos positivos desse filme, para mim, é que ele não tenta ser mais esperto do que o espectador. Ele sabe que a gente já sabe. Os animatrônicos matam pessoas porque estão possuídos por crianças e, mesmo sem conhecer a história ou ter assistido aos trailers, depois de 5 minutos você entende tudo isso. E o filme sabe disso, não tenta te enganar nem fazer pensar outra coisa. É isso aí mesmo.
Só que não importa, já que esse filme é muito feito para os fãs. Quem estava envolvide na produção, sabe que perdeu o hype de quase 10 anos atrás, mas que ainda pode lucrar com um filme de terror legal e atrair pessoas de volta para os jogos. Mesmo que quem assista pense que é só um terror genérico, assim como o jogo, tem mais para ver se souber observar. Então, o principal foi agradar a quem se pretende agradar. Sem precisar ser muito mirabolante, só com uma história sucinta que funcione.
Na minha cabine de imprensa, o sentimento geral era de que quem não conhecia a franquia não achou nada demais, mas, quem conhecia, adorou. E esse foi o meu caso: saí muito satisfeita de uma sessão que pensei que fosse me decepcionar.
A história é inspirada, principalmente, nos dois primeiros jogos da franquia, começando a contar o enredo do mesmo modo que nela, mas juntando elementos que foram pensados depois com elementos que vieram antes, com direito a muitas referências aos outros jogos posteriores.
Também ouvi comentários depois da exibição sobre perguntas e pontas soltas que o filme deixa, ele ter barrigas e a falta de motivações para o vilão. As perguntas para mim são apenas ganchos. O filme não quer explicar todo aquele universo de uma vez só – isso só geraria confusão e deixaria tudo didático e expositivo demais, falando de personagens que nem sabemos que existem e acontecimentos que não fazemos ideia que aconteceram -, quer ir aos poucos, começando por esse pequeno núcleo que pode se expandir depois. O vilão, por exemplo, nesse filme, ser apenas um psicopata louco, é o suficiente. Mais dele, com certeza, está sendo planejado para filmes futuros. Talvez até um solo contando sua história. As barrigas, na minha percepção, foram momentos de desenvolver personagens, ter um respiro e se divertir um pouco ali.
As pontas soltas, ironicamente, são elementos que quem acompanha a franquia até já sabe o que são na verdade. O filme se basta e se contenta em contar aquela história ali. Depois, já é outro caso.
Eu reconheço que o filme tem vários tropeços: o roteiro poderia ser melhor, certas coisas realmente geram dúvida, os robôs podem te tirar do filme de vez em quando e a trilha sonora não é muito inspirada. No entanto, eu saí feliz e animada daquela sessão e acho que é isso que importa.
Esse filme vai trazer todo um novo zumbido para a comunidade de FNAF. As pessoas com certeza já estão debruçadas criando teorias e tentando descobrir o que, do filme, pode ser considerado para os jogos e vice-versa. Obviamente era esse o maior objetivo: alimentar o que essa comunidade faz de melhor.
Inclusive, fica aqui a dica para quem quiser saber mais sobre o jogo e sua história: o canal do Core no Youtube! Ele é um dos maiores nomes ligados ao jogo aqui no Brasil e produz ótimos conteúdos sobre ele.
Five Nights at Freddy’s: O Pesadelo Sem Fim pode não ser uma obra-prima revolucionária, ou o melhor filme de terror do ano, mas vai agradar aos fãs, gerar interesse na franquia novamente e é, sim, um filme bacana de se assistir com o coração aberto.
Eu não esperava dizer isso quando entrei naquela sala de cinema, mas espero mesmo que o filme faça uma bilheteria razoável para que continuações possam existir e possamos continuar a acompanhar esse universo em uma nova mídia.
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Bacharel em Cinema e Audiovisual, roteirista, escritora, animadora, otaku, potterhead e parte de muitos outros fandoms. Tem mais livros do que pode guardar e entre seus amigos é a louca das animações, da dublagem e da Turma da Mônica. Também produz conteúdo para o seu canal Milady Sara e para o Cultura da Ação TV.