O Exorcista: O Devoto – Nem a fé salva

Falar da importância de O Exorcista (The Exorcist, 1973), não somente para o cinema de terror, mas para o audiovisual como um todo é, com o perdão do clichê, chover no molhado. Passados 50 anos de sua estreia, poucos filmes tiveram um impacto e uma influência tão duradouros e poucos definiram tanto uma temática de forma que se tornasse impossível fugir de referenciar sua abordagem. Apesar disso, como tudo que é sucesso em Hollywood, tentativas de replicar o sucesso do filme vem sendo feitas desde os anos 1970, sejam em continuações do original, sejam em obras que seguem a mesma temática de possessão demoníaca e, claro, exorcismos.

Passados quase 20 anos desde a última tentativa de se capitalizar em cima da franquia, com Domínio – Prólogo de O Exorcista (Dominion, 2005) – sem mencionar em uma série de TV homônima ao filme original, que teve duas temporadas em 2016 e 2017 –, estreia O Exorcista: O Devoto (The Exorcist: Believer, 2023), anunciado como o primeiro capítulo de uma nova trilogia que pretende funcionar como sequência do filme original, ignorando assim todas as obras que vieram depois. Dessa vez, temos a história de duas amigas adolescentes, Angela (Lidya Jewett) e Katherine (Olivia O’Neill) que, após seguirem para uma floresta escondidas de seus pais, se perdem e somente são encontradas três dias depois. Após o retorno, elas passam a agir de formas estranhas e a manifestarem em seus corpos marcas e feridas inexplicáveis. A possibilidade de estarem possuídas por demônios se torna cada vez mais forte, confirmando o temor dos pais de Katherine, Tony (Nobert Leo Butz) e Miranda (Jennifer Nettles), e abalando o ceticismo do pai de Angela, Victor (Leslie Odom Jr.). Ao procurar ajuda para as garotas, Victor depara-se com o Chris MacNeil (Ellen Burstyn), protagonista do filme original que se tornou especialista em possessões demoníacas e exorcismos.

Dentre os vários problemas de O Exorcista: o Devoto o principal talvez seja a falta de autoconsciência. Desde o primeiro momento – um prólogo interessante em Porto Príncipe (Haiti), um dos poucos respiros de criatividade no filme inteiro – David Gordon Green conduz a história (na direção e no roteiro) deliberadamente ignorando décadas de narrativas centradas em possessões demoníacas que, mesmo que não tenham tirado a qualidade e a maior parte do impacto de O Exorcista original, certamente transformaram as situações mostradas no filme em clichês. Assim, o diretor age como se tivesse criando algo absolutamente original e impregna cada sequência do filme com uma gravidade e um peso que simplesmente não chega até o espectador; pelo contrário, tanta sisudez torna o filme brega, empoeirado e velho, coisa que nem o filme original é, apesar das cinco décadas de existência.

Ainda buscando uma unidade temática no seu trabalho no terror, Gordon Green retoma sua pretensa análise da natureza do mal, já vista na trilogia Halloween (2018-2022), e que aqui atinge resultados ainda mais constrangedores, com diálogos em sua maioria ridículos e cafonas que, mesmo ditos por atrizes do porte de Ellen Burstyn e Ann Dowd, causam mais vergonha que qualquer outra emoção. Todos do elenco se esforçam ao máximo com o material medíocre que tem para trabalhar, mas a maioria sofre para trazer alguma verdade às suas atuações, com as já citadas Ellen Burstyn e Ann Dowd sendo as únicas a saírem ilesas. Leslie Odom Jr., geralmente bastante competente, confunde sobriedade com apatia e passa o filme quase inteiro vagando de ponto ao outro, sorumbático, e sem força para segurar o protagonismo do filme. O restante do elenco parece estar em uma montagem escolar de Shakespeare, declamando os diálogos da forma mais desinteressante possível.

Além de tentar discutir de onde surge o mal no ser humano, o diretor ainda tenta promover um falso sincretismo religioso, apelando para a mistura das religiões cristãs com elementos de religiões de matrizes africanas de forma patética, visto que no final de tudo prevalece o cristianismo e, portanto, essa “atualização” que a história traz serve mais como uma militância vazia.

Ao final de tudo, O Exorcista: O Devoto não geraria um décimo da comoção e do interesse que está gerando se não fosse atrelado a um dos maiores filmes da história. Do jeito que está, ele não só é um filme ruim, é banal. E de banalidade, nós, o público, já estamos cheios.


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