Lobisomem na Noite – Uma verdadeira declaração de amor ao Horror

Historicamente, o primeiro filme de terror feito foi O Solar do Diabo (Le Manoir du Diable, 1896), também conhecido como The House of the Devil, dirigido por Georges Méliès, marcado pela influência da ficção gótica. Devido a relação direta de Méliès com o cinema surrealista, a estética foi levada para as primeiras obras conhecidas do gênero horror, marcadas pela presença de certos elementos, como imagens de fantasmas, demônios e castelos assombrados. 

Carregando totalmente a referência nos primeiros filmes de terror, o filme Lobisomem na Noite (Werewolf by Night, 2022) conta a história que segue o falecimento do patriarca da família Bloodstone, Ulysses Bloodstone, última liderança no ramo de caçada de monstros. Com sua morte cinco caçadores foram chamados para disputar pela poderosa Pedra de Sangue (Bloodstone, nome menos criativo impossível). A estética do especial é o que mais o distancia de outras obras da Marvel, não apenas pelo uso do preto e branco, mas pela presença do terror surrealista nos personagens, diálogos, espaço e nas maquiagens. 

Como protagonista temos a filha rebelde e desertora de Ulysses, Elsa Bloodstone (Laura Donnelly), uma das convidadas para a disputa de líder da caçada aos monstros e pela Pedra de Sangue. O trajeto da personagem é uma das coisas mais interessantes na obra no quesito narrativo, pois mesmo não tendo sido treinada como seu pai desejava, Elsa ainda se tornou uma forte caçadora de monstros. As interações da personagem com sua madrasta, Verussa (Harriet Sansom Harris) mostram as nuances da relação quebrada da família. Nada inovador em relações complexas de filhas com seus pais ou madrastas, mas usar o desejo de Elsa se mostrar merecedora para conduzir sua narrativa a priore funciona bem. 

Existem muitos elementos extremamente rasos no especial, mas é bastante benéfico para uma obra tão fora da linha quando se trata do Universo Marvel. Não são elementos que deixam o desejo de mergulhar naquele universo, são elementos rasos que mostram como aquela obra é aquela obra, uma experiência bem fechada naquele tempo de tela sem promessas ou sensação de três pontos a serem preenchidos. Os personagens são claras referências – tanto estéticas, quanto a suas trajetórias narrativas – a filmes antigos de terror, e não é à toa que o diretor Michael Giacchino considera a obra uma carta de amor aos filmes de horror e terror das décadas de 30 e 40.

Isso se diferencia muito do que foi feito nas produções recentes do MCU: Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (Doctor Strange in the Multiverse of Madness, 2022), enquanto elementos de terror, foram meramente apresentados como se houvesse um medo de os utilizar de verdade, Lobisomem na Noite, por sua vez, não tem medo de sangue e de violência. Claro que o preto e branco facilitou fazer com que a faixa etária não subisse tanto, apesar das cenas mais brutais. O diretor faz honra ao cinema de horror e não a si mesmo, diferente do que fez Sam Raimi em Multiverso da Loucura, isso traz uma personalidade maior ao especial em meio a tantas falhas realizadas pela Marvel em sua fase mais recente. A obra sabe seu lugar, sabe exatamente o que arrancar de quem está assistindo e entrega muito nestes quesitos. 

É interessante que em meio a um ano repleto de ótimos filmes de terror, como Não! Não Olhe! (Nope, 2022), de Jordan Peele, Sorria (Smile, 2022), de Parken Finn, e até a trilogia de Pearl, de Ti West, possamos ter algo fazendo homenagem a um lado do terror não muito explorado na atualidade. Existem interessantes avanços narrativos e na forma de se contar histórias aterrorizantes, mas o gótico e o fantástico não são mais tão explorados por grandes obras como um dia já foram. Fazer este especial de Dia das Bruxas realmente serve como uma bela homenagem aos precursores deste gênero. Além de tudo, filmes de quadrinhos e filmes de terror têm garantido o maior número de lançamentos e aclamação – ao menos do público – nos últimos anos e é uma bela forma de misturar os dois sem perder suas essências. 

Michael Giacchino é um nome frequentemente associado à trilhas sonoras de obras como Star Wars, Star Trek, Lost (2004 – 2010) e até mesmo do Universo Marvel, mas o compositor teve sua terceira experiência na direção de uma obra audiovisual para a televisão com o especial Lobisomem da Noite. Após anos trabalhando em trilhas sonoras, é de surpreender o tamanho talento do compositor para a direção de um especial com um enredo tão específico. Ao mesmo tempo, o filme é capaz de fazer o espectador sentir-se vendo um filme antigo, trazendo um senso de macabro, de horror há muito tempo não explorado em obras blockbusters.

Uma das promessas do especial era seu compromisso de se equiparar a uma obra antiga, não apenas pelos fatos aqui descritos mas o uso de efeitos práticos. Enquanto carrega sim uma quantidade enorme de efeitos práticos, levando em consideração o fato de obras da Marvel nem sequer terem locações reais a essa altura, ainda assim o uso de efeitos realizados por computação é um ponto negativo. Não se trata de ficarem feios ou ruins em tela, só parecem não ornar tanto com a proposta da obra. O mesmo vale para quando a cor é inserida no filme, num golpe extremamente semelhante ao final do segundo episódio de WandaVision (2021). São coisas que apenas não funcionam do ponto de vista estético proposto pela obra em si, carregando muito mais um “selo MARVEL” do que um compromisso com aquilo sendo contado. 

Gael Garcia Bernal é o ator que dá vida ao personagem titular do especial, Jack Russel, o Lobisomem da Noite. Enquanto essa revelação seja parcialmente um spoiler sim da obra, seu personagem não chega a ser um protagonista e se isso não foi intencional se deve a como ele mesmo não parece pertencer a obra. Sua personalidade e atuação não condizem com o tom do que o cerca, ele poderia ter saído diretamente de qualquer obra da Marvel. O mesmo tem uma missão envolvendo um importante personagem da Marvel, mas fora isso saímos do especial sem saber muito sobre ele para além do que está neste mesmo parágrafo. As interações dele com a personagem de Laura Donnelly são de fato interessantes, mas passam muito a energia de um personagem de apoio interagindo com a protagonista. 

Lobisomem na Noite foi o primeiro especial da Marvel, marcando a estreia dos monstros e do sobrenatural dentro do universo iniciado em 2008. Embora não esteja claro para onde seguiremos com estes personagens, é de se esperar mais histórias para aprofundar o lado mais gótico e monstruoso deste universo. Está disponível no Disney+ desde 5 de Outubro deste ano. 


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