Andor – Star Wars para adultos é visceral

Uau! Não costumo começar críticas dessa forma, mas não há como negar que fomos finalmente agraciados com uma série que finalmente traz uma pegada diferente para um dos universos mais populares do planeta. Depois da decepção que foi O Livro de Boba Fett (The Book of Boba Fett, 2021 -) e o engodo narrativo que foi Obi-Wan Kenobi (2022), finalmente temos algo a celebrar com a série mais inesperada e menos famosa de todas da Saga Star Wars.

Quando Rogue One: Uma História Star Wars (Rogue One, 2016) estreou, muito se especulou sobre a obra devido ao tom mais sombrio e sóbrio que seria empregado em Star Wars que os trailers prometiam. A desconfiança pairava no ar devido aos rumores de bastidores caóticos, refilmagens para acertar o tom e a falta de controle do diretor Gareth Edward sobre o blockbuster estrelado por Felicity Jones, que ainda teve o diretor Tony Gilroy assumindo o barco para corrigir falhas, editar o longa, reescrever cenas e entregar algo sólido para o estúdio.

O resultado foi um dos longas mais lucrativos da história do universo Star Wars, o surgimento de vários personagens memoráveis e a certeza de que a saga poderia sobreviver sem a presença de um Skywalker ou jedis numa narrativa que surgiu na sinopse de Uma Nova Esperança (Star Wars, 1977) e que conseguiu capturar a essência da história criada por George Lucas de uma forma mais ameaçadora, implacável e com ecos de thriller de guerra.

Anos depois do sucesso do prequel e o surgimento de The Mandalorian (2019 -), abriu-se então a possibilidade de expandir ainda mais a narrativa de Rogue One explorando o surgimento da rebelião na luta contra o Império. O seriado Andor (2022 -) foi anunciado no meio de inúmeras outras séries derivadas de Star Wars, sem muito alarde, gerando desconfiança e focando no rebelde Cassian Andor (Diego Luna), talvez um dos personagens menos populares do prequel de Star Wars.

O seriado criado por Tony Gilroy, co-roteirista de Rogue One, agora finalmente dono do espetáculo, consegue nos seus três primeiros episódios, dizer a que veio estabelecendo uma atmosfera cinza, sombria e que traz um “Star Wars” diferente, bebendo da fonte do seu material base, mas totalmente voltado a abraçar o lado mais adulto deste universo que sempre esteve ali, mas nunca explorado a fundo e da forma correta.

E Andor vai além, em Kassa (1×01), That Would Be Me (1×02) e Reckoning (1×03), temos a reintrodução de Cassian, vivendo no submundo, numa busca incessante pela irmã, enquanto esbarra em problemas, quando assassina um membro do grupo de repressão do império, virando um procurado e se tornando um estopim para o personagem que ainda está sem propósito e longe de ser uma das peças chaves da rebelião que vimos em Rogue One.

Aqui temos Diego Luna brilhando ao mesmo tempo que Gilroy tece suas origens através de flashbacks num planeta desconhecido, enquanto no presente começa a mostrar as sementes da rebelião nascendo no planeta Ferrix e também em Coruscant (bem vindo de volta planeta República), onde inclusive temos um dos arcos mais intrigantes com foco em dois interessantes personagens, o colecionador Luthen Rael (Stellan Skarsgard) e a conhecida Mon Mothma (Genevieve O’Reilly), aqui senadora e logo mais futura líder da rebelião.

É com esses personagens que Andor se mostra como uma série com nível de tensão altíssimo, inserindo o Império como uma força fascista perigosa e opressora, além de trazer o lado político deste universo numa trama que deixa os bichinhos fofinhos de lado e traz monstros que controlam e sufocam a liberdade de planetas e galáxias inteiras numa estrutura organizada que tenta manter a normalidade enquanto mata e pune quem se opõe ao regime.

Sim, a estranheza de ver uma série com esse nível de crueza assusta até mesmo o fã mais hardcore de Star Wars, mas fica claro à medida que assistimos e adentramos a narrativa, que estávamos mais que preparados para uma trama instigante que atiça nossa inteligência e entrega mais do que se espera, cheia de riscos e consequências, sem medo de mostrar o lado mais sujo desta mitologia, como fica claro no excelente episódio três que finaliza o arco inicial.

Talvez o maior trunfo do seriado seja construir uma narrativa com ritmo mais lento, sem pressa, com peças se movimentando aos poucos e sendo dividido espertamente em bloco de episódios de três em três separado por arcos, enquanto constrói um cerne principal que liga o todo. Tony Gilroy e seus roteiristas parecem entender e controlar cada novo passo da série sem perder o fator surpresa e sempre trazendo a sensação que a trama avança e que os perigos aumentam enquanto acompanhamos a jornada de Cassian.

Quando chegamos no segundo arco que engloba Aldhani (1×04), The Axe Forgets (1×05) e o brilhante The Eye” (1×06), a série ganha em maturidade e nos mostra como as células rebeldes funcionam na prática, enquanto isto as subtramas começam a se desenvolver melhor e as ligações começam a ficar mais claras chegando ao seu ápice e entregando um espetáculo cheio de ação, perdas e a vontade de deixar sua marca no universo Star Wars.

A série em termos técnicos não merece mais do que elogios ao apresentar uma fotografia incrível, uma trilha sonora pulsante (sério, Nicholas Britell é simplesmente um mestre em criar momentos de puro suspense e emoção), uma sonoplastia sombria (você nunca ouvirá tie Fighters de uma forma tão aterrorizante como aqui) amplificada por uma estupenda edição de som em uma produção que parece menor, mas possui um escopo ambicioso com designs de produção complexos e elegantes trazendo contraste entre sociedades mais ricas e outras mais pobres e como as forças do Império prendem todas numa mesma teia. Os efeitos visuais são padrão blockbuster, aqui usados nos momentos certos valendo cada centavo gasto numa produção que não é só bem cuidada, mas sabe utilizar seu orçamento de uma forma inteligente.

E “Andor” não para por ai, a medida que seu tom vai se modificando e trazendo novas ameaças e reviravoltas, o roteiro começa a entregar diálogos memoráveis e paralelos bastante atuais que mostram que a série sabe exatamente a mensagem que quer entregar, como no episódio Announcement (1×07), que é estopim de um novo arco, mas que também revela como o regime fascista do império funciona por dentro e como combate forças antagonistas revelando que personagens humanos podem ser tão obsessivos, doentios e perigosos na figura dos instáveis Dedra Meero (Denise Gough) e Syril Karn (Kyle Soller), quanto ícones como Darth Vader e o Imperador Palpatine, aqui apenas mencionados, mas nunca vistos.

Desta forma, enquanto a primeira parte do seriado lida com as forças rebeldes tentando se organizar, a segunda metade lida com a crueldade do Império como regime, revelando chocantes “campos de concentração” utilizados para controlar e obrigar milhares de pessoas a trabalharem em fábricas em prol de um projeto, como fica claro nos episódios Narkina 5 (1×08) e Nobody’s Listening (1×09) onde a série se excede no brilhantismo, ao mesmo tempo que crítica ideias ditatoriais e revela a aura mais podre da índole humana.

De uma forma geral, Andor é o melhor produto da saga Star Wars desde a estreia de The Mandalorian, talvez não agrade quem não está acostumado com um ritmo mais lento, pouca ação e um tom mais sério, mas com certeza deve surpreender aqueles que se deixarem envolver por uma trama que se destaca pela direção impecável de Toby Haynes, Benjamin Caron e Susanna White, que não só elevam o brilhante roteiro de Tony Gilroy, como entregam obras primas em formato de episódios como No Way Out (1×10), que traz uma atuação memorável de Andy Serkis retornando a este universo com personagem Kino Loy e o final de temporada Rix Road (1×12), mostrando que é possível criar algo que se não é inteiramente novo, ao menos é bem acabado, instigante, crítico e que segue uma linha crescente e satisfatório no começo ao fim. 

Se Rogue One era a rebelião nascendo na esperança, “Andor” é a fagulha que começou tudo, a base que foi tecida aqui numa jornada de 24 episódios (a série já tinha sido renovada para segunda temporada que está sendo filmada enquanto escrevo este texto), que termina seu primeiro ato de forma monumental, não só se firmando como um dos marcantes capítulos da saga Star Wars, como também um dos melhores seriados de drama do ano, deixando um gostinho de quero mais com um texto visceral que abre uma página promissora para um lore que necessitava de um toque de amadurecimento para atingir a excelência.


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