Pequenos Guerreiros – A grandeza vem dos pequenos

É intrigante que o sinônimo de satisfação pelo êxito na vida seja residir numa alta torre de frente para o mar. Gigantes que se erguem no litoral, tomando toda a orla antes estacionadas pelas jangadas. Não sei qual o fascínio que existe naquela linha do horizonte onde reside visualmente o nada tão cobiçado pelos donos dos contratos e tão temido – mas necessário – para os pescadores.

Se tais gigantes voltam seus olhos para o mar, dão as costas não só para os expulsados: dão as costas para onde Bárbara Cariry quer apontar em seu primeiro longa, Pequenos Guerreiros (2021), exibido no 13th Milwaukee Film Festival, em Wisconsin, 40th Minneapolis St. Paul International Film Festival, em Minesota. E agora chega a vez dos cinemas brasileiros a partir do dia 1º de dezembro.

Cosme (Bruno Goya) e Maria(Georgina Castro)  acordam com o mesmo sonho, onde decifram como necessário pagar uma promessa de irem até Barbalha, na festa do Pau da Bandeira, e juntar-se ao reisado do Mestre Aldenir. A família de pescadores deixa o litoral e junto com dois amiguinhos do filho Benedito (Juan Calado), pegam a estrada no velho jipe que balança o estandarte de Santo Antônio para cumprir a demanda.

É aqui que a pequena criança viajante Bárbara Cariry se encontra com a experiente cineasta Bárbara Cariry. 

Quebrando os estereótipos de um Ceará seco e sem vida, a estrada percorre o verde. Acompanhamos as crianças presenciarem a fantasia que está tão presente nas nossas raízes: os enormes monólitos quixadaenses, fonte de várias histórias envolvendo extraterrestres; o fascínio de olhar para o alto, longo e grandioso céu em busca de luzes; os colossais dinossauros representados pela paleontologia santanense-do-cariri; a amplitude de antigas salas de cinema no interior do estado; o comprido Pau da Bandeira carregado por uma multidão para alçar a bandeira do padroeiro como um dedo que tenta encostar nos céus, levando os pedidos dos que estão abaixo. 

Ariano Suassuna dizia que as pessoas que acham o sertão feio normalmente são da Zona da Mata ou são da cidade grande. E sem desmerecer a beleza que a Zona da Mata têm – que é ligada ao Gracioso – a beleza do sertão é ligada ao Grandioso. Esse Grandioso é terrível em alguns momentos, pois tem uma conotação diferente, estranha e forte.

A escolha de Bárbara em fazer um filme para crianças é a segurança dele ser feito para todas as idades, num equilíbrio entre um didatismo para os menores e a contemplação do signo para os maiores. Esse equilíbrio também repousa justamente na característica do Grandioso e as nuances naturais.

Chamo de nuances naturais algo similar ao que Câmara Cascudo falava em seu livro “Viajando o Sertão” onde:

“Como todos os primitivos, o sertanejo não tem o senso decorativo nem ama sensorialmente a natureza. Seu encanto é pelo trabalho realizado por suas mãos. Nisso reside seu mando orgulho de vencedor da terra. Só deparamos o sertanejo extasiado ante a natureza quando esta significa para ele a roçaria virente, a vazante florida, o milharal pendoante, o algodoal cheio de capulhos.”

Breve, Cascudo diz que o amor do sertanejo por conta do contato permanente é por sua interação com o sertão. Pelo trabalho exercido nele/com ele. E isso leva a uma reflexão ao sair da sessão: nós, adultos (a quem esse texto é oferecido) contemplamos a jornada de Pequenos Guerreiros porque tomamos emprestado a ótica pura e neófita das crianças ou porque o sertão nos continua alheio?

Independente da sua reflexão, uma coisa é certa: o filme tem a nitidez de uma diretora que resgata sua criança de antes e que hoje adulta nunca perdeu ou tornou-se alheia às suas raízes. O respeito com o trabalho sertanejo robusto e esbelto com a preocupação armorial de cruzar Canindés, Omulus e Cíceros, fontes da identidade brasileira, no percurso da família que troca o sururu pela experiência dos ciclos da cana e do gado.

Salientar que o filme é folclórico não só pela busca de promessas em festivos ou ritos e lendas. Tal qual todos nós que somos seres folclóricos por replicar gestos, preparos, falas, tudo está lá porque… naturalmente está. O filme “É”. O nosso não plural, a bolacha molhada no café, a maneira da nossa recepção.

Num mundo invadido por espaçonaves “spilbergianas”, Jurassic Parks e Príncipes e Princesas da Disney, os Pequenos Guerreiros nos apontam para o nosso Grandioso: Nossas naves, nossos sauros, nossos reisados, nossa gente, nossa história. Se aqui fincaram uma bandeira ao alto, aqui temos nosso valoroso reinado.

Quando nós adultos chegamos a falhar, a fé se aproxima pelos pequenos. E de pequeno somente a idade dos personagens. No mais, todo o filme é tal qual o sertão.

Grandioso.


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