Noites Brutais – Entre o moderno e o clichê

Em um ano com ótima leva de filmes dos gêneros terror e horror, um dos mais comentados deste final de 2022 foi o longa Noites Brutais (Barbarians, 2022), dirigido e escrito por Zach Cregger. O filme, que estreou diretamente na plataforma de streaming Star+, inicia de uma forma bem tradicional com a jovem Tess (Georgina Campbell) chegando à noite de carro em um decadente bairro da periferia de Detroit, cidade onde terá uma entrevista de emprego, e ao chegar na casa que havia reservado no airbnb (serviço onde pessoas disponibilizam residências para que outras possam alugar por um certo período) descobre que já há outra pessoa hospedada naquele local. Apenas essa premissa já me ganhou pela possibilidade de o filme trabalhar um medo real que todos nós temos, o medo de pessoas desconhecidas. Especialmente quando estamos falando de uma mulher e quando o desconhecido em questão é um homem – e neste caso, para mim, quando estamos falando de um ator imediatamente associado a alguém potencialmente ameaçador.

Keith (Bill Skarsgård) recebe Tess com aparentemente tanto estranhamento acerca da confusão quanto a jovem, que por sua vez, apesar da natural desconfiança, acaba cedendo e entrando na casa para tentar resolver seu problema ao se ver sem outra alternativa. E aqui o filme começa a me causar sinais de irritação, já que encontrei muita dificuldade de aceitar que a moça não poderia voltar a seu carro e procurar outro lugar pra ficar ou mesmo para simplesmente se afastar do desconhecido. E mesmo que não seja do meu feitio contestar certas escolhas de roteiro antes de ver sua finalidade, confesso que me decepcionei por estar vendo provavelmente mais uma protagonista de filme de terror por quem não consigo sentir empatia meramente pelo fato de ela ser – por falta de uma palavra melhor – estúpida.

Mas felizmente, passada essa primeira irritação, sou surpreendido com ótimas sequências de tensão, amparadas na clássica estratégia de fazer-nos aguardar “o que vem a seguir”, já que temos de antemão a informação de que se trata de um filme de terror, algo que outros como os excelentes Nós (Us, 2019) e Os Estranhos (The Strangers, 2008), por exemplo, fizeram tão bem. Com uma direção calma e uma edição sem pressa, além de boas atuações da dupla, o filme encerra seu primeiro ato de forma bastante interessante. E a partir do próximo parágrafo teremos spoilers que podem atrapalhar a experiência de quem ainda não viu o filme.

Ao terminar a primeira parte com uma surpreendente quebra de expectativa para quem tinha certeza que Keith seria o vilão do filme ou ao menos teria alguma relação com o estranho quarto escondido com uma câmera ou com os ainda mais estranhos túneis subterrâneos sob a casa, o filme me faz ajustar minha postura no assento e esperar o que vem pela frente, ainda mais com o brusco corte para um novo personagem em um ambiente completamente diferente.  Dessa vez somos apresentados a AJ (Justin Long), um profissional da indústria do audiovisual (não entendi bem se um diretor de séries ou produtor ou algo assim) que se vê em meio a acusações de abuso sexual por uma atriz com quem trabalhou recentemente.

De início, a trama de AJ tentando se livrar das acusações e se planejando em como irá arcar com as despesas no processo até parece interessante, mas como após a primeira parte já nos preparamos para uma segunda quebra de expectativa (ou o que Hitchcock talvez chamasse de um MacGuffin), toda essa história acaba se tornando cansativa e longa demais, já que o que mais queremos mesmo é saber como AJ irá se encontrar com o que vimos acontecendo no primeiro terço do filme. Ainda mais quando o personagem de Long é um absoluto canalha cuja saúde, física ou mental, não nos preocupamos minimamente. E quando o encontro finalmente acontece, sucedido por um outro corte brusco para um flashback explicativo sobre a ameaça sob a casa e que em minha opinião mais atrapalha do que ajuda, o que acontece é algo inesperado: Uma quebra de expectativa para quem estava esperando mais uma quebra de expectativa. Vou tentar explicar. Ao nos deixar esperando algo realmente impactante após um ótimo salto da primeira para a segunda parte do filme, o diretor nos entrega revelações que não passam de vários e vários clichês do gênero, tanto na forma de roteiro como na forma de filmá-lo. Nada mais é inesperado, nada mais surpreende, é como quando assisti Um Drink no Inferno (From Dusk Till Dawn, 1996) pela primeira vez e claramente duas pessoas foram responsáveis pelo filme, uma pela primeira metade e outra pela segunda, a segunda parte diverte, mas nem de longe é tão interessante e empolgante quanto a primeira.

O que me parece é que propositalmente Zach Cregger tentou fazer uma espécie de fusão entre a forma contemporânea de fazer terror – algo de moderno na criação de uma tensão e uma ambientação misteriosa acompanhada de uma certa crítica social – e o terror clássico – com clichês de criaturas disformes e motivações absurdas e grotescas, além de uma violência por vezes brutal com clara intenção de chocar. Mesmo que com uma intencionalidade interessante, não creio que tenha funcionado neste caso e talvez uma potencial boa ideia tenha ido por água abaixo. O filme se encerra de maneira simples e sem surpresas, nos fazendo pensar em como poderia ter sido se não tivesse tomado certos caminhos.

PS: Que ódio dos policiais que simplesmente se negam a ajudar uma pessoa que diz ter sido sequestrada, mantida em cativeiro e que alega ter outra pessoa em perigo naquele exato momento. Talvez tenha sido a coisa mais real do filme, porém.


VEJA TABÉM

Antiviral – Até onde pode ir a idolatria?

Morte Morte Morte – Uma caricatura divertida e ácida da Geração Z