Pequenos Guerreiros – Dá até saudade de ser criança

Em seu primeiro longa-metragem, a cineasta Bárbara Cariry aposta em uma viagem pelo fantástico cotidiano do Ceará. Em seus pouco mais de 70 minutos, Pequenos Guerreiros (2021) joga um olhar cheio de afeto e, porque não dizer, nostalgia, pelas cidades e costumes por onde passa. O filme, que foi produzido no ano passado, já foi exibido em festivais internacionais e para uma plateia de 200 crianças na Mostra O Primeiro Filme A Gente Nunca Esquece do 31º Cine Ceará , chega finalmente aos cinemas brasileiros a partir do dia 1° de dezembro.

Na trama, Cosme (Bruno Goya), Maria (Georgina Castro) e seu filho Benedito (Juan Calado) são uma família de pescadores que, após sonharem com o mesmo evento, decidem fazer uma viagem do litoral até Barbalha, a tempo da festa do Pau da Bandeira e do reisado de Mestre Aldenir. No velho jipe do finado pai de Cosme vão também dois amiguinhos inseparáveis do menino Benedito, Bruna (Lara Ferreira) e Matheuzinho (Daniel Almeida). Abençoados por Santo Antônio, os cinco pegam a estrada Ceará adentro, descobrindo e revisitando sua cultura e seus encantos.

Com direito a alienígenas e dinossauros, Bárbara passeia por um Estado muito vivo em paisagens e rico em cultura popular, bastante diferente do que geralmente é retratado e do que vem à cabeça das pessoas do resto do país, embora não tão somente, quando pensam no interior do Ceará e do Nordeste de um modo geral. Portanto, é muito bonito e, pode-se dizer também, reconfortante, ver esses espaços e esses símbolos sendo colocados num lugar de encantamento e de deslumbre. 

Dentro do audiovisual, é sempre muito bem-vindo esse movimento de enaltecer o que é nosso, de se romantizar ao mesmo tempo que se toma posse das nossas raízes. Dessa forma, pouco a pouco, expressões populares como “parece coisa de filme, da televisão” se tornam cada vez mais próximas e familiares. É algo que pode ser construído coletivamente no imaginário popular e Pequenos Guerreiros exerce bem seu papel nesse legado a longo prazo, fazendo com que histórias que nasçam e se passem aqui exerçam o mesmo fascínio do que as que vêm de fora, e, aliás, isso não significa necessariamente negar essas histórias de fora totalmente, muito pelo contrário, pode-se aproveitar delas para criar algo novo, como na belíssima homenagem de Bárbara à uma das sequências mais icônicas de Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller’s Day Off, 1986), um clássico dos anos 80 e um dos maiores sucessos da carreira de John Hughes, e no aceno musical que muito se assemelha ao tema principal de Meu Primeiro Amor (My Girl, 1991). Inclusive, esses dois momentos do longa, em que ele assume um tom mais puxado para o coming-of-age, de amadurecimento, são os pontos em que ele mais se encontra.

Pois, apesar de ser sim um filme de linguagem didática e simplificada para acolher toda a família, em especial o público mais jovem, sinto que faltou ainda um pouco mais de ingenuidade, que a narrativa não deixa de ter, é verdade, principalmente pelas peripécias de Matheuzinho, mas a impressão que se tem é que, se a ótica de Benedito e seus amigos conduzissem mais a história, seria mais fácil compartilhar desse olhar sonhador que só as crianças são capazes de ter quando estão sendo apresentadas a algo.

De certo modo, ao final da nossa viagem, depois de termos visitado os museus, brincado o reisado e erguido o Pau da Bandeira em direção ao céu, enquanto observamos o velho jipe do finado Bastião cortando o horizonte da estrada em direção ao litoral, saímos de Pequenos Guerreiros com a mesma sensação do patriarca Cosme que, ao observar o imaginativo Matheuzinho na mesa de jantar, suspira um “…dá até saudade de ser criança”, esse desejo meio que misturado com um lamento nunca se cumpre completamente dentro do tempo do filme, mas passa muito perto disso e mesmo que a vida passe rápido demais, ainda é possível sorrir por um momento junto com nossos companheiros de viagem e dizer “aqui é lindo” quando paramos um pouco pra curtir a vista.


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