Luca – Há beleza na simplicidade

Após 26 anos e 23 longas-metragens a fórmula criada e desenvolvida pela Pixar veio funcionando e nos fazendo emocionar com brinquedos, monstros, insetos, ratos, carros, etc. Mas, até que ponto? É, inclusive, discutível até onde existe realmente uma fórmula, ou o quanto a criatividade das histórias contadas pelos filmes do estúdio segue um padrão. Mas é fato que, ainda que seja uma das empresas de animação mais proeminentes da atualidade, a Pixar tem deixado escapar um pouco daquele brilho… ou talvez sejamos nós que estejamos ficando cansados deste mesmo brilho há tanto tempo.

Quando o aguardado Soul (2020) estreou, apesar de ter gostado bastante do filme após vê-lo, fiquei reflexivo sobre o quanto o estúdio estava mirando demais num público adulto e deixando a inocência da infância um pouco de lado. Não que eu não goste dos filmes mais adultos da Pixar como Soul, Divertida Mente (Inside Out, 2015) ou Wall-E (2008) (que, inclusive, talvez seja meu filme preferido do estúdio), mas gosto quando me coloco no lugar de uma criança assistindo a um filme, quando me vejo criança ao assistir a um filme, e fazia tempo que não tinha esse sentimento com as animações da Pixar. Até ontem.

Luca (2021) foi anunciado sem muito alarde como o 24º longa do estúdio. Sem grandes promessas, sem grandes pretensões, apenas como uma história de amizade ambientada na Riviera Italiana. Dirigido por Enrico Casarosa, o filme fala sobre Luca, um menino que vive sua vida tranquila no fundo do mar, pastoreando peixes em sua vila de criaturas marinhas próximo ao litoral. A curiosidade leva Luca a ultrapassar o limite da superfície e, acompanhado de seu novo e intrépido amigo, Alberto, explora o novo mundo habitado por humanos, já que quando não está em contato com a água, sua forma de criatura marinha dá lugar a uma aparência de uma criança terrestre comum, permitindo-o passar despercebido entre os moradores da pequena vila de pescadores no litoral. O plot é, sim, extremamente simples, e temos a impressão de que já o vimos outras vezes. Histórias de autodescoberta, aceitação, amizade e acolhimento são muito comuns, especialmente em animações, e até já tivemos algo parecido entre a filmografia do próprio estúdio. Então, o que Luca poderia trazer de novo?

Primeiro, o fato de o diretor ser alguém novo. Não apenas jovem de idade, mas Enrico Casarosa estreia aqui como diretor e roteirista de um longa, tendo experiência apenas com o curta La Luna (2011), exibido antes das sessões de Valente (Brave, 2012), e na assistência ou equipe de arte de outros longas animados. Dar oportunidade a um animador com pouca experiência e com uma ideia bastante pessoal ao invés de tiros certeiros com nomes como Pete Docter, Brad Bird ou John Lesseter, era uma aposta que a Pixar estava precisando fazer. Casarosa, então, teve a rara liberdade de dirigir um filme com toda cara de independente, mas com o aparato de uma grande e bilionária empresa.

O segundo fator fundamental, foi exatamente o retorno àquela inocência infantil que havia mencionado anteriormente. Luca consegue abordar todas aquelas temáticas – e mais algumas -, de uma forma leve e simples. Não é um filme com uma grandiosa aventura, batalhas entre inimigos milenares ou viagens a dimensões desconhecidas, mas apenas as descobertas de uma criança. E não só a descoberta de um mundo até então para ele desconhecido, mas também a descoberta dos sentimentos, dos desejos, das possibilidades futuras. E criar essa história pelo olhar inocente de uma criança é algo extremamente difícil e que Luca consegue ao apostar na velha máxima “menos é mais”. Isto aliado aos tons de cores leves do azul do céu, o verde do mar e o amarelado da Riviera Italiana, aos sons dos pássaros e das melodias bucólicas, além da importância de um olhar curioso aos detalhes corriqueiros em cada canto dos cenários, faz de Luca uma das animações mais gostosas de assistir que eu experimentei nos últimos anos.

O laço criado entre aqueles três amigos passa a ser também o nó que une vários subtextos interessantíssimos que se apresentam abaixo desta superfície calma e clara, basta vermos com o olhar curioso de uma criança, que observa o mar cristalino e consegue notar a beleza nas coisas miúdas lá no fundo, nos presentes que a vida nos oferece.


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