O Tigre Branco (The White Tiger, 2021) é uma produção indiana que vem recebendo muitos elogios da crítica especializada desde sua estreia em de janeiro (22) na Netflix. O filme indiano falado em inglês foi realizado por Ramin Bahrani, cineasta que já fez alguns filmes nos EUA como: A Qualquer Preço (At Any Price, 2012), 99 Casas (99 Homes, 2014) e Fahrenheit 451 (2018), e trata-se de uma adaptação do best seller com o mesmo título, de Aravind Adiga, editado em 2008.
Há quem queira buscar semelhanças em Quem Quer Ser Milionário? (Slumdog Millionaire, 2008), o famoso filme de Danny Boyle que também retrata a ascensão na vida — e na sociedade indiana — de um pobre rapaz, entretanto, O Tigre Branco oferece uma perspectiva bastante mais realista e complexa, distanciando-se de um lado fantasioso do filme que lançou a carreira de Dev Patel.
O grande protagonista é Balram Halwai (Adarsh Gourav), e é a sua vida que acompanhamos ao longo de pouco mais de duas horas de filme. Vemos então uma dura trajetória de possibilidades que não se concretizaram em sua vida. Apesar de ter um forte potencial como estudante, as condições de extorsão e necessidade o afastam de uma ascensão através dos estudos. Então, nasce, nesse momento, um personagem que cria sua própria rota rumo a um objetivo, que é melhorar sua condição de vida.
Posições sociais, castas, violência e duvidas éticas são descascadas diante de nossos olhos durante o decorrer do filme. E o que vemos nos revela uma luta passiva-agressiva pela sobrevivência. Uma relação de servidão forçada, culturalmente inserida pela brutal diferença social, que, citando uma das falas do protagonista, “divide a Índia em duas: uma que fica do lado iluminado e uma que vive na escuridão”. Todavia, vemos no filme a narrativa de um raro “Tigre Branco”, um tipo de criatura que só aparece uma vez a cada geração, da enorme classe baixa da Índia.
Uma curiosidade interessante sobre esse animal: ele surge de um fenómeno genético que resulta da expressão de genes recessivos dos progenitores. Por isso, um em cada geração é encontrado. Se desejarmos fazer uma analogia mais subjetiva acerca do título, seria esse gene recessivo a “liberdade” em contraponto à “servidão”, comportamento visivelmente notado nas castas mais humildes da sociedade indiana.
Especulações a parte, o decorrer da trama é envolvente e instigante, seguimos em uma gangorra de sentimentos que, hora cambiam entre a empatia e a raiva, a torcida e a revolta, por todos os personagens mais próximos a Balram. Aqui me refiro ao casal moderno de indianos ricos que chegaram recentemente da América, Ashok (Rajkummar Rao) and Pinky (Priyanka Chopra).
Mais que apenas uma luta externa de crescimento, acompanhamos uma batalha interior sobre a mentalidade dos indianos de classe baixa que pensam e são coagidos constantemente para seguirem por uma caminho de servidão. A quebra dessa relação de subserviência psicológica é tão bem interpretada que podemos ver entre um sorriso ou uma fala de subserviência do protagonista, um olhar de frustração, de grito de socorro e fúria internalizada.
E O Tigre Branco exibe esse fenômeno social de uma Índia contemporânea, no pós-crise econômica de 2008, e quando também parece haver esse tipo de relação entre o próprio país e outros, como China, Reino Unido ou EUA, que usam os seus trabalhadores de salários baixos para alimentarem as grandes corporações milionárias.
Aos poucos, o espectador, através da narração do personagem principal, acompanha uma desconstrução interna e externa do próprio. E isso significa vê-lo transitar por uma linha tênue entre compaixão e calculismo.
O filme também explora a corrupção — em vários níveis — na sociedade indiana, e como, apesar de já não existirem castas institucionalizadas, há um enorme fosso entre ricos e pobres que mantém os maiores problemas daquele país. A crítica especializada ocidental tem elogiado bastante o filme por todos os temas abordados e pela força na atuação do estreante Adarsh Gourav. Sua identificação, segundo os críticos, é de que a obra é sobretudo um misto de comedia ácida e satírica, com um forte teor de melodrama psicológico.
Seja qual for a denominação escolhida pelos críticos, indico fortemente aos espectadores que adentrem esse universo e se deixem absorver pela ótica da Balram e seus desafios em romper-se da escuridão de uma vida miserável e servil, para firmar-se como um imponente e livre Tigre Branco na dita, maior democracia do mundo.
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Pisciana, web-jornalista, filósofa, social media, editora, aspirante à mochileira, dramaturga, maquiadora de efeitos especiais e viciada em fazer monografias. Sabe fazer malabares com objetos, mas joga bem melhor com as palavras. Detesta vestir roupa, filmes redublados e não pode comer abacaxi, mas adoraria.