Canto dos Ossos – Muito além do vampírico

O brasileiro ama o gênero horror, terror e suas variantes nas diversas mídias. O sombrio, o misterioso, o estranho, se juntam com as mirabilias e fantasias humanas para despertar medos e aflições através de ricas expectativas. Essa é uma das facetas de Canto dos Ossos (2020), longa cearense premiado na Mostra de Cinema Tiradentes em Janeiro desse ano e abriu a Mostra Online de Cinema Tiradentes, que vai de 1-7 de outubro.

A história permeia sobre a separação de duas amigas misteriosas (pra não dizer vampíricas, por motivo especial). Décadas depois, uma delas continua em sua cidade e a outra é professora do Ensino Médio de uma pequena cidade litorânea. É quando as conexões do passado somadas a um estranho hotel envolvem mais ainda a escuridão da trama.

Canto dos Ossos é aquele tipo de filme que se torna difícil de categorizá-lo. Em dupla com sua incompletude, são essas as características mais marcantes e virtuosas da película. É expressiva a liberdade de criação que os diretores Petrus de Bairros e Jorge Polo tiveram em seu primeiro longa, mesclando um experimentalismo que beira ao cinema nacional e as nuances de cinema de gênero de terror e horror estrangeiros. Mas em nenhum momento Canto dos Ossos entra num universalismo de ideias, pois a força das imagens fala mais alto.

Suas cenas respiram em naturalidade, bem enquadradas (e a mesma montagem que algumas vezes peca é a mesma que resolve um filme praticamente sem uma forma de roteiro a ser seguido), mostrando que as histórias de terror e horror vampíricas não necessitam seguir as tendências classudas, afinadas e rebuscadas de grandes ícones como Drácula e Entrevista com Vampiro, e muito menos engomadas como os recentes Buffy e Crepúsculo. As esquinas contrastadas entre o claro e escuro estão localizadas nos ambientes típicos do nosso Ceará: Sertão (mais precisamente Canindé), Litoral e semi urbano. Encontramos personagens periféricos jovens que se relacionam entre si em meio do gozo/sangue, sensual/casual mesmo lembrando filmografias Carperterianas, de gore e trash, a violência poética revoa na rasga-mortalha do nosso cinema.

Na forma imprecisa, mas certeira na essência, que seria um desmérito continuar atribuindo ao filme seu teor vampírico a partir de então.

Seu teor é cupendiepe.

Cupendiepe é uma lenda indígena brasileira que a nação dos apinajés mantinham em sua tradição oral. Eles acreditavam que existiam uma nação de índios portadores de asas que sobrevoavam a noite como morcegos (e dormiam como tais). Habitavam cavernas em morros. Em suas rasantes, atacavam pessoas e animais com seus machados de lua. Assim como os personagens de Canto dos Ossos, não há relatos de repulsa a luz do sol.

Por mais que o vampiro habitual europeu-estadunidense tem seu berço próximo aos demônios que absorveu a desconhecida patologia da porfiria, morcegos não são suas exclusividades. Câmara Cascudo em seu Dicionário do Folclore Brasileiro escreve que os velhos julgavam os morcegos como “pássaros do diabo” e histórias contam que numa reunião de animais para eleger seu rei, o morcego foi expulso entre as aves pelas fato de inexistir bico. E dos terrestres porque sabia voar. Colocando-o assim como sinistro.

Numa tentativa de definição para um filme que erra e acerta por sua inocência imatura que experimenta não se definir, Canto dos Ossos é Cupendiepênico!


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