Carmen Sandiego: 1ª temporada – Quem é Carmen Sandiego?

Se você foi criança no final do anos 90 e começo dos anos 2000, muito provavelmente você chegou a se deparar com uma animação chamada Em que Lugar da Terra está Carmen Sandiego? (Where on Earth Is Carmen Sandiego?, 1994 – 1999), uma série animada que para os dias de hoje é um tanto quanto estranha. Lembrando um jogo de computador, temos um menino real, chamado Jogador que mexe em seu computador e dali a dita Carmen Sandiego fala com ele e em seguida ele fala com uma cabeça flutuante em uma tela (dentro da tela do computador do menino, dentro da tela da sua televisão) que atende por Chefe e juntos eles “invocam” os detetives Ivy e Zack, que trabalham para a agência ACME para tentar achar Carmen, que é uma ladra. E eles fazem isso viajando pelo tempo e o espaço através de portais enquanto dão informações geográficas e históricas.

O ritmo é frenético, são várias informações e lugares por episódio, então o conteúdo fica um pouco jogado, não se absorve muito, mas as perguntas e respostas durante os intervalos estilo “quem é esse Pokémon?” são interessantes. Caso você tenha tido um ataque de nostalgia, vale saber que muitos episódios de Em que Lugar da Terra está Carmen Sandiego? estão disponíveis dubladinhos no Youtube. Mas calma, espera esse texto acabar!

A história da Carmen começa um pouco antes de 1994, lá em 1985, com uma série de jogos de computador criada por ex-funcionários da Disney. Eram jogos educativos que ensinavam história, geografia e até um pouco de matemática para crianças que se chamava Where In The World is Carmen Sandiego? e foi um grande sucesso. Nos jogos você é um detetive que tem que encontrar a ladra internacional Carmen Sandiego, uma vilã que tem esse nome super descolado porque os criadores queriam um nome legal, mas de fácil pronuncia para as crianças.

De tanto sucesso ela ganhou quadrinhos, livros, jogos de tabuleiro e até dois game shows de televisão, Where in the World is Carmen Sandiego? (1991 – 1996) e Where in Time is Carmen Sandiego? (1996 – 1998) que foram um sucesso também. Mas para a série dos anos 90 teve que ser criada uma singela backstory. Carmen era órfã e foi adotada pelo chefe da ACME, logo ela começou a fazer parte da agência de detetives até se cansar daquilo. Ela achava os casos muito fáceis, então fundou a VILE, uma agência para roubar, viajando no tempo e espaço, mas apenas pelo desafio, não para ganhar dinheiro. Tanto que ela sempre deixava pistas para ser encontrada depois. Aparentemente no decorrer da série ela se mostra mais uma anti-heroína e surgem vilões de verdade, como a Dra. Bellum e o Dr. Maelstrom. Apesar de todo o sucesso, a série não valorizava um ponto principal: Carmen Sandiego. A personagem mal aparecia! Chegava a ser frustrante, tudo que se quer assistindo aquela série é ver a Carmen, saber quem é ela e claro, onde ela está.

É então que em 2019 a Netflix lança uma série animada, co-produção Estados Unidos e Canadá, Carmen Sandiego (2019 -), reboot da série de 1994. Nela, Carmen finalmente tem seu merecido papel de protagonista, nós a acompanhamos e ela é um tipo de Robin Hood. Na nova história ela era órfã e foi criada pela VILE, uma agência mundial secreta de ladrões e o seu sonho era ser uma ladra, até perceber que isso era errado e acabar decidindo se dedicar a destruir a VILE. Então ela rouba apenas deles para acabar com seus planos. A ACME também existe, mas é uma agência ainda mais secreta do que a VILE, que está atrás tanto da VILE quanto da Carmen, porque para todo o mundo ela é apenas uma ladra.

A animação além de fluida e bonita tem um estilo que lembra o que a Disney fez em As Enroladas Aventuras da Rapunzel (Tangled: The Series, 2017 – 2020), sem usar contornos nos personagens, o que deixa as inserções 3D que eventualmente aparecem bem bonitas, a direção de arte na série por sinal, é ótima, conseguiram criar uma identidade visual original e moderna.

As cenas de ação são empolgantes, as lutas bem coreografadas e a trilha sonora igualmente bacana. A direção também se sai bem, deram para a série uma vibe misturada de Indiana Jones com 007, arqueologia e espionagem com um toque noir, que dá um charme para o seriado. Outro destaque é a diversidade dos personagens, tanto em corpos como em etnias, sendo a própria Carmen uma personagem de origem latino-americana. 

Eu assisti a temporada dublada e um dos episódios legendado. A voz original é muito boa, os maiores destaques são Gina Rodriguez como Carmen e Finn Wolfhard como Player, mas também a participação especial de Rita Moreno, a voz original da Carmen dos anos 90 como senhorita Booker em um episódio, como easter egg.

Na dublagem brasileira Carmen é feita pela Maria Flor, dubladora iniciante, sua voz combinou com a personagem, mas sua atuação poderia ter sido melhor, ela ainda precisa de mais intimidade com a dublagem. Mas fora ela, os demais do elenco são dubladores mais conhecidos como Jéssica Vieira, Hércules Franco, Flávia Saddy e Carol Crespo. Mas a dublagem/tradução tem suas escorregadas, por exemplo, com o personagem Gray sendo chamado tanto de Crackle como de Centelha no mesmo episódio ou em outro episódio Player é chamado tanto de Player quanto de Jogador, fica um pouco confuso esse uso do nome original ou em português.

Junto com Carmen, conhecemos seus parceiros, Ivy e Zack, vindos da série antiga, que estão aqui como ajudantes e pilotos de fuga, criando distrações e servindo de alívio cômico. Temos também o Player, funcionando aqui como uma espécie de cara do TI, lembrando muito o Wade de Kim Possible (2002 – 2007). Vilões que apareceram na série antiga aparecem aqui, dessa vez com muito mais destaque e mais intrigantes. O Chefe talvez seja o personagem que tenha tido a adaptação mais interessante nesse reboot, remetendo a como era na original de um jeito inteligente.

Claro, não podem faltar os perseguidores da nossa ladra. No caso, são dois personagens novos, a princípio agentes da Interpol e depois contratados pela ACME, Chase Devineaux e Julia Argent. Devineaux não sai muito do estereótipo do detetive desastrado de ideias fechadas, ele é obcecado por Carmen e quer captura-la a qualquer custo. Julia, por outro lado, parece ser uma personagem com mais potencial e mais a oferecer, por ela ser mais questionadora e acreditar que existe algo em Carmen além de uma simples ladra, mas suas opiniões são geralmente desvalorizadas. Os dois tem uma dinâmica bastante clichê, mas que tem tudo para evoluir para algo diferente se o roteiro permitir. Além deles temos uma série de agentes da VILE que aparecem tentando acabar com nossa protagonista.

De um modo geral, todos os personagens secundários são interessantes e parecem ter uma boa história por trás que ainda pode ser desenvolvida. Porém me incomoda alguns serem mostrados como bobos ou inferiores a Carmen, pelo menos seus colegas ladrões poderiam oferecer um desafio mais a seu nível e Devineaux poderia acertar alguma vez, ele me parece inútil demais.

A estrutura narrativa é completamente diferente da série original, seguindo um formato clássico, sem tantas loucuras, mas com uma história muito criativa. Tanto com a história criada para Carmen, a ideia da VILE ter toda uma complexa organização e hierarquia, fora os mistérios do passado de nossa protagonista. O viés educativo se mantém, as informações são dadas de forma mais casual, como uma conversa, de modo orgânico, além de serem dadas usando o próprio episódio, sendo ela apenas dita de início e aplicada depois em algum evento, o que ajuda a fixar a informação. Eu pelo menos não sabia que a Indonésia tinha 17 mil ilhas e não me esqueci disso desde então.

Com o investimento na história pessoal de Carmen, agora não importa tanto onde ela está, mas quem ela é, mantendo é claro, seu jeito charmoso e intrigante. Fora a mensagem que a série trás, além das informações educativas. Logo no segundo episódio é dito que algumas coisas estão além do valor monetário, que o conhecimento é mais importante do que o dinheiro. E foi aí que a série me ganhou.

Carmen Sandiego chega não apenas como uma animação educativa, mas também com uma história muito boa que prende o espectador, e pode agradar tanto o público infantil quando o mais velho. Eu, pelo menos, maratonei tudo em um dia só. Os que são fãs de Carmen Sandiego original com certeza podem gostar da nova adaptação, assim como os saudosos de animações como Kim Possible.

E ela não vai ficar apenas como animação! Vem vindo aí um filme em live action com a própria Gina Rodriguez no papel da protagonista, além do site thecarmeneffect.com cheio de informações sobre a personagem e a série, interessante para quem tiver um tempo para explorar, e uma série de livros ainda sem edição em português.

Carmen Sandiego volta em grande estilo mostrando porque é um símbolo tão marcante da cultura pop até hoje. Resta saber se a Netflix tem interesse em colocar a série clássica no seu catálogo assim como fez com She-Ra.


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