Dos muitos acertos produzidos pela Netflix, nem todos ainda foram vistos. O buzz imediato para uma Elite (2018 -) da vida pode não ser nenhuma surpresa, ou se La Casa de Papel (2017 -) caminha para 4ª temporada cheia de expectativas para os fãs, longe dos holofotes, também há o tesouro menos procurado dentre tantos, repleta de um drama intenso tão rico que é uma pena não ser mais aclamada pelo público. O nome do tesouro é Ozark (2017 -), e mesmo não sendo achado, conduz com competência o seu potencial.
A série criada por Bill Dubuque e Mark Williams deu as caras no streaming em julho de 2017 trazendo em sua trama uma tradicional família que em busca de uma reformulação saem de Chicago para a região de Ozark. O ponto de partida se dá após o dedicado consultor financeiro Marty Byrde (Jason Bateman) se envolver com a máfia de lavagem de dinheiro da localidade, abraçando um trato com o temido cartel mexicano.
Família good vibes numa teia de situações que o tradicionalismo renegaria? O apelo pode não ser inovador, tanto que no ano de lançamento a produção caiu na comparação com a queridinha Breaking Bad (2008 – 2013) pelas semelhanças de grupo familiar, tráfico, cartel, mas olhando mais de perto, foi possível entender o porquê de dar uma chance para série. O piloto já se empenha para mostrar a que veio e prende a audiência no que desenrolaria adiante, destacando os pontos mais fortes: personagens, elenco, fotografia, roteiro e direção — até frases de efeito não soam cafonas aqui, é incrível.
Observando a temporada inicial como um todo, é louvável o tom de violência e frieza que consegue transmitir ao longo de dez episódios: sem abertura para conveniências, o soco inesperado no estômago é brutal e só reafirma a eficiência na abordagem crua que a produção constrói. O primeiro passo de adentrar num acordo que resultaria em um bom dinheiro foi de Marty, mas o fato de que isso não seria só sobre ele no final possibilitou um dos melhores desenvolvimentos ao escancarar a ruptura familiar.
Sem enrolação descobrimos que o casal formado por Marty e Wendy (Laura Linney) não está mais apaixonado, e para cada escolha para obter o melhor cenário com o cartel resulta em reflexos inevitáveis, principalmente para os filhos Charlotte (Sofia Hublitz) e Jonah (Skylar Gaertner) que, querendo ou não, fazem parte deste jogo perigoso. Nessa linha, Ozark nos apresenta um conflito tenso de assistir perante o que os Byrde dizem ser e o que fazem, mesmo que seja aos mancos para manter as aparências. Vale tudo e, por fim, lavar as mãos se a família exemplar ficar bem?
Nessa trama de boas intenções dos Byrdes e inúmeras decisões estrondosas, é curioso como a direção dribla com sagacidade o drama em que dispõe e, se a tensão presente nesta família é só o aperitivo, uma dose de violência sádica só elevava o escopo para o que a série tinha pra surpreender. Ozark é uma excelente região com belas paisagens, e atmosfera perfeita para um recomeço e gente de boa fé… o discurso perfeito quando os Byrde são confrontados.
Já no seu segundo ano (lançado em agosto de 2018) Ozark voltou de maneira mais lenta e dramática para um propósito eficaz: explorar mais os personagens. Mantendo a impecável fotografia azul, fria e planos abertos, a nova leva de episódios foi um montanha russa de emoções e surpresas para quem permaneceu assistindo. E como de praxe, a série poupa arrodeios e falsas resoluções com estilo.
Indo direto ao ponto, a façanha da vez se tratou de um acerto de contas. Por outras palavras, trazer as consequências do que o casal Byrde veio traçando. Apenas em pequenos momentos tivemos o vislumbre de Marty expressar alguma emoção: obstinadamente frio, não precisava de muito para tomar qualquer decisão para se safar de sequelas. Além de ágil, a inexpressividade em demonstrar afeições ajudava-o a mascarar até quando se borrava de medo enquanto mentia, e foi necessário o resultado de uma impulsiva defesa colocar o consultor financeiro a correr em desespero para se livrar o quanto antes no jogo que entrou. Ter essas nuances, graças a interpretação excelente de Jason Bateman, fez a série conseguiu reavivar o personagem.
Enquanto tínhamos em foco essa fase de Marty, o grande destaque ficou mesmo para Wendy. Desde o primeiro momento que ela descobriu as sentenças tomadas por Marty, ela não hesitou sobre entrar de cabeça para o bem de todos. E ao mesmo tempo que o esposo era rápido para agir até de forma egoísta, Wendy carregava mais emoção, era tempestiva e direta em contra atacar e em se certificar de tudo nessa dança de cadeiras — e ter a Laura Linney com toda a ousadia e um sorriso irônico no rosto foi um estouro nas cenas. Diante das diferentes personalidades, o papel de Linney ganhou mais peso por não se acomodar como uma esposa que simplesmente ficava entre o tiroteio, a ouvir do marido que resolveria tudo numa questão de tempo: ela também segurava a arma bem mais firme e perspicaz, analisando as circunstâncias.
Se colocando como o segundo destaque feminino da série, Ruth Langmore (Julia Garner) é outro talento inegável do show. Bem mais do que as sacadas que a personagem entrega com vários palavrões que solta esculhambando qualquer um, a moça lidou com o fardo horrível que a família Langmore detém nos arredores de Ozark: fracassados e problemáticos, somando ainda o dilema com o pai Cade (Trevor Long) barrando todo o esforço dela para garantir futuro para os primos Three (Carson Holmes) e Wyatt (Charlie Tahan, que inclusive, deixou a desejar na atuação) e até mesmo pra ela mesma, o tão sonhado e confortável lar. Que ela investiu nas possibilidades na sua frente foi inegável, tendo de encarar um segredo obscuro, a jovem Ruth só cresceu.
Encaixando os herdeiros Byrdes para a tempestade que se formava a cada passo e embrulhos foi mais um acerto da temporada, por refletir como a natureza que Marty e Wendy enfrentavam, abrangia vários ângulos de sua vidas. A boa notícia é que Ozark chegou ao final de temporada elevando a qualidade de outrora e só aumentando o prestígio da audiência e firmando o impasse dos Byrdes: depois de cavar tão fundo, são o que são, sem pintar a boa fé que os levaram para a região. Se até aqui o belíssimo lugar e atrativo não te convenceu, adianto que a visão é realmente linda, mas aterradora.
Ama ouvir músicas, e especialmente, não cansa de ouvir Unkle Bob. Por mais que critique, é sempre atraído por filmes de terror massacrados. Sua capacidade de assistir a tanto conteúdo aleatório surpreende a ele mesmo, e ainda que tenha a procrastinação sempre por perto, talvez escrevendo seja o seu momento que mais se arrisca.