Suzume – Uma encantadora obra imperfeita

A busca pela perfeição na profissão de um contador de histórias pode tanto ser uma dádiva como uma maldição. Na sétima arte existe também uma busca pela obra irretocável, chamada por muitos de “obra prima”, que é definido como algo que beira a perfeição, sendo possível apontar apenas pontos positivos de forma unânime. É claro que obra perfeita não existe e é verdade que o termo obra-prima tem sido usado com tanta frequência como frase de efeito para verbalizar nosso nível de empolgação, que acabou por banalizar-se, apesar de que em alguns casos, não deixa de ser verdade.

O diretor Makoto Shinkai atingiu a quase perfeição com o longa de anime Your Name (Kimi no na wa.), uma obra de 2016 que mistura romance e ficção cientifica de uma forma primorosa que transcende o escopo narrativo levando realmente a alcunha de uma verdadeira obra-prima. Deste então, Makoto sentiu o fardo de ter que entregar trabalhos subsequentes que conseguissem seguir neste nível de qualidade. 

Na minha opinião, o diretor consegue em parte com o anime O Tempo com Você (Tenki no ko, 2019), uma belíssima animação que mistura romance com fantasia e é simplesmente encantador. Seguindo uma temática similar, o longa da Comix Wave Films distribuído pela Toho, Suzume (Suzume no Tojimari) de 2023, que estreou a pouco tempo na Netflix trazendo uma trama cercada de aventura e fantasia com toques de romance mostrando o amor de Makoto por universos fantásticos, mundos paralelos e criaturas peculiares no anime que certamente irá empolgar.

O diretor também assina o roteiro desta obra que conta a história de uma garota de 17 anos chamada Suzume, que encontra um portal numa instalação abandonada e acaba acidentalmente tirando  selo protetor que a protegia libertando uma entidade com um poder devastador, que para os cidadãos comuns do Japão era sentido na forma de terremotos.

É seguindo esta premissa que a trama toma forma e ganha urgência quando a garota encontra um guardião responsável por selar estes portais pelo país evitando que um verme gigante venha para o nosso mundo. A grande sacada de Makoto é transformar a narrativa numa jornada de busca para sua protagonista que tenta levar uma vida normal com a tia, mas que ao mesmo tempo precisa superar os traumas do passado após a morte da mãe quando ela era criança. 

O lado de aventura e fantasia de Suzume faz deste longa de duas horas uma obra profunda e visualmente deslumbrante. Isto não só virou uma das marcas do diretor, como também serve de porta de entrada para outro mundo exuberante onde cada cena é uma pintura que poderia facilmente ter saído de um quadro tamanha perfeição da fotografia, assim como a trilha sonora.

No entanto, ao contrário de suas obras anteriores, Makoto, acaba se perdendo um pouco dentro de suas próprias ambições, acredito que o romance que toma forma nas entrelinhas entre Suzume e Souta não é bem inserido, muito por conta de uma reviravolta que acontece com o personagem, então não é possível trabalhar a química do casal de uma forma completa neste caso. 

Até mesmo a parte fantástica deixa um pouco a desejar, não existe explicações mais aprofundadas sobre a garota enxergar espíritos, portais mágicos ou entidades especiais, tudo fica muito subentendido, levando o expectador a ter mais especulações na mente do que respostas concretas. É claro que nem tudo precisa ser explicado, muito é mostrado e por alguns momentos funciona, mas não há como notar que existe uma sensação que algo está faltando para deixar a trama mais redondinha.  

É claro que estes pontos baixos, não fazem de Suzume uma obra desperdiçada, ainda existe muito a se gostar aqui, principalmente como o diretor explora de maneira criativa as paisagens e a arquitetura natural japonesa, bem como a cultura dos lugares onde os personagens passam, trazendo até mesmo um bom humor que dão um tempero a mais na história. A verdade é que a obra precisa de pouco para encantar e entrega mais do que a gente espera quando escala para um momento de ação grandioso perto do terceiro ato. 

O filme é uma boa obra que consegue trazer bons elementos espirituais e dramas pontuais para deixar tudo mais fluído, sem falar que os personagens carismáticos ajudam a deixar a trama mais interessante, seja a própria Suzume, ou gato sapeca que fica ainda bonitinho com a dublagem que está muito bem feita como é de praxe em animes que chegam ao Brasil.

De uma forma geral, Suzume é um ótimo anime, daqueles que valem a pena conferir. Com uma narrativa bastante imaginativa, o filme peca por não aprofundar em algumas temáticas como relacionamento familiar entre Suzume e sua tia, ou até mesmo no romance com o guardião Souta, já mencionado anteriormente. Ainda assim Makoto apesar de não atingir o nível de seu maior triunfo, consegue trazer uma história imersiva, visualmente linda e que se em alguns aspectos soa imperfeita, por outro consolida o diretor como um dos contadores de histórias mais intensos da atualidade com mais uma narrativa eletrizante.


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