O Brasil continua lidando com uma boa leva de produções nacionais feitas por streamings, este ano que tivemos o sucesso de Cangaço Novo (2023 -) no Amazon Prime e Os Outros (2023 -) na Globoplay, além de retornos memoráveis como a quarta temporada de Sintonia (2019 -), mostram que a safra brasileira está bastante aquecida querendo conquistar o público de todas as formas possíveis.
Digo isto, para falar da nova série da Netflix, DNA do Crime (2023 -), superprodução brasileira criada pelo cineasta Heitor Dhalia que conta a história de agentes federais combatendo crime organizado na fronteira entre Brasil e Paraguai numa narrativa que mistura conspiração, mistério, ação e dramas envolvendo uma dupla de policiais numa caçada a um traficante perigoso que parece estar por trás de uma série de roubos grandiosos na região de Foz do Iguaçu no estado do Paraná.
Inicialmente devo dizer que gosto da ideia de uma série de ação que passa longe do eixo Rio-São Paulo para variar, dito isto, confesso que demorei a empolgar com a trama do seriado que nos dois primeiros episódios “Barata Voa” (1×01) e “Vestígios da Noite” (1×02) deixa muito a desejar. Primeiro que os diálogos são exagerados, cheios de frase de efeitos, com quase todo elenco apresentando uma caracterização acima do tom, isso fica bastante nítido em Rômulo Braga, que não consegue caracterizar bem seu protagonista Benício.
As coisas não melhoram muito quando vemos um piloto apressado que dá impressão de desenvolver pouco seus personagens, mesmo que a produção em si seja de encher os olhos. Aliás, o primeiro grande ponto positivo da série é notar o investimento pesado de orçamento da Netflix, seja na fotografia que dá uma dimensão maior à narrativa, com tomadas belíssimas de Foz do Iguaçu e Cidade Del Leste, bem como outras tomadas no interior com uso pontual de drones para deixar a ação e a urgência da trama bastante empolgantes.
A partir do segundo episódio a série melhora e parece compreender que precisa diminuir ritmo para dar mais profundidade aos personagens, é assim que conhecemos melhor as motivações de Benício, bem como sua nova parceira Suellen (Maeve Jenkings), que deixa o marido e a filha pequena em casa para exercer sua função como agente federal. É neste ponto que o roteiro começa a ficar interessante, dividindo o plot na investigação policial da equipe federal descobrindo pistas através de DNA, desbaratando toda uma rede criminosa de assaltos no Brasil e no Paraguai, enquanto vai moldando o vilão da temporada Sem Alma (Thomas Aquino) em uma subtrama em paralelo.
A verdade é que DNA do Crime fica boa mesmo a partir do terceiro episódio, “Bicho Homem” (1×03), quando vemos uma melhora gritante nas atuações, quando a narrativa aproveita uma reviravolta para encaixar adrenalina, violência e consequências para dupla protagonista elevando a ação de uma forma bastante positiva, onde é difícil não empolgar pelo que está por vir.
O mais bacana aqui é como Dhalia e seus roteiristas aproveitam para quebrar os moldes de enlatados de algumas séries nacionais brasileiras, dando realmente cara ao enredo que realmente se parece algo daqui, feito por pessoas daqui, aproveitando o orçamento pomposo para criar uma trama universal que acaba por cair no velho clichê dos mocinhos caçando bandidos num jogo de gato e rato, mas sem esquecer que pode mostrar que o audiovisual brasileiro tem características próprias.
É neste modus operandi que os episódios “Comboio” (1×04) e “Tudo Pela Família” (1×05) ganham contornos alucinantes, conseguindo trazer o melhor da série numa sequência de tirar o fôlego com cenas de ação muito bem filmadas, colocando Benício, Suellen e a equipe da federal no fogo cruzado a medida que as investigações apontam para criminosos com poderio bélico pesado, mostrando uma guerra que atualmente é uma realidade nacional, infelizmente.
Esse ritmo crescente faz bem para DNA do Crime que consegue equilibrar bem ação e alguns respiros, mas infelizmente também evidencia algumas deficiências que a série acaba por deixar a desejar, como o desenvolvimento do lado mais humano desses policiais. Enquanto conhecemos Benício como um policial viciado em trabalho na busca por vingança e pouco tempo para ter família sendo um pai ausente para o filho adolescente, por outro lado temos Suellen, mãe de uma bebê recém-nascida que não encontra tempo para ficar em casa deixando o marido no papel doméstico.
O roteiro cria um paralelo entre os dois parceiros, mas acaba deixando todas essas tramas desenvolvidas nos bastidores sem explorar o drama de uma forma mais concreta, sendo que desaparecem quando a trama principal ganha foco, deixando o público encaixar as peças sozinhos, ou deixando várias questões em aberto. Falta esta sensibilidade para o seriado criar um vínculo maior no expectador em relação aos seus personagens, que se por um lado fica encantado pela adrenalina da ação, por outro não consegue ter uma experiência satisfatória com lado menos frenético da vida pessoal desses agentes.
É claro que estas ressalvas não apagam o brilho do seriado, afinal DNA do Crime é uma série que realmente se aproveita da sua violência gráfica e policial para entregar um produto que não mede esforços para entreter. Enquanto ficamos na expectativa das investigações chegarem na misteriosa “Gangue Fantasma”, o seriado prepara o terreno através de respiros em episódios como “Em Casa” (1×06) para entregar ganchos para alimentar a reta final da temporada.
O elenco é bom, apesar de achar que falta mais desenvolvimento dos personagens, principalmente nos coadjuvantes, alguns atores se destacam bastante, como Maeve Jenkings, no papel de Suellen, a atriz consegue dar firmeza e sensibilidade para uma personagem que adora o que faz, mas sofre para equilibrar trabalho e vida pessoal, aqui Jenkings tem a chance de mostrar novas facetas de atuação e consegue ser o ponto de equilíbrio para o resto do elenco.
Outro destaque vai para Thomas Aquino, no papel do vilão Sem Alma, que mesmo sendo perigoso e cruel, ainda consegue mostrar seu lado mais humano transitando numa área cinza no que diz respeito ao caráter do personagem. Apesar de achar que o ator precisa melhorar na atuação, Rômulo Braga tem uma boa crescente durante a temporada no papel do protagonista Benício. Pedro Caetano, Giovanni de Lorenzi e Guilherme Silva também merecem menções, inclusive Guilherme surpreende muito no papel do misterioso Moreira, agente especializado em infiltrar em grupos criminosos.
Por tudo que foi comentado, a palavra que define DNA do Crime é: potencial. Um seriado nacional com grande capacidade técnica que não teve nos primeiros episódios um bom começo, inclusive os maiores defeitos estão no início, porém, cresce muito, conseguindo na reta final nos episódios “Hacienda” (1×07) e “O Fim e o Início” (1×08) entregar um thriller urbano que consegue equilibrar ação e boas reviravoltas, mostrando que tramas brasileiras não devem em nada para enlatados de investigação norte-americanos, aliás, o tempero brasileiro deixa tudo ainda mais realista, elevado pelo ótimo trabalho de direção de Pedro Morelli, que entrega no final da temporada uma das sequências mais sufocantes e explosivas do ano em termos de ação no formato, merecendo o título de “seriadão da porra”.
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Engenheiro Eletricista de profissão, amante de cinema e séries em tempo integral, escrevendo criticas e resenhas por gosto. Fã de Star Wars, Senhor dos Anéis, Homem Aranha, Pantera Negra e tudo que seja bom envolvendo cultura pop. As vezes positivista demais, isso pode irritar iniciantes os que não o conhecem.