Cidade Invisível: 2ª Temporada – Corrigindo erros

O ano era 2021 e a Netflix fazia o lançamento de uma série de mistério e fantasia contando com a presença de figuras do folclore nacional. Contando com a produção do Carlos Saldanha, diretor da animação Rio (2011), a pegada da série era misturar mistérios policiais com magia e fantasia. Estrelada por Marcos Pigossi, um guarda ambiental chamado Eric, entrelaçado nas investigações sobre um incêndio e diversos assassinatos, a série foi muito bem recebida no streaming. Não demorou a renovarem a história, dando segmento às histórias dos personagens apresentados na primeira temporada. 

Mas não foi exatamente isso. Dois anos depois, o seriado retornou à Netflix com uma segunda temporada de cinco episódios, continuando a trajetória de Eric e sua busca pela sua filha, Luna (Manu Dieguez). Honestamente, mesmo com a atuação ótima de Pigossi na primeira temporada, em meio ao incrível elenco e interessantes personagens, senti falta de rostos familiares do ano anterior da série. Ao menos a presença da Cuca não faltou, interpretada perfeitamente pela magnífica Alessandra Negrini. Mas foi basicamente aí onde as lendas do folclore apresentadas na temporada anterior (ao menos as vivas) pararam. 

O salto temporal não foi a única alteração na série, acompanhando a diferença de dois anos, pois a aventura que se passava no Rio de Janeiro migrou para Belém do Pará. Isso aproximou a narrativa de povos indígenas, responsáveis por muitas nuances do folclore brasileiro. Pouco se fala em como algumas entidades folclóricas são baseadas, inspiradas ou até mesmo roubadas, das mitologias indígenas. Como se já não fosse uma coisa terrível o apagamento histórico, na primeira temporada nosso seriado apresentou diversos seres do folclore na forma de pessoas brancas.

Embranquecer personagens não é um recurso novo em obras audiovisuais, mas houve um real esforço na nova temporada de fugir deste lugar de apagamento. O maior problema do movimento geográfico da narrativa é como a trama abandonou personagens como a interpretada por Jessica Córes, a sereia Iara e a cantora Camila. Todo o conceito por trás da mitologia das entidades como seres místicos e espirituais às vezes se perde ao longo desta nova temporada, fazendo-a lembrar a famosa novela Mutantes: Caminhos do Coração (2007 – 2009). Era necessário uma melhor organização e desenvolvimento do novo para unir ao velho, pois quando os personagens começam a crescer em você a temporada acaba.

Um dos pontos negativos da temporada é como ela não parece se decidir entre ser um mistério policial com fantasia ou uma novela exagerada e com personagens rasos. Nossos antagonistas são garimpeiros buscando ouro em terras sagradas, temos uma pegada bem real para um problema real, mas as soluções ou obstáculos não parecem ter o mesmo peso, fazendo tudo parecer muito corrido ou esquematizado. São duas séries, a sobre o Marangatu – terra sagrada -, seu povo, aqueles que antagonizam o local e a série sobre Eric buscando por sua filha. Essas duas séries não se misturam de forma fluida, especialmente por contar apenas com cinco episódios, acaba parecendo tudo rápido e apressado demais, não permitindo ninguém fazer nada além de reagir a cada cena. 

Mesmo dando um devido tempo de tela e maior protagonismo para a personagem de Alessandra Negrini, Inês, a Cuca, a série falha com as demais entidades. Da mesma forma como na primeira temporada, a obra falha em aprofundar adequadamente nos mitos e isso termina respingando mais na compreensão dessa organização entre mitos e entidades. Por necessitar amarrar as histórias dos tempos modernos em meio a tantas entidades e dramas pessoais, pouco se gasta estabelecendo-as apropriadamente para o público e até mesmo para o próprio enredo. 

Duas novas adições à série merecem demais serem mencionadas, a Matinta Perê interpretada pela Letícia Spiller e a personagem Débora, interpretada pela talentosa Zahy Tentehar. Ambas possuem ao longo da temporada presenças antagônicas para o enredo, cada uma de formas extremamente diferentes. Enquanto a mística personagem de Spiller é uma figura fantástica, das lendas, tão poderosa quanto a própria personagem Cuca, Débora tem uma forma mais humana de antagonizar usando seus dons mágicos. 

Sabemos o objetivo de Débora, não sabemos as razões do mesmo e a forma como a atriz Zahy desenvolve ao longo da temporada – em especial do último episódio – toda a narrativa da personagem é de tirar o fôlego. Inclusive de tirar o chapéu como a série conseguiu valorizar bem os talentos de atores indígenas, pois quando em cena o elenco de fato é capaz de brilhar muito bem. Uma atriz que desejo muito ver mais trabalhos é Zahy Tentear, pois as nuances da sua personagem ao longo da série entregam demais os múltiplos conceitos propostos à mesma.

Outros nomes muito bem adaptados ao longo da temporada foram Ermelinda Yapario, Mestre Sebá e Tomás de França. Todo esse núcleo recentemente apresentado foi bem trabalhado a nível de atuação, mas a série muito ganharia de aproveitar muito melhor eles em tela. As trocas entre Ermelinda e Alessandra Negrini são algumas das minhas favoritas ao longo da série, poderiam até acontecer com maior frequência ao longo do quinto episódio. Se acontecer do seriado retornar para uma terceira temporada seria ótimo acompanhar as entidades melhor aproveitadas, tanto as apresentadas na primeira temporada quanto na segunda. 

Com um trabalho muito bem feito e capaz de misturar a magia da narrativa com o mundo real, seus problemas, suas tragédias, a fotografia do seriado é um dos pontos altos da temporada. De forma criativa há como fazer magia com a natureza, a própria série prega isso e os planos conseguem traduzir bem esse conceito para as telas dos usuários. Aliado a uma direção de arte bem pesquisada e utilizada, Cidade Invisível (2021 -) usa os conceitos técnicos como uma bela ferramenta narrativa. 


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