Dentro do crescente e dinâmico campo do audiovisual cearense, a demanda, muitas vezes, não consegue acompanhar o ritmo da produção local. Esse descompasso torna-se ainda mais evidente quando analisamos minuciosamente a seleção dos festivais e mostras de cinema no estado do Ceará. Infelizmente, a produção universitária e as obras criadas por corpos marginalizados, que frequentemente exploram temáticas que apelam ao universo da fantasia, são frequentemente relegadas a um espaço menor, muitas vezes de maneira injusta, perpetuando preconceitos não apenas em relação aos corpos, mas também aos temas e estilos abordados.
Dorothy (2022 -) é uma notável webserie cearense que emerge como resultado da criatividade e esforço do corpo discente do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Ceará. O coletivo Vesic Pis se apresenta com a seguinte definição: “Somos um coletivo transmídia que se dedica a narrativas criadas por e para pessoas LBTQIAP+, especialmente aquelas que não são brancas. Se você sempre desejou assistir obras de fantasia, terror e ação protagonizadas por pessoas negras e/ou trans, então este é o lugar certo para você. Somos um coletivo independente que produz obras em formato de curta metragem e websérie (para exibição no YouTube e no Instagram @vesicpis)”.
Em um momento em que um tipo específico de produção audiovisual domina a cena, Vesic Pis surge com uma proposta que combina resistência e inovação. Dorothy é o resultado tangível desse trabalho dedicado. “A série narra a história de Milena (interpretada por Mara Rachel), que desempenha um duplo papel como proprietária de uma loja de informática e como uma vigilante noturna que utiliza seus poderes de teletransporte para cumprir ambas as funções. Após o sequestro de um dos candidatos à prefeitura da cidade, Milena decide investigar o caso como Dorothy e acaba se deparando com uma trama mais complexa do que ela poderia imaginar.”
Composta por seis episódios envolventes, Dorothy mantém o interesse do público graças a uma sólida estrutura narrativa sequencial. Os personagens e as tramas se desenvolvem de maneira notável, e as atuações são verdadeiramente excepcionais. A química entre o elenco é visível, o que se reflete em uma dinâmica envolvente nas telas. Além disso, a direção de arte e a montagem são impecáveis, incorporando referências visualmente cativantes que enriquecem o universo do audiovisual local.
Embora todos os seis episódios possuam seus próprios méritos, os episódios 3 e 6 se destacam por suas referências inteligentes e escolhas de linguagem audiovisual. Dorothy é, sem dúvida, um raio de esperança no cenário audiovisual cearense. As premiações, indicações e reconhecimento que a série tem recebido são apenas o começo de uma longa jornada para o coletivo Vesic Pis. Eles estão lutando por seu merecido espaço, não apenas como uma alternativa ao padrão de produção audiovisual do Ceará, mas também como um farol de esperança para um reconhecimento mais amplo e uma apreciação à altura de sua qualidade, tanto por parte dos críticos quanto dos curadores cearenses.
Assista a primeira temporada da webserie completa aqui.
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Atual Vice-presidente da Aceccine e sócio da Abraccine. Mestrando em Comunicação. Bacharel em Cinema e formado em Letras Apaixonado por cinema, literatura, histórias em quadrinhos, doramas e animes. Ama os filmes do Bruce Lee, do Martin Scorsese e do Sergio Leone e gosta de cinema latino-americano e asiático. Escreve sobre jogos, cinema, quadrinhos e animes. Considera The Last of Us e Ocarina of Time os melhores jogos já feitos e acredita que a vida seria muito melhor ao som de uma trilha musical de Ennio Morricone ou de Nobuo Uematsu.