Um Príncipe em Nova York 2 – Nostalgia em cima do muro

Quebrei minhas próprias “regras” e fui assistir Um Príncipe em Nova York 2 (Coming 2 America, 2021) sem ter revisto antes seu antecessor, Um Príncipe em Nova York (Coming to America, 1988). A decisão foi baseada em dois fatos: primeiro, eu já havia visto o primeiro filme vezes o bastante – na saudosa Sessão da Tarde – para lembrar de qualquer referência que a continuação pudesse fazer; segundo, eu já havia visto o primeiro filme vezes o bastante para saber que envelhecera mal. Entretanto, a memória do quanto me diverti nas várias vezes que o vi foram o incentivo perfeito para me instigar a conferir uma continuação, 33 anos depois, e é basicamente a este público que este segundo filme serve.

Na continuação, o até então Príncipe, Akeem (Eddie Murphy) torna-se rei da fictícia Zamunda, após a morte de seu pai, Rei Jaffe Joffer (James Earl Jones). Com três filhas mulheres, impedidas pela tradição de ocupar o trono, e impossibilitado de forçar sua primogênita a casar-se com o filho do General Izzi (Wesley Snipes), líder militar de um país vizinho rival, Akeem se vê em vias de colocar seu reino em um conflito indesejado. Porém, uma visão do xamã real revela que o rei havia deixado um herdeiro bastardo após sua visita ao Queens 30 anos atrás, obrigando-o a retornar à América em busca de um possível príncipe que resolva o problema de seu reino. Um enredo tão simplório quanto o de seu antecessor, precisamos concordar.

A “grande” jogada deste novo filme foi tentar manter o humor caricaturesco e burlesco do primeiro filme, agradando a quem, como já mencionei, este filme serve, e tentar modernizar estas piadas oitentistas, de modo a não desagradar um certo público atual (perceba que “não desagradar” é beeeem diferente de “agradar”). Desta forma, é óbvio o esforço hercúleo do roteiro em criar um subtexto politicamente correto e, ainda assim, falhando muitas e muitas vezes. O empoderamento feminino presente nas três princesas – especialmente na mais velha – e na rainha Lisa (Shari Headley), a crítica às tradições antiquadas da realeza de uma outra época, tudo está lá. Mas, por outro lado, a utilização de estereótipos africanos reforçados durante anos pela cultura Ocidental – destacando aqui o cinema Hollyoodiano -, está presente em cada detalhe do filme, muitas vezes disfarçadas de “homenagens”, quando vemos os vários números musicais presentes no filme (bem bonitos até, diga-se de passagem), mas escancarados em vários outros momentos, como na figura do xamã bizarro ou no exagero da belicosidade da nação vizinha, mas principalmente, algo que estava presente no filme de 88 e que aqui se repete, um certo ar de superioridade do estadunindense sob o ingênuo africano.

Óbvio que o filme não teria nenhuma obrigação de fugir desse tipo de “humor”, até porque correria o risco de perder a audiência ou desagradar também os saudosos daquelas “piadas” dos anos 80 que já deveriam ter sido enterradas há muito tempo. Então, o filme tenta se manter na segurança do topo do muro, mesmo que o equilíbrio ali em cima seja difícil demais de manter.

Porém, mesmo deixando claro que estou do lado do muro que se desagradou, tanto com essa tentativa pífia de imparcialidade, e ainda mais com as caricaturas presentes no filme, devo dizer que tentei o máximo possível acompanhar “as trapalhadas dessa turminha muito louca” com o olhar de quem está ali para se divertir com referências e com as expressões e o jeito de falar hilários do Eddie Murphy. Por esse ponto de vista o filme se mostra bastante decente, eu diria. Consegui rir de alguns absurdos como o enorme evento de enterro do rei enquanto este ainda está vivo, com direito a Morgan Freeman como mestre de cerimônias, ou o personagem de Wesley Snipes, que me fazia gargalhar a cada aparição, e principalmente os velhos da barbearia, que já eram minha melhor lembrança do filme anterior (eu veria tranquilamente um filme solo daqueles personagens, inclusive estou rindo aqui só com esta ideia). Mas tivemos também a adição de bons novos personagens, principalmente no núcleo familiar de Lavelle (Jermaine Fowler), sua mãe Mary (Leslie Jones, maravilhosa) e o tio Reem (Tracy Morgan). E, claro, o próprio príncipe bastardo, que saiu melhor do que a aposta, com um personagem divertido e carismático.

Um Príncipe em Nova York 2 é um filme nostálgico, uma ideia que provavelmente saiu da vontade do próprio Murphy de revisitar alguns de seus personagens mais icônicos (e de quebra colocar uma graninha a mais no bolso) e para isto convidou acertadamente o diretor Craig Brewer, com quem já havia trabalhado no ótimo Meu Nome é Dolemite (Dolemite Is My Name, 2019). Um filme que deve agradar e desagradar muitos, alguns até mesmo agradar e desagradar na mesma medida, como foi o meu caso. Uma prova de que a reinvenção de Hollywood está tão distante quanto se diz, e que, querendo ou não, estamos sendo mais do que testemunhas disso, estamos sendo coniventes.

E que venha Um Tira da Pesada 4.


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