Robert Rodriguez é um cineasta peculiar. Apareceu no início dos anos 1990 com seu western moderno El Mariachi (1992) e sua continuação (quase um remake, eu diria) estrelada por Antonio Banderas, A Balada do Pistoleiro (Desperado, 1995). Depois dirigiu um dos segmentos do filme Grande Hotel (Four Rooms, 1995) e em seguida despontou com a direção de um roteiro sobre dois irmãos fora-da-lei que se metiam em um bar cheio de vampiros próximo à fronteira do México, escrito por ninguém menos que Quentin Tarantino. Um Drink no Inferno (From Dusk Till Dawn, 1996) alavancou de vez a carreira de Rodriguez que, além de novas parcerias com seu amigo Tarantino – e de ser bastante influenciado por seu estilo -, faria grandes sucessos como a adaptação do quadrinhos de Frank Miller Sin City: A Cidade do Pecado (Sin City, 2005). Mas o que ninguém imaginaria (pelo menos eu não) era que o diretor, famoso pela plasticidade da violência em muitos de seus filmes, consolidaria paralelamente uma extensa filmografia voltada para um público infantil e infanto-juvenil.
O primeiro deles foi em 2001, Pequenos Espiões (Spy Kids), sobre dois irmão, filhos de espiões que precisavam usar suas habilidades (que aparentemente são genéticas) para salvar seus pais de um terrível vilão. O filme fez um enorme sucesso e acabou virando uma franquia, com ainda três continuações, todas dirigidas e roteirizadas por seu criador, e até hoje rende frutos como uma recente série animada lançada pela Netflix. Além da saga da família Cortez, o cineasta ainda arriscou em outros universos, mas sempre com o tom de fantasia e aventura que se tornaram marcas destes seus trabalhos, como A Pedra Mágica (Shorts, 2009). Mas é de 2005 um de seus filmes que iremos focar nesta resenha: As Aventuras de Sharkboy e Lavagirl (The Adventures of Sharkboy and Lavagirl).
Pessoalmente nunca me animei muito com nenhum desses filmes do diretor, nem mesmo na juventude. Sempre os achei bobos demais, cheios de clichês de gênero e efeitos especiais mal executados e chulos. Mas pensando hoje em dia, não há nenhuma dúvida de que os filmes foram bem sucedidos para com o seu público alvo. Os críticos sempre amaram apontar os erros destas obras e as colocarem no balaio de esquecíveis cinematograficamente falando, mas basta uma conversa rápida com qualquer pessoa que foi criança no início dos anos 2000 para perceber o quanto estes filmes estão firmes e fortes em suas memórias, gostando ou não. E é interessante perceber como isto faz todo sentido do mundo. É inegável o quanto Rodriguez consegue usar todos os clichês mais bregas possíveis a favor de uma história divertida e descompromissada. É quase como se uma criança estivesse escrevendo os roteiros e é exatamente esse o grande trunfo do diretor. Nada melhor para criar um reconhecimento do público infantil do que uma história completamente infantil. Sharkboy e Lavagirl traz inclusive essa infantilidade na própria essência de sua narrativa. O jovem Max precisa salvar o Planeta Baba junto de sua dupla de heróis, tudo isso usando a força de sua imaginação.
15 anos após as aventuras de Max, Robert Rodrigues decide revisitar seu universo de fantasia com Pequenos Grandes Heróis (We Can Be Heroes, 2020), lançado pela Netflix no Natal do ano passado, e o filme nada mais é do que uma continuação da fórmula do cineasta de fazer filmes infantis para um público infantil. Num mundo onde existem super-heróis, como uma expansão daquele que existia na mente criativa do protagonista de Sharkboy e Lavagirl, invasores alienígenas sequestram os maiores heróis do planeta, enquanto seus filhos, também superpoderosos, precisam se unir para resgatá-los e salvar o mundo. Parece enredo de quadrinho da Liga da Justiça na década de 60. Super-heróis para a família, sobre família, com mensagens de amor e união para nossas crianças (e até pra nós mesmos). E se atacar esse aspecto do filme for o argumento para criticá-lo, recomendo que escolha melhor suas palavras, porque se a produção acerta em algo é isso, em seguir seu objetivo com clareza e leveza como poucas produções o fazem hoje em dia. Pequenos Grandes Heróis não é um filme para você, com disfarce de infantil, ele é realmente infantil. Então, antes de reclamar de algo do filme, pergunte a uma criança o que ela achou, pois, nesse caso, a opinião dela valerá mais que a sua.
VEJA TAMBÉM
Clube da Iraceminha – José de Alencar para baixinhos
Fate: The Winx Saga – Melhor do que o esperado, mas incrivelmente racista
Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.