Super Mario World – 30 anos conquistando os corações e o mundo

Antes de mais nada, me permitam montar um cenário: 

O ano é 1994, eu tenho três anos de idade. Insone desde muito pequena, e me sentindo um pouco abandonada desde que meu irmão mais novo nasceu, eu passo minhas noites num sono leve, esperando ouvir o plin distante que antecede a musiquinha de abertura de Super Mario World (1990). Esse é o meu sinal pra descer da rede o mais silenciosamente possível, escapar do quarto da minha mãe e me esgueirar pelo corredor, guiada pela música e outros pequenos sons que eu já aprendi a reconhecer: o som de um pulo, de um casco atingindo um bloquinho, do ovinho do Yoshi se abrindo.

No final do corredor, pela porta entreaberta, eu vejo meu primo – que também é meu melhor amigo, minha pessoa favorita, meu irmão, meu pai – recém chegado do trabalho, sentado na rede, controle na mão. Ele me manda voltar pro quarto, mas eu e ele sabemos que é da boca pra fora: eu entro, sento no chão, e ele reclama, mas coloca um controle na minha mão mesmo assim. No começo, o controle é sempre desconectado. Eu percebo, reclamo, e ele conecta meu controle, me diz quais botões apertar: esse pra correr, esse pra pular, esse pra descer do Yoshi, esse pra atirar, mas só se tiver a florzinha, esse pra voar, mas só se tiver a pena.

Minhas memórias mais antigas são todas assim: jogando videogame na calada da noite, até minha mãe perceber que eu fugi e aparecer pra me levar de volta. Aprendendo, aos poucos, os comandos, os caminhos, todos os truques, até se tornar natural, até se tornar instintivo. E mesmo já tendo ¼ de século, essas memórias ainda são muito vívidas pra mim, porque o primeiro amor a gente nunca esquece, e meu primeiro amor era cinza e roxo, quadradão e extremamente temperamental na hora de ligar, vinha com um único cartucho, e me colocou no caminho sem volta que é jogar videogame.

Resolvi começar com esse relato pra deixar uma coisa bem clara: tudo que eu disser daqui pra frente vai ser inevitavelmente tendencioso e apaixonado. Super Mario World, pra mim, é mais que o meu primeiro jogo: é parte da minha história, da minha jornada, e da pessoa que eu sou hoje, e não tem como falar dele sem deixar isso transparecer.

Então, vamos começar?

A guerra dos consoles como nós conhecemos hoje é uma versão sofisticada da batalha que acontecia no final do anos 80, quando a geração de consoles 8-bit era substituída pela geração 16-bit, e as desenvolvedoras – que na época eram apenas empresas de tecnologia e/ou entretenimento – começavam a se atropelar para lançar, não apenas consoles novos, mas também jogos exclusivos. A diferença é: na época, a Nintendo estava sempre ganhando.

Mesmo hoje, a Nintendo ainda ocupa várias posições na lista dos 10 consoles mais vendidos da história – isso sem contar os portáteis -, e o SNES, lançado em 1990, ainda faz parte dessa lista, tendo vendido aproximadamente 50 milhões de unidades. E como, na época, o videogame vinha acompanhado de um cartucho, junto com o SNES, milhões de pessoas levaram pra casa também o que viria a se tornar um dos maiores clássicos do videogame: uma cópia de Super Mario World.

Quando falamos de “clássicos” dentro do mundo dos games, existem várias formas diferentes de definir o que essa palavra representa: para muitos, um clássico é uma obra que se tornou, ao longo dos anos, uma peça fundamental para a apreciação plena e completa da cultura gamer; para outros, se trata de uma obra que faz parte da própria fundação dessa cultura, e sem a qual o universo gamer que nós conhecemos hoje seria completamente diferente. Pra mim, clássicos de videogame são todas as obras que pavimentaram o caminho para que os jogos se tornassem as obras de arte que eles são hoje.

E Super Mario World preenche todos os requisitos de cada uma dessas definições.

Mesmo em uma constante competição com outras empresas e se esforçando para acompanhar o ritmo do mercado, a política da Nintendo sempre foi, acima de tudo, “colocar sorrisos nos rostos das pessoas”, e Super Mario World incorporava esse conceito muito bem. As aventuras de Mario, antes de 1990, tinham sido limitadas em termos de cores, transição de tela, e até na movimentação do personagem, mas mesmo com a tecnologia 16-bit, o novo jogo veio com a promessa de ser não uma revolução na indústria, mas uma versão repaginada e principalmente mais divertida de seus antecessores.

E não importava muito que o jogo tivesse chegado atrasado para a batalha dos consoles, ou que não fosse exatamente uma demonstração de excelência técnica por parte da Nintendo. Com uma popularidade muito maior que a da concorrência – remanescente dos sucessos anteriores da empresa -, Super Mario World foi o primeiro contato de muita gente com um Side Scrolling de movimentação tão fluida e em cores tão vibrantes, e por ser de fato um jogo extremamente divertido e cativante, foi ele que ficou marcado na memória de uma geração inteira como referencial de videogame.

Mesmo não sendo o primeiro da franquia, foi em Super Mario World que alguns de seus elementos mais icônicos foram introduzidos: pela primeira vez, Mario podia voar – ou flutuar dependendo do item que fosse usado – e destruir blocos – e ocasionalmente alguns inimigos – com um pulo giratório, além de ser acompanhado em suas aventuras por Yoshi, seu novíssimo companheiro dinossauro, que era imune a alguns obstáculos, podia engolir alguns inimigos, e ganhava poderes especiais com a ajuda de cascos diferentes.

Não parece grande coisa, mas os cascos com cores e funções diferentes foram posteriormente adaptados para outros jogos e são até hoje um dos itens mais populares de Mario Kart, e o salto giratório se tornou essencial para a experiência de jogar qualquer jogo do Mario, aparecendo em pelo menos mais 12 títulos desde então. Já o Yoshi se tornou tão popular que protagonizou sua própria série de jogos, além de ser um personagem jogável em Mario Kart e Smash Bros.

Entretanto, o legado do jogo vai muito além da própria franquia, ou de suas franquias paralelas.

Desviando do padrão dos jogos da época, Super Mario World trouxe, em uma obra prima de game design que valorizava variedade em vez de dificuldade, uma experiência de aprendizado in game extremamente sutil e absolutamente completa, que vem sendo reproduzida até hoje em uma infinidade de jogos de estilos, gêneros e gerações diferentes.

Eu explico: numa época em que tutoriais e prompts de ação eram um trabalho em andamento, e o melhor jeito de descobrir o que um botão fazia era simplesmente apertar e ver o que acontecia, Super Mario World oferecia não apenas uma série de pequenas dicas de jogabilidade, mas também uma janela de oportunidade para que o jogador se acostumasse com cada um dos novos elementos introduzidos. A fase em que o Yoshi é introduzido, por exemplo, vem com uma série de maçãs que podem ser comidas, duas variedades de cascos diferentes cujos efeitos podem ser testados, vários inimigos que podem ser engolidos, e uma área acessada através de um cano onde é possível aprender a desmontar do Yoshi no ar e conseguir assim um pulo mais alto; já na fase em que a pena aparece pela primeira vez, o jogador pode acessar uma área em que ele tem bastante espaço para praticar o vôo, além de várias moedas para pegar no processo.

Para cada novo elemento introduzido, seja ele um item, um inimigo, ou mesmo a ambientação de uma área do jogo – já que cada uma das 9 áreas tem suas próprias peculiaridades -, o jogador é consistentemente agraciado com uma chance relativamente segura de aprender a lidar com a nova situação, além de ter a liberdade de ir e voltar no mapa, coletar vidas e itens tantas vezes quanto achar necessário, e praticar repetidamente até ser capaz de realizar um comando sem dificuldade.

A consequência disso é que o aumento da dificuldade no jogo é quase imperceptível. Quando o jogador se vê lidando com lava, plataformas móveis, chamas voadoras, espinhos que caem do teto, blocos de pedra que despencam na sua cabeça e estátuas que cospem fogo, tudo ao mesmo tempo, ele já teve tempo de se acostumar com cada um desses fatores individualmente, e ao invés de se tornarem difíceis e frustrantes, as fases passam a ser meramente desafiadoras, sem nunca comprometer o fator diversão.

A experiência de aprendizado é ainda engrandecida pela magia da trilha sonora icônica criada por Koji Kondo. É um fato universalmente aceito que música é uma forma de comunicação que transcende a linguagem; a música é uma entidade cultural, um processo social, participativo e evocativo, com um poder cognitivo fortíssimo, e que vem sendo usada dentro de jogos de videogame como uma ferramenta de imersão há décadas, sendo Super Mario World um excelente exemplo disso.

Fazendo arranjos novos para os temas originais de Super Mario Bros. 3 (1988), agora sem as mesmas limitações técnicas da geração anterior, Kondo elevou a trilha sonora do jogo de música de fundo a elemento dinâmico da experiência. A música reage ativamente ao gameplay: quando o tempo de uma fase está perto de acabar, a cadência aumenta e cria uma sensação de urgência, enquanto que nas fases aquáticas, ela diminui e é acompanhada por uma trilha de valsa, indicando a morosidade da movimentação embaixo d’água; depois de conseguir um Yoshi, o tema passa a ser acompanhado por uma trilha de bongôs que invoca a imagem acústica de cavalgada, ao passo que, nas casas mal assombradas, o tema principal é modulado para uma escala mais grave e acompanhado por uma trilha harmônica de tensão; o tom dramático e meio gótico dos castelos é ditado pela utilização do som de um órgão (pipe organ), e o senso de urgência das salas de chefe é regido por um sobe-e-desce melódico que acentua a inevitabilidade de um confronto iminente.

Aqui, a música é uma ferramenta de comprometimento com o universo ao qual o jogador é exposto, emparelhando sons a sensações específicas, que por sua vez são associadas aos elementos do jogo que devem ser colocados em destaque em momentos específicos. A consequência disso é uma reação quase automática a esses sons: nos primeiros segundos de cada fase, baseado exclusivamente na música, o jogador já consegue ter uma ideia do que vai encontrar pela frente, e se prepara para reagir de acordo, seja relaxando com uma música mais animada porque a fase tende a ser fácil, ficando imediatamente mais atento com a música das casas mal assombradas ou dos castelos, ou instantaneamente posicionando o dedo no botão que vai usar pra se manter flutuando assim que escuta a música da fase da água.

E o fato de que a trilha sonora é quase completamente composta de mixagens diferentes do tema principal serve ainda como ferramenta de contação de história: Dinosaur Land, onde a aventura acontece, era um lugar feliz e pacífico, como o tema principal brilhante e contagiante sugere, mas depois que Bowser sequestra a princesa Toadstool – futuramente renomeada como princesa Peach -, seus subordinados invadem e começam a se apropriar completamente do lugar, alterando o ambiente tranquilo com suas presenças – e melodias – de tonalidade dissonante.

Mesmo que uma princesa sequestrada, alguns ovos de dinossauro desaparecidos, e um vilão pairando sobre seu castelo – em um veículo que eu, com 3 anos de idade, aptamente nomeei como a “xícara voadora do Bowser” – não sejam exatamente os elementos ideais para uma história particularmente excepcional, o conceito, envolvido por uma candura singela que tem gosto de infância, é simples e divertido o suficiente para cativar, e uma vez que você começa a jogar, com ou sem uma narrativa intrincada, é impossível parar.

Com uma estrutura e level design inigualáveis, Super Mario World te prende pela curiosidade. De quantos jeitos diferentes é possível terminar uma fase? Quantos caminhos diferentes é possível abrir? Que inimigo aguarda no final do próximo castelo? Quantos segredos ainda falta descobrir? Criando um ambiente seguro para implementar uma curva de aprendizado efetivamente perfeita, o jogo oferece todas as ferramentas necessárias para que o jogador explore e se divirta sem medo. Perder itens ou mesmo vidas ao longo da jornada não é o fim, mas sim um acontecimento comum e de pouquíssimo efeito na experiência como um todo; erros e falhas – comumente punidos em outros jogos da geração – são tratados como parte do processo de aprendizagem e de crescimento, e as consequências de um fracasso são ínfimas quando comparadas à satisfação do sucesso.

No mais, Super Mario World ainda nos deixa com uma lição de vida que é inerente a todo Side Scrolling: não importa a situação em que você se encontra, a única saída é seguir em frente. Aqui, porém, a lição tem alguns twists: por causa de como as fases foram projetadas, muitas vezes existe mais de um caminho a seguir, e se o caminho padrão é difícil, assustador, ou requer habilidades que você ainda não tem, não existe problema nenhum em pegar um caminho alternativo; se o percurso for longo e cansativo, você pode sempre contar com a companhia de um amigo, seja ele o Yoshi, que te ajuda na jornada, ou o Player 2, que alterna turnos com você e te dá um tempo pra descansar; se um obstáculo se provar muito difícil de superar, você pode sempre refazer trajetos que já percorreu antes e usar os benefícios da experiência como impulso para seguir adiante.

Claro, nenhuma dessas lições é aprendida de forma direta. Trinta anos atrás, a cognição compartilhada do público alvo de jogos de videogame ainda estava em seus primeiros estágios de desenvolvimento, e a própria tecnologia disponível na época não acomodava a sutileza desse tipo de mensagem. Aquilo que é aprendido ao longo de Super Mario World é aprendido através de repetição e ciclos de aperfeiçoamento, que, por serem repaginados diversas vezes no decorrer das fases, conseguem manter a experiência divertida e empolgante até o fim.

Considerado por muitos como o maior clássico de sua geração, Super Mario World não é o mais elegante, o mais inovador ou o mais ousado, mas é perfeito dentro de suas limitações e especificações, e por ter sido o primeiro contato de uma geração inteira com videogame, ele é também um grande marco cultural. Ao longo dos anos o jogo teve ports para diversos consoles, inclusive mais recentemente para o Nintendo Switch, depois de trinta anos de seu lançamento original. Essa é provavelmente a maior evidência de que o jogo sobrevive com esplendor ao teste do tempo, e que a troca das gerações e o avanço da tecnologia não diminuiu em nada o seu valor.

Pra mim, Super Mario World é um jogo sem defeitos. De vez em quando eu revisito o jogo, e nunca deixo de me surpreender com o modo como meus dedos reproduzem os comandos instintivamente, como minha memória me leva de volta por caminhos que eu reconheço sem esforço, e como mesmo depois de tantos anos, a jornada ainda desperta em mim o mesmo deslumbramento. O SNES que era do meu primo passou pra mim. Hoje, com quase a mesma idade que eu, ele fica estacionado na minha estante de games, a mesma fita de quando eu era criança ainda nele, os dois já aposentados, mas sempre cumprindo o propósito de me lembrar onde eu comecei e o que games significam pra mim: avançar – no jogo, na vida – geralmente significa deixar para trás um passado em que as coisas eram simples e fáceis, mas se a jornada te engrandece, e se você se diverte ao longo do caminho, ela vai sempre valer a pena.


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