Na mitologia grega, Partenope era uma sereia que em uma das versões mais conhecidas teria se apaixonado por um centauro chamado Vesúvio. Porém Zeus, em sua ira enciumada, transforma o centauro em um vulcão impedindo que o amor entre este e a sereia se concretizasse. Devastada pela perda de seu amor, Partenope se suicida em um golfo no Mar Tirreno, a Oeste da península onde se localizava a antiga Magna Grécia, região que depois ficou conhecida como Itália. Assim nasce, ao lado do vulcão Vesúvio, a cidade de Partenope, depois rebatizada de Nápoles.
O cineasta italiano Paolo Sorrentino demonstra através de sua filmografia algumas temas pelos quais nutre uma certa obsessão, são eles: a beleza (e seu oposto), a juventude (e a falta desta), e Nápoles, sua cidade natal. Podemos perceber isso em algumas de suas obras de maior destaque como A Grande Beleza (La Grande Bellezza, 2013), vencedor do Oscar de melhor filme em língua estrangeira de 2015; o excelente Juventude (Youth, 2015); e mais recentemente no interessante A Mão de Deus (È Stata la Mano di Dio, 2021). Em seu filme mais recente, Parthenope: Os Amores de Nápoles (Parthenope, 2024), Sorrentino parece tentar unir todas essas obsessões em uma única obra, o que poderia ser tão ousado quanto arriscado.
No filme acompanhamos a vida de Parthenope (Celeste Dalla Porta em seu primeiro papel de destaque) desde seu nascimento até sua velhice, passando todo este tempo na cidade de Nápoles. Parthenope se torna uma jovem a quem é atribuída por todos ao seu redor uma beleza estonteante, de forma que por onde passa e em qualquer ambiente que esteja chama imediatamente a atenção, tanto de homens, quanto de mulheres. A jovem tem ciência de seus atributos e é inclusive aconselhada pelos mais velhos a ter cuidado com os problemas que tamanha beleza pode lhes causar. Crescendo entre dois jovens, seu irmão mais velho Raimondo (Daniele Rienzo) e o filho de uma empregada da casa de seu avó, Sandrino (Dario Aita), ambos apaixonados por ela cada um a sua forma, a jovem decide estudar antropologia, quando passa a ser tutorada pelo carrancudo professor Marotta (Silvio Orlando).
Durante todo o longa acompanhamos esta mulher belíssima embasbacando todos que a cercam, ainda que, segundo ela mesma, não use tal beleza para ter vantagem em nada, e, de fato, se mostra uma excelente estudante de antropologia, focada em seus estudos o máximo que pode ao mesmo tempo que… continua embasbacando a todos que a cercam. O filme não a leva a lugar nenhum que não seja lidar com a própria beleza e com o mal que ela pode trazer. Poderia ser uma obra sobre como a juventude e a própria beleza são efêmeras, sobre como uma mulher pode ter sua capacidade intelectual subestimada, ou mesmo sobre o amadurecimento desta personagem que até tinha potencial de ser interessante, mas não vai para nenhum caminho que não seja uma tentativa de alegoria da própria cidade de Nápoles, sua “personalidade”, e como as pessoas a veem, e mesmo nisto o filme é bem sucedido.
Toda beleza e elegância visual de Parthenope (tanto o filme quanto a personagem) não são em nenhum momento aprofundadas, e na maioria das vezes parece que o roteiro, também de Sorrentino, foi escrito com momentos que vieram à cabeça do cineasta, o qual foi amontoando um atrás do outro, e depois nunca passou por uma revisão sequer, o que talvez dê um sentido para o próprio autor, mas que para quem assiste não passa de um quebra cabeça onde nenhuma peça se encaixa bem a não ser que forcemos um pouco seus encaixes, deixando seus defeitos aparentes. Momentos como a aparição do escritor John Cheever (Gary Oldman) apenas para dar alguns conselhos para sua jovem fã e depois desaparecer, ou a pesquisa sobre um milagre e seu envolvimento com o pároco responsável, ou ainda sua estranha relação com os dois jovens que cresceram juntos a ela, tudo parece sem propósito, se tornando inevitavelmente cansativo e algumas vezes soando mesmo misógino.
Paolo Sorrentino faz parte de um interessante grupo de cineastas italianos que compõem o que já estão chamando de Risorgimento (ressurgimento) do cinema do país. São diretores como Nanni Moretti, Matteo Garrone, Marco Bellocchio, Luca Guadagnino, e Sorrentino não fica tanto atrás de nenhum desses, vide alguns de seus filmes que citei acima. É um diretor e roteirista inventivo e muito proeminente, mas ao tentar criar profundidade com uma personagem feminina parece ter se deparado com uma complexidade que não foi capaz de conduzir, caindo em erros grosseiros que desaguaram em um filme inconsistente e raso.
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Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.