A Mão de Deus – Amadurecimento precoce em meio a tragédia

A vida é simplesmente uma preparação e uma jornada de crescimento constante, às vezes você está preparado para evoluir como pessoa, às vezes você necessita de alguma coisa, alguém ou algum evento extraordinário para que isso aconteça. Talvez o luto seja o fato mais drástico na vida de um ser humano e talvez o que faça-o amadurecer mais rápido, tanto fisicamente quanto mentalmente.

Estou dizendo tudo isso para falar do novo filme de Paolo Sorrentino, que recentemente concorreu o Oscar de melhor filme estrangeiro na categoria em que Drive My Car (2021) foi vencedora. Falar de A Mão de Deus (È Stata la Mano di Dio, 2021), é abrir toda uma discussão interessante sobre família, adolescência e perda. Este longa tem todos os ingredientes de um bom drama e entrega algo ainda mais poderoso ao mostrar que a vida é complexa e imprevisível, onde as mudanças acontecem constantemente e fora do nosso controle.

A forma como o roteiro escrito pelo próprio Sorrentino, que parece contar a própria história de uma forma bastante autobiográfica ao relatar a vida tumultuada desse garoto que vive em Nápoles dos anos 80, tendo que lidar com a fase da adolescência e amor pelo futebol ao viver a expectativa de que Maradona pode atuar no seu time do coração, floresce na tela de uma forma tão contagiante, que é impossível tirar os olhos. Esta produção italiana constrói uma narrativa que aparenta ser simples, mas que traz uma complexidade nas entrelinhas muito bem executada.

A narrativa na sua primeira metade apresenta a família Schisa de uma forma bastante peculiar e natural, conseguindo caracterizar seus personagens cada um com uma personalidade mais marcante que a outra. A forma como Sorrentino consegue mostrar essa grande família na tela, captura o conceito universal da palavra em apenas uma sequência de almoço onde temos conflitos, piadas de tiozão, a união entre pessoas e o senso de comunidade que transcende os aspectos da língua, afinal, um filme italiano que poderia ser facilmente um filme brasileiro utilizando o mesmo conceito, por exemplo, fica evidente.

Através desse aspecto, o filme cresce, o expectador se vê se importando com os conflitos familiares, enxergando tudo isso pelo ponto de vista do jovem Fabietto Schisa (Filippo Scotti), como as peripécias da tia Patrizia (Luisa Ranieri), fogosa e sem pudores, chama atenção em toda reunião de família com sua beleza exuberante, ou tio Alfredo (Renato Carpentieri) que não tem papas na língua e morre de amores pelo time do coração, ou do amor genuíno dos pais do garoto, Maria (Teresa Saponangelo) e Saverio (Toni Servillo) que vivem entre tapas e beijos, tudo isso mostrando que no final das contas, famílias são todas iguais.

O roteiro desta forma cria tudo que precisa contar e estabelecer, preparando o expectador para a reviravolta na segunda metade. Para não estragar a surpresa e o impacto do que acontece, só direi que tal fato impacta a vida de Fabietto de uma forma muito drástica, assim como a de sua família, o forçando a tomar decisões e a crescer muito rápido. Gosto como o filme enxerga seus próprios clichês e não toma caminhos fáceis para deixar seu público na zona de conforto.

A direção de Sorrentino ajuda a potencializar todos esses conceitos numa história que não só foca no drama, mas também no típico conto de “coming of age”, quando um adolescente está prestes a entrar na vida adulta, mas que começa a experimentar todas as dádivas proporcionadas pelo amadurecimento. O bacana aqui é que Paolo se aproveita das belíssimas paisagens e lugares de Nápoles para dar peso a esses significados, criando um paralelo entre o conceito de lar, mas ao mesmo tempo flertando com o conceito de liberdade que esta presente na alma do jovem Fabietto.

O elenco é outro ponto positivo que merece destaque, uma vez que o roteiro consegue dar profundidade que ajuda a criar personagens memoráveis. Destaque vai para o jovem ator Filippo Scotti no papel de Fabietto, conseguindo fazer um menino esperançoso e inseguro na medida. Luisa Ranieri no papel de Patrizia é outra grata surpresa num papel profundo que mostra que nem sempre a aparência externa reflete os sentimentos e conflitos internos.

Não há uma forma de descrever A Mão de Deus a não ser como um filme agridoce, que se utiliza de conceitos básicos e familiares para construir uma verdadeira alegoria sobre complexidade familiar e amadurecimento precoce em momentos de transformação. A forma como Paolo Sorrentino utiliza-se da simplicidade para capturar emoções, desenvolver dilemas e eternizar momentos, faz desta produção italiana uma pequena pérola que merece ser descoberta e revisitada de tempos em tempos, sem falar que ainda pode servir em alguns momentos como tributo ao cinema italiano. Se você sentir que já viu este tipo de história antes, talvez enxergue algo que tenha acontecido na sua vida e comece a se identificar com vários personagens, algo que este longa consegue desenvolver bem, tornando a experiência uma montanha russa de emoções que vão te deixar no mínimo diferente assim que os créditos começarem a subir.


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