Gladiador II – Entretenimento sem catarse, frustra e dói

Existe uma fórmula para entreter o público e isto deve ser respeitado de todas as formas possíveis. Em tempos de ingressos caros, perda de interesse do público de massa e sequências em profusão, merecemos mais, queremos mais, não apenas algo que satisfaça nosso momento de lazer, mas um momento que possamos lembrar no futuro como algo que valeu a pena, não apenas algo passageiro e esquecível.

Quando se revisa uma obra de sucesso, deve-se tomar cuidado em respeitar o legado do que foi estabelecido e entregar algo mais para que esta sequência valha a pena. Todos estes sentimentos citados anteriormente, me vieram à mente após assistir Gladiador II (Gladiator II, 2024), continuação do filme de 2000 ganhador de 5 Oscars incluindo Melhor Filme e Melhor Ator para Russell Crowe, que foi catapultado ao estrelato por uma atuação visceral.

É claro que fazer uma sequência de um grande filme é um trabalho complicado, mas se tem uma pessoa que poderia fazer isto da forma correta, seria o diretor Ridley Scott, que já havia mostrado no original que sabia como entreter e trazer espetáculo para audiência. As expectativas para esta sequência estavam muito altas, não só pelo elenco escolhido, mas para o retorno do diretor a um universo que o havia consagrado como cineasta.

Esta sequência segue os eventos do primeiro filme após a morte de Maximus (Russell Crowe), porém desta vez acompanhamos a jornada de Hanno (Paul Mescal), um jovem comandante que tenta defender a terra em que vive no reino da Nova África do império romano governado pelos imperadores gêmeos Geta (Joseph Quinn) e Caracalla (Fred Hechinger) numa campanha liderado pelo general Acacius (Pedro Pascal). 

A história de Gladiador II é basicamente motivada pela vingança (como no original), quando Hanno perde o amor de sua vida, é levado como escravo para Roma e jura se vingar do general que matou sua amada. O roteiro escrito por David Scarpa, de Napoleão (Napoleon, 2023), é cuidadoso, preserva bem o legado do primeiro filme e traz alguns personagens importantes de volta como a rainha Lucilla (Connie Nielsen) para trazer familiaridade e conexões que é crucial para reviravolta no meio do filme.

O longa começa muito bem, Scott sabe como dirigir um bom espetáculo, o ataque por mar do exército de Roma contra as tropas da Nova África dá o tom para um filme que faz jus ao pomposo orçamento de 250 milhões de dólares. A sequência inclusive lembra um pouco seu longa Cruzada (Kingdom of Heaven, 2005), numa sequência de ação grandiosa e muito bem dirigida.

Porém, infelizmente o filme para por aí. O maior problema de Gladiador II é a falta de ousadia. Ainda que Ridley Scott tome um cuidado para não sucumbir aos exageros que levou seu ambicioso Napoleão para o ralo. Existe aqui uma falta de antecipação que torna a experiência de assistir a narrativa algo frustrante. 

Se por um lado o roteiro é todo moldado na chamada “jornada do herói” com Hanno ascendendo aos poucos ao posto de um grande gladiador após se mostrar um bom lutador guiado por ódio, porém acaba mostrando a fragilidade do texto que esconde a verdade do passado do personagem até certo ponto, mas que soa apressado na forma como tudo se desenvolve e é revelado ao público.

É desta forma, que Gladiador II começa a se perder no próprio espetáculo, com este problema de desenvolvimento do protagonista, acaba reverberando nas sequências de ação no maior momento do universo do “Gladiador”, as lutas no Coliseu. Ao que parece é um problema sério de edição, todas as sequências começam bem, viscerais e terminam de forma frustrante e mornas com cortes para cenas onde o personagem principal é exaltado como tremendo líder, porém, nós como público não conseguimos sentir o calor do momento.

Talvez seja até um excesso de zelo de Ridley Scott, o cineasta se mostra à vontade na direção e mostra muito potencial em diversas sequências, inclusive a cena dos navios se digladiando em pleno Coliseu com tubarões comendo figurantes para deleite da plateia nas arquibancadas é de um entretenimento que literalmente estávamos precisando em 2024, o frescor dessa cena é tão bom quanto a frustração do corte abrupto, mais uma vez sem sutileza, esfriando um dos melhores momentos do filme.

O que torna tudo ainda mais decepcionante que isto deveria ser a cartada para Ridley Scott entregar as melhores cenas de catarse da década, e este momento nunca vem. Muito se fala sobre os exageros dos blockbusters atuais, pelo excesso de CGI, mas parece que Gladiador II consegue tomar cuidado com esta parte, mesmo que criaturas digitais na arena sejam perceptíveis, mas se vê tudo usado em favor da história, não de forma avulsa. 

Todas estas ressalvas tornam Gladiador II um filme ruim? Jamais, ainda mais porque existe um trunfo que faz a frágil trama funcionar. As intrigas palacianas que tomam conta da segunda metade do filme servem de veículo para uma atuação magistral de Denzel Washington, que literalmente rouba a cena e praticamente o filme inteiro para si. É na política que reside a força dessa sequência e quando se tem um ator desse calibre, tudo fica ainda melhor.

Inclusive a atuação do Washington é tão boa que ajuda a atuação apagada de Paul Mescal como o gladiador Hanno a melhorar em alguns momentos, aliás, o ator que brilha em Aftersun (2022), não consegue nem de longe ter uma presença tão impactante quanto foi Russell Crowe no filme anterior. Veja, a atuação dele não é ruim, mas falta charme e magnetismo, até mesmo nas cenas que contracena com Connie Nielsen (boa), ou com o próprio Washington, que o devora em cena. As atuações de Joseph Quinn e Pedro Pascal, são as decepções da vez, enquanto Quinn é caricato ao extremo (difícil comprar), a jornada do personagem de Pascal é interrompida num momento que deveria ter um peso maior, está certo, o roteiro não ajuda, mas é muito pouco para um ator tão talentoso. 

Em termos técnicos, a obra é um deleite visual, mas que não impressiona como os blockbusters lançados este ano, é correto dentro da proposta, inclusive a ambientação, efeitos visuais, figurino e trilha sonora funcionam, mas ainda assim sinto que falta algo, talvez seja edição que condensa muita coisa e acaba com momentos de êxtase que deveriam ser o ponto forte da narrativa.

No geral, Gladiador II é daqueles filmes que passa de ano, não por méritos próprios, mas pela grande atuação de Denzel Washington (revelar mais estragaria as surpresas) e um bom terceiro ato que termina a trama de uma forma boa. Porém, fica a sensação de que poderia ser melhor, até porque sabemos que Ridley Scott é capaz disso, talvez sua cautela de não estragar o legado do filme original, tenha deixado o diretor mais contido, entregando o bom feijão com arroz, mas para quem estava com a expectativa alta, faltou aquele bom filé mignon que dá água na boca e satisfaz. Quem sabe na próxima. 


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