Estranhamente, por um bom tempo não tivemos muitas obras do Super Homem, um dos heróis mais famosos dos quadrinhos. Em 2006 houve Superman:O Retorno (Superman Returns) dirigido por Brian Singer e estrelado por Brandon Ruth, o filme foi um desperdiço de um ótimo ator para interpretar Clark Kent e culminou em anos sem outra adaptação. Até, infelizmente, chegar 2013 com o filme O Homem de Aço (Man of Steel) dirigido por Zack Snyder trazendo uma versão bem mais tediosa e depressiva do personagem. Em uma época onde Injustiça: Deuses Entre Nós (Injustice 2021), The Boys (2019 -), Invencível (Invincible, 2021 -) e Brightburn: Filho das Trevas (Brightburn, 2019) são mídias extremamente consumidas bebendo do conceito de “heróis com grandes poderes que estão acima da humanidade” era necessário lembrar quem era o Super Homem. O público por muito tempo esqueceu como o herói é um escoteiro, de bom coração e não uma criatura acima da humanidade lidando com o complexo de Deus. A estreia de Minhas Aventuras com o Superman (My Adventures with Superman) em 2023 pode resgatar a essência do herói para o público e também o apresentar para uma nova geração.
A título de honestidade é necessário falar sobre como, muito semelhante a outras adaptações, Minhas Aventuras com Superman toma demasiadas liberdades criativas e mudam origens e personalidades cercando a mitologia do Super Homem. A questão é que a maioria das mudanças são essenciais para a animação ser tão única em relação a outras adaptações do Super Homem e também adaptações animadas de quadrinhos. Os designs dos vilões são os pontos mais fracos da obra por serem muito básicos, muito do mesmo e realmente a certo ponto não há nem como dizer exatamente que vilão do Super Homem ou do universo DC estamos lidando. Mas fora esse particular erro criativo, os pontos positivos do seriado são bem maiores.
No primeiro episódio podemos ver o Clark Kent (voz original de Jack Quaid) antes de ser Super Homem, tentando a normalidade na cidade de Metrópolis e mesmo assim constantemente utilizando suas habilidades para ajudar pessoas. Também acompanhamos seu primeiro dia no Clarim Diário, onde ele é apresentado a uma famosa personagem da sua mitologia – Lois Lane (voz original por Alice Lee) e há obviamente uma certa química aqui. Importante ressaltar como a personalidade dessa jovem Lois é extremamente bem encaixada nessa animação, sem a qual o seriado simplesmente não haveria desenvolvimento real. Os dois são acompanhados ao longo de sua primeira missão no Clarim Diário pelo fotógrafo Jimmy Olsen (voz original por Ishmel Sahid), amigo e colega de quarto de Clark, e o trio termina por seguir pistas importantes para o pontapé inicial do enredo. As aventuras desse trio são extremamente divertidas de aprender e acompanhar, enquanto o enredo explora os personagens e suas falhas de forma surpreendente. As falhas desses três são essenciais para a animação trazer uma narrativa única e bem vinda para adaptações de quadrinhos.
Como uma apresentação dessa roupagem do Homem de Aço, o seriado animado trabalha bem em trazer elementos por muito tempo deixados de lados em adaptações do personagem e consegue introduzir a essência original deste. Em algumas adaptações como Injustice e as obras do Snyder o Super Homem é retratado como um ser acima da humanidade, tomando para si a responsabilidade de cuidar da mesma por seus poderes. O Super Homem foi criado por um casal de fazendeiros, uma essência de escoteiro e o desejo de proteger a quem não poderia se proteger. Essa animação não é uma obra onde o Clark subiria para observar a Terra e falar que se orgulha dela, pois ele não é um personagem que se vê acima dela. Ele faz parte desse mundo e aproveita da melhor forma suas habilidades para defender outros de ameaças, seja um gatinho numa árvore ou então um grande kaiju meta humano colocando a vida de uma cidade em risco. Em um certo momento ele defende Lois de balas e quando ela pergunta se ele tinha conhecimento sobre sua imunidade a balas o mesmo só fala que sabia que Lois não era imune. Não foi sobre seus poderes foi sobre sua natureza de proteger as pessoas, como Steve Rogers antes do soro pulando em cima de uma granada.
Sequer o fato dele ser um alienígena, de uma outra civilização, não é exatamente de conhecimento ou dele mesmo ou das pessoas do universo. A trajetória de Clark, ou Kal El, é entender como ele tem essas habilidades e sua origem verdadeira. Isso está diretamente atrelado ao enredo principal da temporada e a relação com a ameaça da temporada seguinte. Trazer Jor El (voz original por Jason Marnocha) como esse holograma para onde Clark vai com suas dúvidas foi extremamente reutilizado, mas aqui há uma grande barreira entre ele e Clark – a linguagem. Krypton possui sua própria língua e Clark não nasceu com o conhecimento sobre a mesma. Isso dialoga muito com o fato de Super Homem ser um imigrante, a relação de descentes de imigrantes e a falta de conhecimento sobre sua própria cultura, história e linguagem. As nuances citadas aqui não são exatamente mastigadas para o público, mas uma possível leitura dentro dessa adaptação. Isso complica a trajetória de Clark de compreensão sobre suas habilidades, a tecnologia alienígena presente na história e uma ameaça vindoura, pois seria muito fácil e chato narrativamente se o protagonista pudesse apenas perguntar tudo a Jor El e ter respostas, como feito em inúmeras adaptações.
De forma ousada, o seriado não faz uso de personagens mais famosos da galeria de vilões do herói, ou sequer cita outros heróis – com Gotham sendo citada em referência a uma grande repórter da mitologia do Batman e nunca o Homem Morcego em si. Honestamente é um alívio não ter de pensar em universo compartilhado e essas possibilidades, algo extremamente exaustivo em qualquer obra de quadrinhos ultimamente pois as vezes o público quer assistir aqui e não um mega crossover desnecessário. Os antagonistas principais não são kryptonianos, andróides ou empresários anti-aliens ricos, mas sim a Força Tarefa X. Sim, basicamente o Super Homem enfrenta em sua primeira temporada o governo e seu Esquadrão Suicida e apesar dos designs não tão agradáveis, o enredo funciona.
Em uma primeira temporada a obra consegue muito bem apresentar o seu universo, fazendo mudanças drásticas no material de origem e também em demais adaptações feitas. O protagonista ainda está entendendo de onde veio, quem ele quer ser nessa cidade – tanto como Super Homem, como Clark Kent. Um dos maiores problemas da obra, fora os designs da galeria de vilões serem muito básicos e sem um “molho”, é a curta duração das temporadas. Cada vez mais obras seriadas tem menores durações, prejudicando muito seus enredos e até o envolvimento do público com as histórias. Mesmo assim, Minhas Aventuras com o Superman traz uma bem-vinda roupagem para o herói tão conhecido cuja essência frequentemente tem sido deixada de lado. O desenvolvimento aqui deixa de ser focado unicamente em Clark e seu alter ego e podemos explorar mais dos dramas e histórias também de Lois Lane e de Jimmy Olsen.
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Cineasta graduade em Cinema e Audiovisual, produtore do coletivo artístico independente Vesic Pis.
Não-binarie, fã de super heróis, de artistas trans, não-bináries e de ver essas pessoas conquistando cada vez mais o espaço. Pisciano com a meta de fazer alguma diferença no mundo.