Vermelho Monet – É possível abraçar toda arte do mundo com as pernas?

Desde Cine Holliúdy (2012), filme baseado em seu curta-metragem de 2004, a obra do diretor e roteirista Halder Gomes tem se caracterizado por um humor muitas vezes classificado como regional, já que apoia-se em piadas e estereótipos nordestinos – e especialmente do Ceará, de onde o cineasta é oriundo – para contar suas histórias. Seguido por O Shaolin do Sertão (2016), Cine Holliúdy 2: A Chibata Sideral (2018) e mais recentemente Bem-vinda a Quixeramobim (2022), além de Os Parças (2017), dirigido em parceria com Ioneide Lima, e que foge mais à seu tipo de humor, mesmo que ainda possamos reconhecê-lo ali. Desta forma é sempre esperado que Halder traga em seus próximos trabalhos algo que o mantenha nesta espécie de zona de conforto, onde já tem seu público cativo e, gostando ou não, é onde estão as experiências que tem funcionado para ele.

Mas são raros os diretores que, após se consolidarem em uma temática ou gênero, não sentem a gana de experimentar suas habilidades em terrenos desconhecidos – mesmo que não seja exatamente seu primeiro trabalho com drama, já que o diretor já havia trabalhado com algo parecido em As Mães de Chico Xavier (2011). Em Vermelho Monet (2022) Halder Gomes se arrisca não só em um drama, como entrega a obra que mais salta fora da curva daquela sua zona de conforto.

Johannes Van Almeida (Chico Diaz), é um pintor veterano que está sofrendo de acromatopsia, doença congênita que faz com que a pessoa enxergue apenas em tons de cinza, preto e branco. Até que ao caminhar na rua com sua esposa cadeirante e vítima de uma condição que a fez perder a fala e parte da coordenação dos membros, Johannes se depara, através de uma vidraça de um café, com uma linda jovem e percebe que consegue distinguir a cor de seus cabelos ruivos. Enquanto isso Antoinette Léfèvre (Maria Fernanda Cândido), uma renomada dona de galeria de arte negocia sua mais recente aquisição, um raríssimo quadro onde se vê uma mulher ruiva com um lenço cobrindo parte da cabeça. E por último, conhecemos Florence Lizz (Samantha Müller), uma atriz brasileira que vai a Portugal para interpretar a poetisa portuguesa Florbela Espanca, em um filme biográfico. Descobrimos que Florence é a moça que Johannes viu no café, e que ao conhecer Antoinette numa festa a atriz passa a ter uma relação secreta com a galerista.

O filme se desenvolve com a intrincada teia que envolve estes três personagens. Florence enfrenta problemas para adaptar seu sotaque ao de Portugal para interpretar seu papel, enquanto seu envolvimento com Antoinette se transforma em algo cada vez mais avassalador. Johannes começa a se desesperar ao tentar transpor para a tela as cores do cabelo da misteriosa moça que viu no café, desenvolvendo uma obsessão que cada vez mais lhe corrói. E Antoinette se envolve com uma situação envolvendo a aparição de uma possível falsificação do quadro que vendera, colocando a originalidade deste em cheque.

Fica clara ao expectador a intenção e o desejo de Halder Gomes em apresentar com o filme uma mixórdia entre vários campos da arte: a poesia na figura de Florbela Espanca, presente tanto no papel de Florence quanto na versão musicada de sua poesia interpretada em alguns momentos do filme ou quando ouvimos um trecho de seu famoso poema As Quadras D’Ele II sendo declamado; o que nos leva às artes dramáticas e à música, com destaque para alguns clássicos que ouvimos na trilha musical do filme, como as Bachianas brasileira, de Villa-Lobos, ou a Clair de Lune, de Debussy, e à divisão do filme em movimentos, como em uma sinfonia. Por último, a pintura, representada por menções aos estilos e artistas de várias épocas e por escolhas de misè en scene que enquadram os personagens em algumas pinturas conhecidas, além, é claro, de ser o fio que conduz toda a narrativa.

O problema é que esses fios, com cores bonitas e chamativas, parecem escolhidos pelo simples gosto artístico aparentemente refinado de Halder, e que ao tentar costurá-los acaba criando uma colcha de retalhos que não deixa de criar uma atração, mas que quando observada de perto não nos diz muita coisa além de sua beleza. O roteiro sofre um enorme prejuízo ao cair na prepotência de tentar ao mesmo tempo mencionar todas essas formas de arte, e criar uma trama complicada demais e que na verdade se mostra tão rasa que torna-se enfadonha. O que parece é que o diretor e roteirista vai com muita sede ao pote de tudo que deseja mostrar no filme, mas acaba não conseguindo manter a coesão entre a subjetividade da arte e a força de sua potencialidade e as emoções das personagens que se veem em meio a esta teia de relações profissionais/pessoais. É perceptível a intenção do filme, mas a frustração em alcançá-la vai se tornando clara ao aproximar-se de seu desfecho, após mais de duas horas de duração.

Por outro lado, as interpretações de Maria Fernanda Cândido e Chico Diaz se mostram sublimes mesmo que beirem o caricato em alguns momentos. A Antoinette de Cândido acaba se tornando aquelas vilãs novelescas e maquiavélicas que conspiram em benefício próprio, enquanto o Johannes de Diaz é o artista prepotente, amargurado e quase insano. Além disso, a interpretação dos dois veteranos acaba criando uma enorme sombra para a estreante Samantha Müller que, assim como sua personagem, parece ter dificuldade em um papel de tamanha importância a que foi atribuída no filme.

Acredito que Vermelho Monet pode não ter sido um bom caminho para que Halder Gomes vá testando os passos em outros terrenos mais enlameados do que está acostumado, me pareceu uma virada um tanto quanto brusca em sua expertise, mesmo que seu desejo, tanto de se arriscar, quanto de abordar a grandiosidade da arte, seja nobre, é preciso ir com mais calma para que o entusiasmo não caia na vaidade violenta de um pintor que quer superar a Mona Lisa.


VEJA TAMBÉM

Bem-vinda a Quixeramobim – Um “tour” pelo Ceará

Shaolin do Sertão e slapstick