Obs.: Esse texto sobre “Leo” pode conter severos spoilers
Sem muito alarde, a Netflix lançou em 17 de novembro do ano passado a animação Leo (2023). O filme musical conta a história de (um animalzinho muito parecido com) um lagarto idoso que resolve fugir e aproveitar a vida após descobrir que pode morrer em breve. Interpretado por Adam Sandler, o pet de escola esconde um segredo dos humanos: ele e seu parceiro de aquário, a tartaruga Squirtle – voz de Bill Bur – podem falar. E daí que, em sua primeira tentativa de fuga, quando passava o fim de semana aos cuidados de uma aluna, Leo revela seu segredo para garota e isso muda todo o rumo de seus planos.
O que acontece, na verdade, é que Leo sentia que sua vida não tinha nenhum propósito, que ele não havia feito nada de sua existência que ele mesmo achasse relevante. Ao perceber que podia ajudar as crianças com as quais ele convivia diariamente, ainda que, de longe, nosso protagonista encontra um senso de finalidade que lhe prende à sala de aula, de onde ele pretendia partir.
A animação, de pouca mais de 1 hora e meia, tem canções engraçadas, humor leve, um protagonista muito carismático e um desenrolar que conversa diretamente com seu público-alvo: as crianças. E digo isso porque se tornou muito comum que animações que parecem ser pensadas para crianças acabem tendo uma linguagem mais séria, pesem no tom e procurem ter um subtexto muito mais voltado para os mais velhos. Certamente, uma tentativa de agradar os pais que também pagam ingressos para levar seus filhos para as salas de cinema.
Sendo Netflix um serviço de streaming, ou seja, doméstico, essa preocupação pode ser amenizada e as pessoinhas mais jovens podem ser o centro das atenções. Mas, Leo também tem mensagens que podem ser importantes para os adultos.
Problemas com os quais as crianças vão se identificar
Eu sempre achei difícil encontrar mídias que conversassem diretamente com problemas enfrentados pelo público infantil. Normalmente, o que vemos são filmes que retratam a adolescência. Muitos deles com adolescentes interpretados por adultos. Via de regra, os personagens estão no ensino médio e se descabelando por causa de garotas malvadas ou namorados do último verão.
Ou, quando vemos crianças como protagonistas, os problemas são sofrimento extremo, envolvem pobreza, essa inocência fantasiosa e fábricas de chocolate administradas por pessoas malucas. E esse é um ótimo diferencial da animação da Netflix. Leo conversa com as crianças porque fala dos problemas delas.
Seja a separação dos pais, a superproteção da mãe, a mudança de voz no início da puberdade ou mesmo ser um aluno mais velho porque repetiu de ano… Aos adultos, isso parece bobagem, apenas “problemas de criança”. De certo, como alguém que já cresceu, eu sei que, tal hora, isso vai mesmo passar. Mas para a criança, com pouca experiência e uma relação com o tempo muito diferente da nossa, esses problemas “simplórios” têm dimensões diferentes. Às vezes enormes.
Faça como Leo: preste mais atenção nelas
Mostrar a percepção dos mais jovens em relação aos problemas do mundo é, ao menos para mim, o ponto alto da animação. Leo usa sua experiência com crianças, já que ele convive com elas a vida inteira, para ajudar as que estão próximas dele nesse momento. Ele tem uma sensibilidade que a maioria das pessoas, incluindo as que convivem com aquelas crianças, não tem. E o filme nos faz prestar atenção nos menores, nos sinais que eles nos dão quando algo de errado está acontecendo. Sinais que nós, como adultos, damos pouca importância. Afinal, nós sabemos o que é melhor pra eles, sem sequer ter que escutá-los, não é mesmo?
Isso foi algo no quela eu me peguei pensando enquanto via o desenrolar da história. Esse reforço de uma coisa que nós, por definição, já sabemos: na maioria das vezes o que queremos é apenas sermos ouvidos. E, no final de tudo, essa regra não vale apenas para os menores.
“Leo” está abarrotado de pessoas que precisam ser ouvidas. Desde as professoras que lutam pelo seu reconhecimento profissional até mesmo os próprios pets que, como amigos antigos, já se habituaram ao jeito rabugento um do outro e acabam dando pouca importância às suas reclamações.
Tendo a serenidade de quem já viveu 74 anos, Leo escuta atentamente o que os pequenos têm a dizer e oferece conselhos que, nem sempre, são soluções definitivas. Mas apenas uma maneira diferente de encarar as situações e aproveitar melhor a infância (enquanto ainda podem, já que a infância passa – e passa rápido). Um trabalho de voz excelente de Adam Sandler (mas que a dublagem brasileira não deixa nada a desejar).
Leo é pra crianças, mas é tão sério assim?
Não! Apesar dessa pretensa profundidade, “Leo” é uma história leve, sem dramas pesados e divertidíssima! É impossível não gargalhar com as situações inusitadas em que o protagonista se envolve. Outra coisa: as crianças menores, as do pré-escolar, são a melhor surpresa da animação. Não tem como não se apaixonar por elas!
Além disso, as canções são fáceis e envolventes. E outra coisa: o estilo de animação é de encher os olhos. Os personagens têm traços peculiares e formas bastantes diversas. Cumprimentos para a equipe de arte!
Por fim, uma curiosidade: Leo, o “lagarto”, não é, de fato, um lagarto. Ele é uma tuatara. Muito comum pela Nova Zelândia, o bichinho faz parte de uma linhagem diferente dos répteis. Mas se parece muito com um lagarto, então é fácil fazer confusão. Vale ressaltar que o animal está ameaçado de extinção, o que pode estar relacionado com seu ciclo de reprodução, que é bastante lento (os ovos podem levar ate 2 anos para chocarem e as fêmeas só chegam à maturidade depois de 20 anos. Apesar de Leo ficar com medo de morrer aos 75, as tuataras podem viver até 100 anos. Elas estão na terra desde à época dos dinossauros.
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Gay, Nerd, jornalista e podcaster. Chato o suficiente pra achar que pode se resumir em apenas quatro palavras. Fã de X-Men e especialista em Mulher-Maravilha. Oldschool – não usa máquina de escrever, mas bem que poderia. There’s only one queen, and that’s Madonna!