Godzilla Minus One – Superando traumas, enfrentando monstros e assegurando o futuro

Uma das maiores criações do cinema japonês se chama Godzilla. A criatura gigante com aparência de um lagarto surgiu pela primeira vez no cinema em 1954, “Gojira” como é chamado no Japão, desde então teve mais de 30 filmes e ganhou versões no EUA aportando em Hollywood em 1998 com o exagerado filme dirigido por Roland Emerich. O reboot no cinema norte americano aconteceu em 2014 pelas mãos de Gareth Edward dando o pontapé inicial ao “Monsterverse” da Legendary Pictures e da Warner Bros, sendo o último a ser lançado o cansado Godzilla vs Kong em 2021, este ano a criatura gigante aportou também na TV com a chegada da série da Apple TV, Monarch: O Legado dos Monstros (Monarch: Legacy of Monsters, 2023 -), que explora a organização secreta que rastreia monstros além do largatão. 

A verdade é que as versões hollywoodianas tentam reproduzir estes blockbusters em larga escala perdendo força com infinitas continuações, mas somente voltando para casa e para as origens que fomos apresentados ao magnifico Godzilla: Minus One (Gojira -1.0, 2023), uma espécie de reboot japonês de um dos monstros mais icônicos da cultura pop que volta ao Japão pós Segunda Guerra Mundial devastado economicamente e socialmente, tendo que lidar com uma criatura vindo dos oceanos para causar destruição e assolar ainda mais um povo já bastante castigado.

Este longa escrito e dirigido por Takashi Yamazaki é sobre luto, perda e redenção, não existe outra forma de defini-lo, principalmente quando o elemento humano é tão marcante quando acompanhamos a jornada de Koichi Shikishima (Ryunosuke Kamiki), ex-piloto kamikaze na guerra que foge da sua função e vai parar na Ilha Oto, onde encontra pela primeira vez Godzilla resultando em perdas inesperados de pessoas ocupando o local. Após chegar a Tóquio, seu caminho se cruza com Noriko Oishi (Minami Hamabe) e a pequena bebezinha Akiko, com quem acaba formando uma família inesperada em meio aos destroços da metrópole. 

A premissa é simples, mas ao focar no elo humano Yamazaki eleva este blockbuster a algo que muitos do gênero acabam perdendo no meio do caminho ao só focar no espetáculo visual. O roteiro nasce em meio a tragédia da derrota da Segunda Guerra, com japoneses sofrendo com a miséria e as diversas perdas de familiares tendo que seguir em frente com feridas ainda por cicatrizar.

O Godzilla surge aqui como uma figura misteriosa e também como um fantasma que carrega um poder de devastação transformando o pesadelo dos piores traumas da população numa realidade ainda mais cruel. O melhor da escrita é que esta narrativa sabe desenvolver um drama, a ponto do expectador se importar com os personagens antes de jogá-los no caos marinho e urbano que se instala com a chegada do lagarto gigante.

Não tenha dúvidas, Godzilla Minus One dá aula de como ser um blockbuster e entrega tudo aquilo que foi mostrado em suas prévias e até um pouco mais. A produção é um espetáculo à parte, juntando de forma harmônica efeitos visuais, ambientação e efeitos práticos, temos aqui um espetáculo visual e sensorial que só pode ser sentido em sua totalidade assistindo na maior tela e som possíveis.

As diversas sequências de ação ao longo das duas horas de filme são bem distribuídas e são impactantes, com uma trilha sonora pulsante e uma fotografia que impressiona conseguindo fazer a direção de Yamazaki ainda mais precisa, com enquadramentos que exalam puro terror e tensão cada vez que a criatura pisa em milhares de pessoas, ou destrói algum prédio como se fosse papel, mas nada supera o primeiro ataque com fogo azul no centro urbano de Tóquio numa das cenas mais monumentais exibidas no ano passado.

Se a parte do blockbuster impressiona, os momentos de calmaria transformam o filme em uma das obras narrativas mais dramáticas do ano com boas atuações que ajudam dar mais autenticidade a grande ameaça enfrentada pela população japonesa. Minami Hamabe traz consciência e doçura para o papel de Noriko Oishi, uma personagem que se vê como a matriarca formada pelo destino e que escolhe seguir em frente. O grande destaque vai mesmo para Ryunosuke Kamiki, que é o cerne da narrativa na pura representação do luto e o peso de uma população que não supera seus traumas numa consciência de culpa amplificada com a ameaça ainda pior que bombas e navios inimigos.

Por tudo que foi mencionado, fica claro que Godzilla Minus One é um grande filme, que resgata a sensação de te deixar na ponta da cadeira nos momentos de ação e vibrar nos momentos de vitória, ou se horrorizar com o sofrimento de personagens bem construídos mostrando que é possível fazer um blockbuster dentro gênero desastre com cérebro e reflexivo. Em um filme que fala sobre dores, a vontade sobreviver e o senso de comunidade são trunfos de uma trama que resgata o espírito de comunidade japonês em meio ao caos conseguindo entregar um dos terceiros atos mais bonitos e vibrantes dos últimos anos, transformando este longa em um dos mais imperdíveis da temporada.


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