O Retorno dos Monstros, Agora vai!

Godzilla II: Rei dos Monstros (Godzilla: King of the Monsters, 2019) é mais um capítulo do [ainda em crescimento] MonsterVerse da Warner/Legendary Pictures, com o diferencial da promessa de expandir seus horizontes, apresentando novas encarnações de alguns dos kaijus (monstros gigantes) mais famosos da japonesa Toho. O filme que abriu esta nova franquia foi Godzilla (2014), seguido por Kong: A Ilha da Caveira (Kong: Skull Island, 2017). O título deste é inspirado no filme Godzilla: O Monstro do Mar (Godzilla: King of the Monsters!, 1956), “americanização” do Godzilla (Gojira) original de 1954.

Neste terceiro filme, a Legendary constrói uma crise de aparecimentos consecutivos de monstros, apresentando Mothra, Rodan e King Ghidorah na mesma narrativa, alocando-os como inimigos do Rei do Monstros – Godzilla. Não é a primeira vez que Godzilla é colocado como herói [ou como o vencedor de um confronto] em seu gênero, e tampouco este é o primeiro “versus” de kaijus.

A primeira vez que tivemos um crossover de combate de monstros foi King Kong vs. Godzilla (Kingu Kongu tai Gojira, 1962), num crossover “intercontinental” entre o monstro da Toho e o “monstro” da Universal, fazendo uso somente das técnicas de tokusatsu, já que o stop-motion do macacão americano era caríssimo para a realidade de cinema do Japão, sendo, na prática, um filme totalmente nipônico.

King Kong vs. Godzilla (1962)

Outro confronto marcante da década foi Godzilla vs. Mothra ou Godzilla Contra a Ilha Sagrada (Mosura tai Gojira, 1964), tendo este um plot bem mais maduro que o confronto com King Kong. Mothra (Mosura no original) é uma mariposa gigante de um mito amaldiçoado guardado por uma tribo descrita em seu filme solo, Mothra, a Deusa Selvagem (Mosura) de 1961.

Mothra vs. Godzilla (1964)

A premissa geral do novo filme americano é criada em volta de uma ideia similar da de Mothra: criaturas mitológicas que se mostram verdadeiras, despertando milhares anos depois, espalhando o caos por onde passam.

King Ghidorah apareceu pela primeira vez em Ghidorah, O Monstro Tricéfalo (San daikaijû: Chikyû saidai no kessen) seu filme solo de 1964 como um monstro de três cabeças com asas, sendo, segundo o lendário diretor Ishiro Honda, uma releitura do mito Yamata no Orochi.  Presente em diversos outros filmes, com origens que variam desde monstro alienígena exterminador de planeta a fruto de engenharia genética mal sucedida, é considerado arqui-inimigo de Godzilla e foco grande no novo filme, como conta o próprio diretor. Na nova produção da Warner, Ghidorah terá origem alienígena, abrindo mais um leque de possibilidades de, no futuro, trazer mais monstros do espaço [autorais ou não], ou até levar os confrontos às estrelas. Não há como saber até o momento, ou até vermos este próximo filme.

Ghidorah será CGI obviamente (assim como os demais monstros do filme), mas com movimentos capturados de atores em estúdio especial [nada novo, na verdade, técnica foi usada no King Kong de 2005, na trilogia O Senhor dos Anéis (2001-2003) e até no mais recente Vingadores: Guerra Infinita (2019)]. No caso, três atores, um para cada cabeça/personalidade do monstro. Técnica com virtual alusão ao suitmation, onde atores vestiam (e ainda vestem) nas produções de tokusatsu japonesas.

“Era importante para mim que cada cabeça de Ghidorah tivesse notável diferença de personalidade. Imagine ter 3 cães da mesma espécie. Digo, é óbvio, se tenho 3 cães, aprendo, com o tempo, que cada um é diferente em expressão e aparência.”

– Michael Dougherty, diretor de Godzilla II: Rei dos Monstros. Fonte.

Por último, e não menos importante, Rodan, que apareceu pela primeira vez em Rodan!… o Monstro do Espaço (Sora no daikaijû Radon, 1956), monstro também voador, inspirado no pterodáctilo (apresentado neste novo universo na cena pós-créditos de Kong: Ilha da Caveira). Rodan é despertado de uma mina junto com outras criaturas horrendas. Neste também temos a mesma fórmula do monstro sendo combatido por forças militares, só que agora envolvendo um vulcão como armadilha para deter o monstro voador (no caso são dois Rodans, mas não entrarei em detalhes).

Rodan, em inglês. termo original Radon contraído de Pte-”ra”/no/”don”, também corresponde ao nome Ladon [pronúncia em japonês], figura mitológica grega com aparência de dragão.

A ideia de um grande crossover de kaijus também não é de hoje. O Despertar dos Monstros (Kaijû sôshingeki, 1968) foi uma empreitada de monstros tendo Godzilla como estrela, e King Ghidorah, Rodan, Mothra, Anguirus, Minilla, Kumonga, Manda, Gorosaurus, Baragon e Varan como co-monstros. Entretanto a Toho fez filmes individuais antes de fazer uma grande reunião.

Acho que aqui, a Warner pode ter se precipitado em não ter feito alguns filmes individuais antes. O espectador novo não terá tempo necessário para digerir a importância (de décadas) de cada um antes de um grande confronto. Mas não quer dizer que a obra da Legendary não seja positiva. Pode ser bem sucedida, abrindo espaço para filmes solos ou mais confrontos em duplas. Caminho inverso arriscado, mas só o tempo dirá o resultado disto tudo.

Eu, como fã de tokusatsu, não estou sendo apresentado a estes personagens, não são novidade para mim, então a ausência de filmes solos nem é um problema em particular. Se o filme souber dosar a apresentação deles e qualificar sua importância ao longo dos atos do filme e casar tudo num único plot (a partir dos plots individuais, se é que terá), pode funcionar perfeitamente. Lembrando que este filme será bem mais show-off (como algo no estilo tokusatsu precisa ser) que o Godzilla de 2014, que apostou numa abordagem mais furtiva, fugindo da figuração do personagem ao longo do filme, dando mais destaque visual explícito no final.

Godzilla se destacou em vários filmes versus como estrela, às vezes como total anti-herói, mas sempre um notável gladiador em cenas memoráveis do gênero tokusatsu como um todo. Se este filme quiser servir como uma homenagem icônica, terá de buscar inspiração direta nos filmes versus da franquia nipônica, nos seus diversos aspectos. O Godzilla de 2014, na minha opinião, falhou como uma homenagem ao Godzilla como se sugeria na época. Entretanto, passado o tempo, acredito que este novo consiga ser mais empolgante, mais maduro, com foco (inspirado) nos elementos que realmente são viscerais de cada personagem. Este filme pode decidir se as ambições futuras do MonsterVerse valerão a pena levar para frente.