Não há nenhuma forma melhor de contar a história sobre o filho do Superman do que apresentando a vulnerabilidade do Homem de Aço e, assim, começamos a primeira edição do quadrinho, mostrando Superman e Lois durante o trabalho de parto. Seguindo a narração do próprio personagem principal, Jon Kent, podemos ler sobre como ambos os pais do rapaz sabiam de todos os riscos quando souberam da vinda do filho de Krypton e da Terra e mesmo assim arriscaram tudo. Quando se pensa no Superman como um farol de esperança é exatamente nessa linha de pensamento, sobre mostrar momentos de humanidade do homem mais invulnerável do mundo. Jon fala sobre quatro dos maiores heróis do mundo estarem lá durante seu nascimento, Batman, Mulher Maravilha, Superman e a sua mãe – Lois Lane.
“Independente de seus poderes, ele terá a compaixão do Superman. E o comprometimento firme de Lois Lane… Ele poderá ser qualquer coisa. Jon Kent poderá ser o melhor de nós.”
E após essas palavras da própria Mulher Maravilha, pulamos anos no futuro e vemos Jon agindo como Super Homem, ajudando a apagar um incêndio e logo descobrimos a fonte do incêndio: um meta-humano. Enquanto o exército está tentando derrubar o meta-humano, pois afinal eliminar vida é exatamente o foco de um exército, vemos Jon interromper mísseis e mandando eles não atacarem. Ele vê através da luz do incêndio e percebe o medo na pessoa sem controle de seus poderes, então voa até o meta-humano e o fala para respirar após sentir o calor emanando ser causado pelos seus níveis de estresse. Abraçando esse possível inimigo e o mandando respirar, Jon consegue fazer o homem parar de emitir tanto calor e voltar à sua temperatura normal. Infelizmente, Jon acreditou nos militares e o entregou apenas para ver o homem ser golpeado e logo após vemos ele falando com seu único amigo, Damian Wayne, como ele não sabe se salvou a vida do homem ou a deixou pior.
Aqui temos todo o centro desse quadrinho, mostrando como Jon carrega, sim, em si muito poder e um sentido heroico, mas ainda busca entender como fazer as escolhas certas em meio ao mundo. É um reflexo da juventude moderna bombardeada de escolhas e problemas, esses problemas podem não parar de existir independente de suas escolhas, mas ainda carregam em si o peso das mesmas. Afinal é importante mencionar sobre como o calor do planeta Terra está em altos níveis, não apenas nos quadrinhos como no mundo real. É interessante ver a interação de Damian com Jon, pois Damian literalmente fala sobre como a preocupação de Jon ter acabado com a vida do homem é justificável e citando as possíveis torturas pelas quais o meta-humano deve estar passando pelas mãos do exército. Não está tão longe da realidade, infelizmente, considerar essa possibilidade, especialmente se você está acompanhando os jornais. A conversa sobre como Jon deseja ser um herói, mas continua mantendo um status quo presente há muito tempo no mundo, sobre como ele não consegue ter outra identidade e não ser o “filho do Superman” (a identidade do mesmo, de sua família, são de conhecimento mundial a essa altura do campeonato e não entendo como demorou tanto).
“Verdade. Justiça. E um mundo melhor.”
É exatamente esse o tema deste quadrinho, sob a própria perspectiva de Jon Kent, responsável por reformular o antigo lema do seu pai no passado. Mostra desde sua primeira edição a que veio, falando sobre trazer o conceito de Super Homem para uma nova geração, para um mundo moderno, onde as coisas possuem sentidos muito mais complexos e bem menos focados nos EUA e toda a campanha de lavagem cerebral. Certo, não vamos fingir que Super Homem: Filho de Kal-El é uma narrativa extremamente contra hegemônica por inúmeras razões, mas seu enredo trás, sim, belos pontos. Nas palavras de Damian Wayne: “Está na hora do Super Homem parar de lutar contra os sintomas. Você é poderoso o suficiente para ser a cura.” Isso continua caindo em toda a lógica de como esse homem branco pode salvar tudo e resolver tudo, as coisas são bem mais complicadas. Felizmente o quadrinho abraça estas complicações, edição pós edição mostrando Jon Kent falhando em quebrar o sistema e mostrando como o sistema em si é falho.
“Você está assistindo A Verdade.”
Na segunda edição somos apresentados a esse veículo midiático focado em expor as verdades considerando a gloriosa nação de Gamorra, algo importante para as próximas edições do quadrinho. Na mesma edição temos Jon Kent adotando uma identidade secreta, mas não para salvar o mundo, ele deseja não ser o “Filho do Super Homem” e experimentar uma vida como um jovem normal. O disfarce dura exatamente três páginas até ele evitar um ataque a mão armada em sua nova escola e salvando a vida de muitos alunos, inclusive o primeiro com quem interagiu, Jay Nakamura. O mesmo apresenta laços importantes com a nação de Gamorra, além de terminar se envolvendo e sendo o interesse amoroso de Jon Kent nesse quadrinho. Após uma conversa com seu pai, desejando entender a razão de Clark não fazer mais pelo mundo, Jon decide resgatar refugiados de Gamorra e isso acaba resultando em repressão aos refugiados em solo americano (mais uma vez nada distante da realidade).
Inclusive abordar aqui algo interessante sobre a relação de Jon Kent com Jay Nakamura e como a mesma foi feita para estar em contraponto a de Lois de Clark. Enquanto frequentemente, em quadrinhos, desenhos, filmes, toda adaptação possível, Lois precisou ser salva pelo Super Homem, o personagem de Jay foi criado pensando exatamente em ser a única pessoa no mundo a quem Jon não precisaria se preocupar em salvar. Jay possui poderes e eles o protegem exatamente de ser ferido, então Tom Taylor, o roteirista do quadrinho especificou como na criação do personagem foi pensado exatamente em como a relação dos dois fugiria disso de “ser salvo pelo Super Homem”. E num quadrinho onde Jon Kent está frequentemente preocupado com o mundo todo, salvar a todos, é romântico e único pensar que a pessoa com quem ele está envolvido é a pessoa a quem ele nunca vai precisar salvar. Ao menos não de perigos físicos. Para além de ser um jornalista investigativo cuja maior ídolo não é o pai de Jon, mas sim Lois Lane, Jay também é um refugiado de Gamorra e trazer para o físico a história de pessoas refugiadas diz muito sobre a obra especialmente se tratando do Super Homem.
“Eu não acredito em destino. Mas eu acredito em Jon Kent.”
Kal-El, Clark Kent, também conhecido como Super Homem, precisa se retirar do planeta para uma missão maior, para ajudar pessoas que precisam dele e por isso ele se despede de sua família e seus entes queridos. Ele afirma em uma de suas últimas conversas com seu filho sobre como o povo da Terra não precisa dele, mas sim do Super Homem, que agora é o manto de Jon. Inclusive o peso de Jon assumir, ainda nas primeiras edições do quadrinho, o manto do seu pai é abordado por outro herói – o Flash, Wally West (não o do filme, Novos Deuses protejam o do filme aparecer em qualquer lugar depois daquela bomba). Logo após a despedida de Kal-El, os inimigos de Jon Kent começam a agir e se mostrar mais presentes. Afinal, eles já estão sendo referenciados desde a primeira edição do quadrinho, mas se tornam mais físicos, cada vez agindo de forma direta contra Jon (e também especificamente contra Jay). Diferente dos inimigos de seu pai, Jon passa a lidar com alguém não apenas inteligente e cheio de recursos, alguém com imunidade política e um ótimo hábito de manter suas atividades terroristas debaixo dos panos. O personagem não chega a ser o Lex Luthor de Jon Kent, mas é uma das sinas de alguns personagens legados não conseguir ter vilões à altura dos seus antecessores. Isso não diminui a trajetória de Jon Kent como Super Homem, especialmente como ele se mostra como uma versão tão moderna e real.
Uma das edições nos mostra a disposição e o esforço de Jon Kent para salvar o mundo todo e como isso é impossível até para alguém com suas habilidades. Se a kriptonita afeta ao seu pai, podemos dizer como o hubris de Jon Kent é tentar segurar o mundo em suas costas por achar ser o único capaz disso. É literalmente uma edição sobre como até mesmo o Super Homem tem burnout, mesmo Jon acreditando ser imune a algo tão humano como isso. Inclusive isso vem antes de um momento fofo e importante para o casal, onde Jay assegura Jon de que ele pode descansar e o ativista toma conta do Super Homem enquanto ele dorme por nove horas. É importante como Tom Taylor já tinha a ideia sobre Jon Kent ser bissexual quando assumiu os quadrinhos, por achar que a ideia de substituir Clark por outro salvador branco e hétero seria uma oportunidade perdida. A relação dos dois é extremamente importante para firmar a trajetória de Jon como Super Homem, assim como os ideais da juventude de um jovem cheio de poderes e desejo de consertar o mundo. Trazer o Super Homem como um personagem bissexual resultou em inúmeras ameaças de morte para o escritor Tom Taylor e a demais equipe envolvida no quadrinho. Taylor então anunciou em seu Twitter que faria doações a caridades LGBTQIAP+ sempre ao receber ameaças, no nome da pessoa responsável pela ameaça.
Embora haja, sim, uma resistência muito pesada dentro do fandom da DC para Jon Kent como personagem, por inúmeras razões, mas uma delas sendo literalmente a bifobia, acredito fielmente como ele se traduz muito bem para essa época. Os dogmas do Super Homem são frequentemente subvertidos ao longo de sua trajetória nesse quadrinho, especialmente sobre como um ser tão poderoso consegue se ver impotente e também agir de formas não exatamente dependentes dos seus poderes. Trabalhar a relação de Lois Lane com seu filho, o ajudando e o aceitando, é um papel no qual a personagem não é frequentemente vista a permitindo brilhar para além de ser um interesse amoroso (algo regular atualmente quando se coloca em perspectiva). Além de tudo explorar a relação de Damian com Jon Kent como jovens adultos é algo extremamente divertido, especialmente para aqueles que leram Super Sons.
Super Homem: Filho de Kal-El conta com 16 edições principais e uma edição anual. As aventuras de Jon Kent continuaram em uma mini série de 6 edições As Aventuras de Super Homem: Jon Kent.
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Cineasta graduade em Cinema e Audiovisual, produtore do coletivo artístico independente Vesic Pis.
Não-binarie, fã de super heróis, de artistas trans, não-bináries e de ver essas pessoas conquistando cada vez mais o espaço. Pisciano com a meta de fazer alguma diferença no mundo.