RESENHA | BTK: Meu Pai, de Kerri Rawson e Monique D’Orazio

Sou consumidora de conteúdos de true crime há muitos anos, acredito que por ser apresentada muito jovem aos filmes de terror, então acabei me acostumando com alguns conteúdos um tanto mais violentos e nunca tive qualquer gatilho com o que é tratado nesse tipo de assunto. Também já adianto que não me importo tanto com toda a discussão trazida acerca desses documentários, livros, etc. Já saiba que nesse texto você não encontrará um ensaio crítico e cheio de reflexões, sou apenas uma pessoa comum falando sobre algo que desperta minha curiosidade, nada além de humaníssima. É o encontro com a pulsão de morte, diriam meus amigos analistas.

Alguns casos despertam mais a minha curiosidade e isso eu ainda não investiguei a razão, mas dentre eles está o caso do Dennis Rader, um serial killer norte americano mais conhecido como BTK (sigla que vem de bind, torture, kill – amarrar, torturar, matar, na tradução livre), que fez suas vítimas entre 1974 e 2005. Quando finalmente foi preso no Kansas. Dentre todas as atrocidades causadas por Dennis, ele possuía algumas fantasias sobre se vestir com as roupas das vítimas, se amarrar e tirar fotos suas enterrado ou pendurado. Não irei entrar em maiores detalhes, esse não é o intuito de estar escrevendo, o que me deixa intrigada, curiosa e sempre pesquisando sobre, é sobre o que vem depois. Como ficam as famílias desses assassinos? Como lidar com o absurdo que é, do dia para a noite, descobrir que alguém que você ama foi capaz de invadir casas, perseguir pessoas, torturá-las, matá-las e ainda guardar um “troféu” escondido na sua própria casa. É uma dimensão de sofrimento que ao qual muito me interessa saber um pouco mais.

Tempos atrás eu tinha visto que a Darkside lançou no Brasil o livro da filha do BTK, justamente falando um pouco da relação com o seu pai, tanto antes quanto depois do FBI bater na sua porta e explicar que haviam capturado o homem que a criou e amou nos seus 26 anos de vida. O livro de Kerri é como estar na cabeça dela em diversos momentos, principalmente no pensamento incessante de que seu pai é o BTK, ela é filha do BTK. O homem mais importante da sua vida era uma farsa. Fingia e mentia o tempo inteiro, conseguia se dividir em dois e viver a vida tranquilamente, como se à noite não assombrasse uma cidade inteira.

“Ainda não é totalmente possível para mim lidar com esses dois lados do mesmo homem.”

Acompanhar um pouco do que foi a bagunça na vida de Kerri e sua família foi uma grande aventura cheia de altos e baixos, mas reparei que um dos primeiros movimentos foi o de começar a passar todas as memórias possíveis pela cabeça, uma tentativa de prever, de antecipar, de poder voltar o tempo e impedir os 10 crimes cometidos pelo seu pai. Há muito mais que o pavor de descobrir um lado novo sobre alguém que se jurava conhecer tão bem, logo surge também a falta de pés no chão por perceber que nunca estiveram em segurança, nada pode garantir que ele sempre os protegeria; vem também a exposição da sua vida inteira pela mídia, a culpabilização, a descrença de que aquelas pessoas que moravam com um serial killer não sabiam nada do que estava ocorrendo. É como se o preço a se pagar pelas mortes caísse também no colo de cada um dos familiares. A vida também é destruída, o chão some, o desamparo gera uma trauma quase que como o nosso inicial.

“Ele também se tornou superprotetor em relação à própria família. A insanidade distorcida autoinduzida do meu pai, focada em excesso de cautela e desconfiança permearia minha casa pelas décadas seguintes.”

Kerri também narra um pouco dos momentos em sua vida em que havia a percepção de que o pai tinha algum tipo de problema; suas mudanças de humor repentinas, a superproteção saindo dos limites do esperado, as brigas violentas em níveis extremos com seu irmão, o pisar em ovos que se tornava o lar da família Rader sempre que Dennis estava em um dia ruim, com um humor nada propício ao diálogo com aqueles com quem dividia a vida. 

São muitos e muitos momentos interessantes nesse livro; a troca de cartas da família com o Dennis, a clara dificuldade em compreender que nem todos compartimentavam suas vidas, não existia essa divisão de vida como era para o próprio, uma pessoa presa nas próprias fantasias e incapaz de imaginar a dor daquela filha. Temos também as tentativas de Kerri em se tornar novamente uma adulta funcional, tentativas de conquistar uma vida digna ainda que com uma história tão triste permeando seus dias. Interações difíceis com a polícia,  audiências, as novas formas de se vivenciar a relação pai-filha. Realmente um excelente livro para quem, assim como eu, indaga muito mais sobre as pessoas ao redor dos crimes do que os crimes em si. 

Há também um livro sobre o BTK em si, seus crimes, a investigação da polícia, a prisão e tudo bem detalhado sobre os anos em Wichita de uma população desolada com as mortes violentas que vinham ocorrendo. Deixarei os links dos livros e alguns outros materiais que podem ser de interesse de quem mais tiver curiosidade acerca dessa história.


Título original: A Serial Killer’s Daughter: My Story of Faith, Love, and Overcoming

Editora: Darkside

Publicação: 2021

Tradução: Monique D’Orazio

Nº de páginas: 384


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