Foi o filósofo grego Heráclito de Éfeso que supostamente nos deixou a famosa máxima: “Nenhum homem pode banhar-se duas vezes no mesmo rio”. O que talvez Heráclito quis nos dizer com isso, é simplesmente que tudo muda. A mudança é da natureza das coisas, e é dela que a vida da natureza se alimenta. As plantas e os animais tem seus ciclos vitais, nascem, crescem e morrem; Darwin nos esclareceu, de forma até bastante didática, sobre a evolução das espécies; as placas tectônicas se moveram durante centenas de milhares de anos para separa Pangeia; o rio corre alimentado pelas chuvas e nascentes, por vales e cavernas subterrâneas; e o vento faz as águas do mar se movimentarem em ondas, às vezes coléricas e barulhentas, outras vezes calmas e silenciosas. Tudo muda.
Voltar para casa, independente do tempo em que se esteve fora, é a certeza de encontrar a mudança. Sutil ou óbvia aos sentidos, mas ela estará invariavelmente lá, é inexorável. Alberto volta pra casa e se depara com as mudanças. Assustadoras, é claro, talvez pela expectativa ilusória da permanência. É guiado em suas memórias pelas águas, do rio, do mar, e do encontro do rio com o mar. Não apenas é guiado, mas impelido magneticamente à água, sente escamas crescerem em sua pele, uma sede insaciável. O mangue, bioma dos mais cheios de vida do nosso planeta, o recebe, com suas águas escuras e mata fechada, mesmo que com suas raízes à mostra, aéreas, e ao mangue Alberto se entrega.
Camurupim (2023) é um curta-metragem que em seus pouco mais de dez minutos nos leva pelo caminho das mudanças, através de uma câmera inquieta e uma narração objetiva, pelas águas, seja em sua superfície, seja submerso em suas profundezas. A narração humana se cala com sua poesia para que a poesia das águas e seus sons mutantes, seu ruído branco, nos conduza pelas memórias sensoriais que temos todos. Não apenas aceitamos as mudanças, como com elas nos revigoramos, como se a bebêssemos como um líquido vital, como água.
Este texto faz parte da cobertura do 33º Cine Ceará, realizada pelo Só Mais Uma Coisa.
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Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.