Quantas experiências vivemos em nossas vidas que nos transformam completamente? Na maioria das vezes não percebemos quando acontece, ou mesmo acabamos não dando importância, ao ponto de muitas delas se perderem em nossas memórias, distanciando-se à medida que vivemos, que crescemos. E certamente é na infância que boa parte dessas experiências ocorrem. Uma fase em que a inocência dá as mãos ao aprendizado e caminham por um mar de descobertas. É quando percebemos – ou criamos – nossos primeiros temores, nossas fraquezas, mas também nossas esperanças e sonhos. Eles continuam lá, em nosso interior, queiramos ou não, nos importemos ou não.
Em Barra Nova uma garotinha de uns seis ou sete anos parece passar por uma dessas experiências. E é através do olhar desta menina que fiz uma viagem ao meu passado, um passado que estava em meu interior, há muito guardado. No curta o encontro de um rio com o mar demonstra toda a força quase mágica da natureza. Aliás, estou pensando como um adulto… “quase” não, mágica mesmo. E neste lugar somos convidados a voltar à infância, a observar com os olhos de uma criança. O vento batendo nas plantas na beira da estrada; a mão da mãe que passa o protetor solar; a água salgada que dá um infinito polimento às conchas; o brilho do sol na superfície cristalina daquelas águas. A amizade.
O traço e as cores do animador Diego Maia nos servem como um guia ao nosso olhar por essa memória fantástica. Tons que dão àquela natureza a magia que ela carrega, unidos a um majestoso e cuidadoso tratamento sonoro e de uma trilha musical de uma sensibilidade ímpar, fazendo do filme um túnel diegético e nostálgico maravilhoso. A nostalgia é aquela saudade estranha, esquisita, saudade de um estado de vida que não temos mais, que já passou, mas que sentimos muita falta. Difícil de explicar. Pessoas, ações e coisas fazem parte dessas vivências, e não diria que elas deixaram de existir, ao menos enquanto tivermos formas de arte, como este filme, que nos transporte por esse túnel nossa memória se inquietará.
Este texto faz parte da cobertura do 33º Cine Ceará, realizada pelo Só Mais Uma Coisa.
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Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.