Pajeú – O monstro do esquecimento

O melhor cenário para que sua história tome forma é o seu. Em Pajeú (2020), de Pedro Diógenes, não precisamos de Nilo ou Tâmisa para narrar os assombros reais que a personagem Maristela (Fátima Muniz) vive.

É através dela que um misterioso ser aparece no meio do riacho, transformando sua falta de paz em curiosidade num processo de conscientização sobre Pajeú, corrente d’água berço da formação de Fortaleza/CE. Maristela sente-se fragmentada tal qual o riacho, que tenta resistir nessa história e memória no meio da urbanização desenfreada e especulação imobiliária desde a fundação da capital. Se, por um lado, Maristela observa o importante riacho submergindo com sua história debaixo do asfalto, por outro ele quer ferozmente emergir, como o caso das enchentes na Av. Heráclito Graça e muitos estabelecimentos do Centro da cidade.

Pajeú é um filme com dualidades nada paradoxais. Pelo contrário. Se confrontam e se completam dentro da obra de Diógenes. Temos uma fragmentação/desfragmentação que oscila na construção da protagonista e da problemática (algumas vezes elas se contradizem em Maristela, mas nada que retira o encanto da narrativa e o desencanto da real situação). As disparidades entre Documento/Monumento; Antigo/Moderno; Passado/Presente; Fôlego/Sufoco.

Nas faces diferentes da mesma moeda, podemos dizer que Pajeú revela nossa Macobeba.

Macobeba é um monstro do nosso imaginário moderno. Apareceu pela primeira vez no jornal pernambucano “A Província” nas crônicas de José Mathias (pseudônimo de Júlio Bello) e foi sofrendo releituras durante os anos através de personalidades como Mário de Andrade e Manuel Cavalcanti. Nas palavras de Thiago Mio Salla em “Graciliano Ramos e cultura política: mediação editorial e construção de sentido” relata uma cantiga popular:

É um tal de Macobeba / Bicho feio e valentão / Tem quatro olhos enormes / Que parece ser o cão, / Tem as unhas tão compridas / Que nem mesmo um gavião […]. // Faz o diabo Macobeba; / Devasta tudo onde passa, / Derruba porta de engenho / Bebe toda cachaça, / “E sai como um pé de vento / Inda soltando fumaça”.

Mas o Macobeba que nos interessa é o descrito pelo editor de José Mathias, o antropólogo Estevão Pinto:

“O macobeba é um mito imaginado para explicar os desastres materiais, que crescem à proporção da multiplicidade das conquistas e das invenções humanas. (PINTO, 1929).

 

Em frente a esses símbolos, Pajeú, de Pedro Diógenes, tem uma importância enorme assim como Macobeba por José Lins do Rego analisado pelos professores Nabil Araujo e Thayane Verçosa em “Macobeba do Modernismo Brasileiro:

“(…) Trata da utilidade do medo despertado pelo monstro. A seleção lexical usada por ele é bem curiosa, pois trata dos seus aspectos monstruosos, do ensino de corografia e da serventia do medo despertado por ele.”

Se Pajeú significa em tupi “Rio do Curandeiro”, quem cura os que curam? Ou melhor: quem lembra?

Pajeú é Macobébico!

P.S: Atentos para cena que Mylla Fox canta enquanto Elvio Franklin está encostado na parede em busca de sarar o âmago de seu cotovelo.


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